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Regiões pobres concentram centenários

OESP, Vida, p. A28
04 de Dez de 2011

Regiões pobres concentram centenários
Padrão se opõe ao dos idosos em geral no País, mostra IBGE

Paulo Saldaña
Rodrigo Burgarelli

Chegar aos 100 anos de idade não é fácil. A façanha foi alcançada por apenas 24.236 brasileiros, o equivalente a 0,012 % da população. Mas entender os mecanismos que determinam essa longevidade também é tarefa árdua. Um mapeamento inédito do Censo Demográfico, tabulado pelo Estado, revela um cenário que intrigou até técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): ao invés de se concentrarem nas regiões mais desenvolvidas e com melhor acesso à saúde, os centenários brasileiros estão nas regiões mais pobres.
Esse padrão é quase o oposto do que acontece com os idosos de maneira geral. Um exemplo de como renda ou índices sociais não determinam a concentração de pessoas com mais de 100 anos é a Bahia. Apesar de estar em quarto lugar no ranking de população absoluta, o Estado nordestino é o líder em número de centenários, a maioria deles concentrada em cidades do interior. São 3.578 pessoas com mais de 100 anos, número quase 10% superior ao encontrado em São Paulo - que tem população três vezes maior e o dobro da renda per capita.
Proporcionalmente, o Estado com o maior número de centenários é o Amapá, no Norte. Ele é o segundo pior em termos de saneamento básico - apenas 6,67% dos domicílios têm rede de esgoto - e está longe da lista dos mais ricos, mas, mesmo assim, apresenta uma média de 26,7 centenários por cada 100 mil habitantes, mais que o triplo registrado em São Paulo, o mais rico e com melhor saneamento. As outras maiores concentrações estão no Nordeste: Bahia, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Alagoas e Ceará.
Outro dado que surpreendeu especialistas foi a diminuição no número de centenários no País, em contraste com o aumento ininterrupto da expectativa de vida do número de idosos de maneira geral. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2007 estimou haveria 45,4 mil centenários no ano passado, quase o dobro do registrado em 2000. A variação, no entanto, foi ligeiramente negativa - existem hoje 340 centenários a menos que no início deste século, uma queda de 1,5%. Enquanto isso, o número de idosos com mais de 65 anos explodiu, passando de 9,9 milhões para 14 milhões (41% de aumento).
Interrogações. Enquanto a explicação para o aumento da população idosa passa pela melhora dos serviços de saúde, índices sociais e de renda, a presença dos centenários exige um esforço maior. Em geral, estilo de vida, alimentação e ausência das agruras das grandes cidades são fatores que melhor explicam os números. O médico Alexandre Kalache, um dos maiores especialistas em longevidade do País, explica que viver em grandes centros urbanos, mesmo com conforto e acesso a bens materiais, pode ser mais prejudicial que levar uma vida simples, pobre - "não miserável" - em áreas isoladas ou rurais.
"Quem tem uma vida modesta possui menos dinheiro para fumar, para beber, come de forma razoavelmente simples, pouco e bem, sem excessos de gordura, por exemplo. No campo, ainda faz mais atividade físicas", diz Kalache, consultor sênior da Academia de Medicina de Nova York e ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Segundo ele, os problemas do cotidiano das cidades custam caro a quem pretende completar uma centena de anos - além da violência urbana, contam negativamente o trânsito, o estresse e a poluição. "Não é só o estresse acumulado, mas também o tipo de estresse e a forma como as pessoas respondem a ele", afirma o especialista.

Indígenas têm o triplo de chance de chegar aos 100

Às margens do Rio Envira, em Feijó, no Acre, nasceu a índia Maria Lucimar Pereira Marroque Kaxinawá. A data está documentada em certidão de nascimento e RG: 3 de setembro de 1890. Sempre morou em aldeia, casou 2 vezes, gerou 12 filhos (3 ainda vivos) e tem 22 netos. Ela, que pode ser a mais velha do mundo, está entre os 227 indígenas centenários registrados pelo Censo 2010. Com total de 716 mil pessoas autodeclaradas indígenas no País, o grupo tem a maior proporção de pessoas nessa faixa etária. Dados mostram que as chances de um indígena fazer 100 anos é três vezes superior às de um branco. Refletindo dados gerais de velhice, as mulheres índias respondem por 69%.
Com 121 anos, Maria esbanja saúde: não só está lúcida, mas varre o quintal e ajuda no artesanato. Mesmo andando devagar, faz questão de ajudar no roçado de mandioca, acompanhada pelos netos. Há 12 anos, a ONG Comissão Pró-Índio elaborou a gramática da etnia huni kui (batizada pelos antropólogos de kaxinawá, após os primeiros contatos). Maria foi referência na comunidade. Ela fala português com dificuldade. "Gosta mesmo é de falar a nossa língua", orgulha-se o neto Ninawá. "Ela é uma boa contadora de histórias. Nossas histórias, claro." Atualmente, ela mora na aldeia Mâe Txanayá, na Terra Indígena Kaxinawá. Para encontrar essa comunidade, são aproximadamente quatro horas de estrada até Feijó. Depois, mais seis horas pelas águas do Envira.
Receita. Costumes simples, a distâncias do estresse das cidades e, principalmente, uma boa alimentação são apontados como se fosse uma receita - a se tomar nota. A índia Guarani Julia de Souza, de 102 anos, ainda mantém o costume de comer mandioca cozida com ovo de galinha, batata e peixe assado na tribo Jaguapiru, a 16 km de Dourados, Mato Grosso. Ela nasceu entre os índios do litoral paulista e já não se lembra de seu nome indígena. "O recurso natural praticamente não existe na tribo, já chega muita coisa industrializada. Mas ela ainda mantém os costumes", diz Izaque de Souza, de 41 anos, filho de Luiza. "Tem um irmão que ajuda a cuidar dela e do meu pai, que está com 93 anos."
Segundo o coordenador da ONG Opção Brasil, Marcos Aguiar, que trabalha com indígenas nas tribos de São Paulo, até mesmo os que vivem em cidades conservam alguns costumes. "Eles procuram manter suas tradições como todos, principalmente em relação à alimentação, de quantidade", diz ele. "Além disso, os índios ainda têm a questão de valor aos mais velhos, de respeito aos anciãos, que são exemplos." Entre os índios centenários, a maioria (54%) já vive em área urbanas.
Segundo especialistas, a herança genética influencia pouco na longevidade. "Temos de olhar com cautela para isso, porque muitas vezes as pessoas aumentavam a idade por questão de status", alerta o médico Alexandre Kalache. O Censo também mostra que os pretos têm o dobro de chance de passar dos 100 anos que os brancos. / P.S., R.B. e ITAAN ARRUDA, ESPECIAL PARA O ESTADO

OESP, 04/12/2011, Vida, p. A28

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