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Reinado do fogo

O Globo, Planeta Terra, p. 8-11
24 de Mai de 2011

Reinado do fogo

O termo megaincêndio parece sério... e é mesmo. Ainda mais preocupante é a ideia que estes fenômenos estão cada vez mais frequentes - algo destacado por relatório divulgado numa conferência da ONU, realizada este mês na África do Sul.
E o pior: os megaincêndios estão, de alguma forma, tornando-se mais freqüentes que os incidentes tradicionais - e controláveis - com fogo.
"Megaincêndios excedem todos os esforços de controle até os bombeiros obterem uma mudança favorável no tempo (...)", diz o relatório.
"Mesmo em países com infraestrutura avançada e técnicas para combater severos incêndios florestais, os bombeiros estão na defensiva".
O maior dos chamados megaincêndios ocorreu na ilha asiática de Bornéu, dividida entre Malásia e Indonésia. As florestas queimaram por meses em 1997-98, numa região já vulnerável pela seca extrema trazida pelo El Niño. A fumaça cobriu de cinzas e escureceu o céu de boa parte do leste asiático. A incidência de doenças respiratórias cresceu em países como Malásia, Tailândia e Filipinas. Os prejuízos econômicos provocados pelo fogo chegaram a bilhões de dólares.
O fogo consumiu, em dimensões igualmente terríveis, florestas da Amazônia brasileira (1998), EUA (2003), Grécia (2007), Botsuana (2008), Austrália (2009) e Israel e Rússia (ambos no ano passado). Todos episódios atenderam aos pré-requisitos apontados pelo relatório da ONU para qualificar um desastre ambiental como megaincêndio.
Os autores da classificação são dez especialistas de todo o mundo. A equipe juntou-se para atender a um pedido da Organização da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO). O trabalho teve suas conclusões apresentadas na Conferência Internacional de Incêndios Florestais, na África do Sul.
Os incêndios citados acima não foram os únicos de grandes proporções - e o de Bornéu tampouco é o primeiro a chamar atenção. Estes episódios, no entanto, mereceram destaque por serem os mais recentes e bem avaliados, sobretudo com a atual disponibilidade para monitoramento por satélite. Existe um padrão por trás dos megaincêndios? Provavelmente sim, diz o estudo. Aparentemente todos têm causa humana - a maioria, intencional - que vão do acender de fogueiras na Europa ao desmatamento de florestas para a agricultura e a pecuária no Brasil e na Indonésia.
Eventos climáticos extremos, especialmente a seca, são outro fator comum. E, em praticamente todos, a floresta estava alterada como resultado da intensa exploração madeireira, do desmatamento e do desenvolvimento de assentamentos humanos.

Manejo florestal reduz o risco de incêndios

As condições do El Niño em 1997/8 foram extraordinárias para a era moderna. Porém, cientistas alertam que mesmo sem El Niños extremos assim, os megaincêndios poderão continuar a ocorrer. Isso porque previsões climáticas indicam que nas próximas décadas as chuvas serão ainda mais reduzidas em áreas já secas, como regiões da Austrália e da Ásia.
Os especialistas enfrentam uma dificuldade extra para fazer previsões: na maioria dos países não há boas séries históricas sobre grandes incêndios florestais.
Ainda assim, a FAO emite uma nota cautelosa:
"Com o início da mais profunda seca de alcance global, não há mais a garantia de que alguns lugares, só por não terem registrado incêndios severos no passado, estarão livres de problemas com o fogo no futuro".
Mas há também um incentivo.
"Megaincêndios não estão ocorrendo onde as práticas de manejo de terra são coerentes com a ecologia do fogo (...) O risco de sua incidência é igualmente reduzido em áreas onde os programas de proteção de incêndios são equilibrados entre prevenção, mitigação e repressão a crimes ambientais."
O relatório apresentado pela FAO recomenda que governos e população tratem o fenômeno como algo passível de ser combatido.
Segundo os especialistas, os grandes incêndios devem ser entendidos como um fenômeno natural, e também como entidades vivas, sujeitas aos caprichos do tempo. É melhor enfrentá-los com manejo florestal - embora o relatório alerte que esta tarefa tem sido menos praticada em todo o mundo.
Para entender como os megaincêndios são influenciados pelas mudanças climáticas, basta lembrar dos recifes de coral. Um recife saudável pode ser capaz de superar o impacto da pesca comercial ou da poluição. Mas corais debilitados pelas temperaturas crescentes e por oceanos progressivamente menos alcalinos, provavelmente, não vão conseguir sobreviver.
O mesmo, sugere a FAO, ocorre com o fogo. Controles que funcionaram em um ambiente mais frio e úmido podem não funcionar se o mundo aquecer. A adição de mudanças climáticas a outros fatores que provocam incêndios pode ser o que os têm tornado ainda mais comuns.
As consequências dos megaincêndios são devastadoras. O megaincêndio de Bornéu, em 1997/8, lançou na atmosfera uma quantidade de dióxido de carbono semelhante à emitida por toda a indústria europeia no mesmo período. E as árvores da região afetada, que poderiam absorver uma grande quantidade de CO2, foram reduzidas a cinzas.
As emissões de CO2 contribuem para o aquecimento global, que reduz o índice de chuvas. Os megaincêndios são resultado da seca, e aumentam a liberação de carbono para a atmosfera. As mudanças climáticas, então, formariam aqui um ciclo vicioso. Esta conclusão preocupante, porém, ainda carece de mais estudos, segundo o próprio relatório da FAO:
"Pouco é conhecido sobre essa possível interação e suas ramificações a longo prazo".

O Globo, 24/05/2011, Planeta Terra, p. 8-11

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