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Reforma dobra fundo de integração

OESP, Especial, p. H4
03 de Dez de 2009

Reforma dobra fundo de integração
Proposta de emenda constitucional no Congresso eleva para R$ 35 bilhões os recursos para integração regional

Ana Conceição
Agência Estado

Historicamente à margem do processo de desenvolvimento nacional, o Norte brasileiro começa a figurar com mais destaque nas planilhas das agências que formulam políticas de fomento econômico. O desenvolvimento regional, agora, passa pela integração dos Estados locais ao resto do País, em um contexto internacional de valorização dos recursos naturais. "Houve um longo período de ausência no planejamento regional e apenas em 1999, após a redemocratização do País, essa questão foi recolocada", afirmou Henrique Villa da Costa Ferreira, secretário de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional.

Segundo Ferreira, o Brasil passa por um "alargamento do território nacional" em um modelo similar ao da União Europeia, que se fortaleceu ao integrar os países pobres ao bloco dos mais ricos. "Países como Espanha, Portugal e Grécia tinham uma condição econômica diferenciada. Boa parte desse avanço foi feito por meio de políticas regionais de integração", defende.

Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), lembra uma imagem da época da colonização para definir a discrepância entre as regiões existente hoje. "A linha de Tordesilhas continua presente no Brasil, ainda divide nosso território." Ele vê o País dividido em blocos com divisões culturais e econômicas bem marcadas, que ainda hoje não foram superadas. A respeito da Região Norte, Val diz que as políticas de integração devem ter uma noção de escala que nunca adotada. "Estamos falando de uma área que ocupa 60% do território brasileiro."

A ideia defendida hoje pelo governo é que a política regional brasileira não olhe mais para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apenas como regiões problemáticas. "A política de integração deve enxergar o território como um todo", afirma Ferreira.

Para além da parte política, há também o lado financeiro da questão. A integração de territórios de que falam os especialistas significa gerar investimentos em regiões nem sempre atrativas à iniciativa privada. Nesse sentido, o Ministério da Integração aposta no reforço do caixa dos instrumentos de financiamento, em especial os chamados fundos regionais e constitucionais, que devem ganhar um reforço com a reforma tributária.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), em negociação no Congresso, pode elevar dos atuais R$ 20 bilhões para R$ 35 bilhões os recursos destinados a projetos da iniciativa privada, um aumento de 75%.

"Não é um recurso trivial", afirma Ferreira. Ele explica que o novo instrumento vai incorporar recursos dos fundos constitucionais e regionais já existentes e de outros meios oficiais de financiamento. "É um volume importante para reduzir a desigualdade regional e incorporar boa parte dos territórios que estão à margem do processo de desenvolvimento."

Atualmente, os fundos constitucionais são os principais instrumentos de financiamento da Região Norte, segundo Ferreira. Em 2009, dos R$ 13 bilhões destinados a esses fundos, R$ 2 bilhões foram para os sete Estados que formam a Amazônia, um volume recorde.

O Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FAM) destinou mais R$ 700 milhões para a região. Este ano, os recursos entre fundos regionais, constitucionais e incentivos fiscais para todas as regiões chegaram a R$ 20 bilhões.

Pela proposta em discussão, o FNDR serviria como uma espécie de compensação pelas perdas que os Estados devem sofrer com reforma tributária. "Hoje, 3% da arrecadação da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda vão para os fundos. Além de aumentar essa base, será criado o IVA (imposto sobre valor agregado), que junta Cofins e outros impostos federais. Por isso, os recursos vão quase dobrar", comentou Ferreira.

Esse volume de dinheiro, contudo, não estará disponível no curto prazo. A proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma tributária, dentro da qual o FNDR está sendo discutido, transita há dois anos no Congresso Nacional. Segundo Ferreira, se a PEC for aprovada até junho do próximo ano, o que não parece provável, os recursos estarão disponíveis a partir de 2011.

Quando estiver disponível, os recursos do FNDR terão um foco em projetos que integrem regiões mais distantes dos centros econômicos. Por isso, cerca de 70% deverão ser destinados a investimentos em infraestrutura, e os 30% restantes em treinamento e capacitação, entre outros projetos.

O déficit de infraestrutura, aliás, é um dos principais problemas a serem atacados na região Norte, mas Ferreira alerta que a ampliação de estradas, portos e outros projetos deve ser feita em bases avançadas. "É ultrapassada a ideia anterior de que apenas uma estrada aberta na floresta é capaz de produzir desenvolvimento de uma determinada área", diz.

Modelo dos anos 50 já não serve

Daniel Piza
Jornalista

Amazônia é sempre um tema polêmico e amplo, mas uma convergência foi evidente nos dois painéis de anteontem: o modelo tradicional de desenvolvimento não atende à complexidade da região. O secretário do Ministério da Integração Nacional, Henrique Villa da Costa Ferreira, mencionou explicitamente o pensamento "desenvolvimentista" de autores como Celso Furtado, dominante nos anos 50 e 60 e inspirador de órgãos como a Sudam, cuja função seria comandar a economia regional com um planejamento centralizado. Hoje está claro que as questões amazônicas só serão resolvidas com participação de muitos atores, sobretudo a iniciativa privada, e atenção às múltiplas escalas, pois uma solução para o sul do Pará não servirá para o norte do Acre. Ao poder público cabe coordenar e induzir - e, como disse Guilherme Leal, da Natura, reduzir a burocracia para que um produto não leve até três anos para chegar ao mercado.

Outra convergência foi a crítica à noção de sustentabilidade como um parâmetro exclusivamente ambiental, quando se trata de combinar avanços socioeconômicos ao uso inteligente dos recursos naturais. O professor José Alberto Machado observou que ainda existe a noção de que "Amazônia e negócios não andam juntos": falta visão estratégica para investir nos potenciais produtivos com escala, não apenas de modo pulverizado e experimental. Adalberto Val, diretor do Inpa, registrou a carência de pesquisadores e verbas para ciência e tecnologia. Todos, afinal, concordaram: ainda conhecemos mal a Amazônia, o que dificulta muito pensá-la de forma pragmática. Mapear esses potenciais e dar a infraestrutura adequada é imprescindível. Enquanto isso, a confusão entre desmatamento e desenvolvimento vai prosseguir.

OESP, 03/12/2009, Especial, p. H4

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