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Regularização fundiária atinge 3% da meta

FSP, Brasil, p. A12
27 de Fev de 2005

Regularização fundiária atinge 3% da meta
Em 2004, só 4.408 famílias, de meta de 150 mil prevista no Plano Nacional de Reforma Agrária, foram atendidas

Eduardo Scolese
Da Sucursal de Brasília

Propalada como uma das principais bandeiras do governo federal na região amazônica, o programa de regularização fundiária do Ministério do Desenvolvimento Agrário tem caminhado a passos lentos.
Em 2004, apenas 4.408 famílias foram atendidas, ou seja, 3% da meta de 150 mil prevista no Plano Nacional de Reforma Agrária do governo federal.
Desde o assassinato da freira Dorothy Stang, há duas semanas, integrantes do primeiro escalão federal, entre eles o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), têm dito que a atual violência no Pará é uma reação aos projetos do governo na região, entre os quais o de regularização fundiária.
A meta do governo é atender 500 mil famílias com a titulação de imóveis (regularização fundiária) até 2006, sendo 150 mil em 2004, 150 mil em 2005 e 200 mil em 2006.
Em 2004, porém, apenas 4.408 foram atendidas. E outros 84 mil processos, segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), estão em andamento.

Última etapa
A titulação é a última etapa de um longo processo, que inclui o levantamento ocupacional e da estrutura de uma região, o detalhamento cadastral do ocupante do imóvel público e a avaliação das condições locais.
Para a realização desse trabalho, é preciso, além de técnicos treinados, veículos e aparelhos GPS (sistema de posicionamento global por satélite).
Responsável pelo programa, o Incra admite a insuficiência de estrutura de pessoal e orçamentária para atender à demanda nacional de regularização de imóveis.
"O problema é muito grande, muito maior do que a nossa capacidade orçamentária", disse Edaldo Gomes, coordenador da Divisão de Ordenamento Territorial da autarquia (leia texto nesta página).
Até agora, as metas do PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), lançado em novembro de 2003, têm ficado apenas no papel.
No ano passado, por exemplo, nenhuma meta foi cumprida. Além dos 3% atingidos pelo programa de regularização fundiária, assentou-se 81,2 mil famílias diante de uma meta de 115 mil e atendeu-se 9.186 famílias no programa de crédito fundiário diante de uma promessa de 37 mil.

Regras de posse
Para o biólogo José Maria Cardoso, da ONG Conservação Internacional, o governo poderia adotar, além da titulação, a prática de concessão de terras aos colonos do Norte do país.
"Isso evita que áreas antes do governo federal e agora sob o domínio privado dos colonos, por exemplo, possam ser destinadas ao desmatamento ou vendidas para outros interesses", diz.
Para que o governo entregue o título de posse, a família deve estar trabalhando e vivendo no imóvel há pelo menos um ano, além de explorar o local de acordo com normas ambientais. É vetado o benefício de família cujo imóvel ocupado não estiver cadastrado no SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural), que possua outra propriedade em qualquer local do país ou tenha sido assentada em programas de reforma agrária.
Para este ano, cerca de R$ 84 milhões do orçamento do ministério estão reservados para a regularização e a estruturação fundiária. Da meta de 150 mil imóveis a serem regularizados, 64,5 mil estão no Nordeste, seguido das regiões Norte (46 mil), Sudeste (21 mil), Centro-Oeste (9,2 mil) e Sul (9 mil).
Entre os Estados, a Bahia aparece na frente, com a perspectiva de 22,7 mil títulos de posse, à frente de Ceará (14,4 mil), São Paulo (12,1 mil) e Pará -o Estado onde a irmã Dorothy foi assassinada- (18,6 mil).

Para governo, meta é ousada, porém necessária

Da Sucursal de Brasília

O coordenador da Divisão de Ordenamento Territorial do Incra (Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária), Edaldo Gomes, disse que, apesar de ousada, a meta de 500 mil imóveis regularizados até 2006 é necessária para o país, principalmente pelo auxílio na diminuição da violência no campo.
"A meta de 500 mil [até 2006] é ousada, mas é necessário fazê-la. É um dos instrumentos para conter a violência", disse Gomes, escalado pela autarquia para falar com a reportagem.
Edaldo Gomes admitiu a insuficiência de estrutura de pessoal e orçamentária do Incra para atender à demanda de regularização de imóveis. "O problema é muito grande, muito maior do que a nossa capacidade orçamentária."

Outros processos
Sobre as 4.408 famílias atendidas no passado diante de uma meta de 150 mil, o coordenador de Divisão de Ordenamento Territorial do Incra reconheceu o baixo índice, lembrando, porém, que outros 84 mil processos estão em andamento.
"Em termos de meta física, realmente foram bem abaixo do que estava programado. Mas existem pelo menos 84 mil processos constituídos [em andamento]", afirmou.
Segundo o Incra, o trâmite de regularização fundiária poderá ser agilizado nos próximos meses com a conclusão de um plano de destinação de terras públicas, com a participação dos ministérios do Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente e Agricultura, Funai e governos estaduais.

Inquérito sobre freira será entregue amanhã

Da Agência Folha, em Altamira
Da Reportagem Local

As polícias Federal e Civil concluem amanhã o inquérito sobre a morte da missionária Dorothy Stang, 73, e indiciarão o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, por homicídio qualificado, mesmo que ele não se entregue.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, 46, disse ontem, em São Paulo, que "não diminuirá" as ações que estão sendo feitas no Pará. Ela preferiu não comentar o fato de agentes do FBI -a polícia federal americana- estarem acompanhando as investigações.
"Isso é competência do Ministério da Justiça", disse.
Os três agentes do FBI visitaram ontem o local onde a missionária foi assassinada. Eles tiraram fotos do local, tiveram acesso a informações do inquérito da PF e conversaram com os indiciados pelo crime em Altamira.
A ministra deixou ontem o Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas) após suspeita de infarto. Na verdade, segundo o hospital, as fortes dores na região torácica foram causadas por uma hérnia de disco. Ela saiu do hospital usando um colar cervical.
Segundo o cardiologista Bruno Caramelli, foi recomendado à ministra que ela fique em repouso.

Dois acusados de ajudar fazendeiro são presos

Maurício Simionato
Da Agência Folha, em Altamira

A Polícia Federal prendeu ontem à tarde em Belo Monte, no oeste do Pará, dois homens acusados de dar suporte a fuga do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, 73, em Anapu (PA), no último dia 12.
Segundo a PF, os presos Magnaldo Santos, o Negão, e Cleoni Santos, trabalhavam como vaqueiros na fazenda de Bida. Os dois negaram a acusação em depoimento dado ao delegado da PF em Altamira, Ualame Machado.
Os dois vaqueiros tiveram a prisão temporária decretada anteontem pela Justiça. Um terceiro homem ligado a Bida também teve a prisão decretada e é procurado na região de Anapu e Altamira.
O acusado de ser o autor dos seis disparos contra a missionária, Rayfran Sales, o Fogoió, disse em depoimento à PF na semana passada que Negão e Santos levaram -no meio da mata- comida, agasalho e lona para ele [Fogoió], para Clodoaldo Batista, o Eduardo, e para Amair Feijoli da Cunha, o Tato, -acusado de ser o intermediário do crime- um dia após a morte da missionária. A informação foi confirmada por Eduardo.
Fogoió, Tato e Eduardo, que já estão presos, passaram dois dias escondidos na fazenda de Bida, segundo depoimento do próprio Fogoió. "O Rayfran [Fogoió] também disse que o Cleoni ajudou ele a esconder a arma do crime", disse o delegado.
Os dois presos ontem serão indiciados por favorecimento pessoal e seus nomes constarão no inquérito da PF que será concluído amanhã.

Negociações
O advogado de Bida, Augusto Septiminio, acompanhou o depoimento dos dois vaqueiros do fazendeiro durante cerca de três horas e meia na sede da PF. Ele disse que seu cliente deve se entregar a qualquer momento, após a conclusão do inquérito, que acontece amanhã. Segundo a cúpula da PF em Belém, o fazendeiro Bida está negociando sua rendição por meio de advogados.
"Eu não sei onde ele [Bida] está, mas ele se entregará só após a conclusão do inquérito. O depoimento dos dois [vaqueiros] demonstra mais uma vez a falta de culpabilidade do meu cliente no ato da morte da irmã", disse.
A PF divulgou anteontem uma foto recente de Bida. Antes, as polícias trabalhavam com uma foto dele tirada há 13 anos e com um retrato falado.
A PF deve ouvir Fogoió e Eduardo hoje para esclarecer a contradição verificada entre o depoimento deles e o dos vaqueiros, que negaram ter levado comida a eles na fazenda de Bida. Fogoió, Eduardo e Tato estão presos na penitenciária de Altamira.
O advogado de Tato, Oscar Damasceno, também negou ontem o envolvimento de seu cliente no crime. "Não há prova nenhuma contra o Tato. Há somente o depoimento do Fogoió e do Eduardo, que foi dado sob pressão policial", disse o advogado.
O irmão da missionária, David Stang, chegou ontem pela manhã a Altamira e pediu justiça no caso. Ele viajaria de carro na tarde de ontem para Anapu, onde visitaria o túmulo da irmã.

PF e Exército vão atuar contra pistoleiros no PA

Andréa Michael
Da Sucursal de Brasília

As equipes da Polícia Federal e do Exército enviadas ao Pará por conta do assassinato de Dorothy Stang serão acionadas para dar suporte a programas de governo cuja implantação esbarra na ação de pistoleiros que agem na região.
Deflagrada a crise, que apontou mais uma vez a ausência do Estado na região amazônica, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e Funai (Fundação Nacional do Índio) iniciam programas destinados a inibir a exploração ilegal da madeira, a identificar e retomar terras da União que foram griladas e a demarcar áreas indígenas ocupadas por fazendeiros.
Em um plano emergencial, o Incra fará o recadastramento de cerca de 100 mil imóveis rurais distribuídos por 10 milhões de hectares de terras da União no Pará. O projeto, que começa em abril, mobilizará inicialmente 60 equipes do Incra -cerca de 240 técnicos.
A meta do presidente do órgão, Rolf Hackbart, é dispor de cem equipes (400 técnicos) para concluir o trabalho em dois anos.
O recadastramento extrapola os limites do Pará, seguindo o desenho da BR-163, estrada que liga Santarém (PA) a Cuiabá (MT) e cuja construção é anunciada como uma das prioridades do governo. O edital do empreendimento, estimado em R$ 1 bilhão -somando construção, recuperação e manutenção de uma extensão de 1.340 quilômetros-, deve ser lançado em junho.
A Funai espera demarcar, ainda este ano, quatro das sete terras indígenas existentes no Estado, o que equivale a 90% da área à espera de demarcação.
Entre as pendências está a terra indígena Apyterewa, de 773 mil hectares, que teve a demarcação iniciada em janeiro e depois suspensa por conta da ação de pistoleiros. "Os técnicos estavam a 1.800 metros de concluir a demarcação. Mas foram impedidos de terminar o trabalho", diz Mércio Gomes, presidente da Funai.
Nesta segunda-feira, o Ibama começa por Anapu uma operação de 45 dias para mapear o estoque de madeira em 200 serrarias instaladas no PA, MT e RO.
A idéia é ter um referencial para comparar à quantidade de madeira que estará nestes galpões a partir de maio, quando começa a temporada de seca e, com ela, o desmatamento mais intenso.
Em meio à crise, a PF, que enviou um reforço de 80 homens à região -o corpo permanente na área é de 61 policiais-, aguarda o governo liberar R$ 10 milhões para iniciar a construção de duas novas delegacias -em Altamira e Itaituba- e reformar as instalações e reequipar as já existentes em Marabá e Santarém.
Segundo o delegado Valdinho Caetano, chefe da Divisão de Assuntos e Sociais e Políticos da PF, o reforço servirá para dar suporte a uma força-tarefa para executar mandados de prisão ainda não cumpridos contra pistoleiros em pelo menos 12 comarcas.
Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, publicado pela Folha, nas regiões sul e sudeste do Pará, 16 assassinatos de sindicalistas permanecem sem punição para os mandantes e pelo menos 29 acusados de pistolagem estão foragidos.

FSP, 27/02/2005, Brasil, p. A12

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