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Referendo na Bolivia eleva incertezas das petroleiras

GM, Energia, p.A6
20 de Jul de 2004

Referendo na Bolívia eleva incertezas das petroleiras

EFE de La Paz

O dia seguinte ao referendo que, no domingo, aprovou a política do presidente da Bolívia, Carlos Mesa, para o gás natural do país, foi marcado pelo debate sobre a futura regulamentação para o setor e a ratificação do triunfo do plano governamental. A consulta aprovou um aumento para até 50% dos impostos pagos pelas petroleiras, assim como a retomada do controle do setor pelo Estado por meio da companhia pública Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Também receberam apoio público um plano de desenvolvimento de projetos de exportação e industrialização e outro que propõe o uso do gás como elemento estratégico para obter do Chile uma saída para o Oceano Pacífico.

Fontes do Palácio do Governo de La Paz afirmaram à EFE que o projeto de lei energética do Executivo, resultante do referendo, será enviado ao Legislativo depois da celebração da festa nacional boliviana, no dia 6 de agosto, quando serão escolhidas as diretorias das câmaras de Senadores e Deputados.

Para as empresas petroleiras multinacionais que operam na Bolívia, entretanto, há um aumento das incertezas em relação a seu futuro no país. O analista da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos (CBH), Carlos Alberto López, disse haver o temor de que um monstro possa sair do Congresso em forma de uma lei que sugira a nacionalização ou a anulação dos contratos das empresas. A incerteza que existia antes do referendo já fez cair os investimentos das petroleiras dos US$ 680 milhões de 1998 para US$ 120 milhões em 2003, apontou López.

Aspectos econômicos e técnicos
"Tomara que, havendo passado essa etapa majoritariamente política de debate e de avaliação, agora se possa passar ao que realmente afeta o setor e a aspectos estratégicos econômicos e técnicos, que são aspectos lamentavelmente ausentes do debate dos dois últimos anos", disse López. Segundo sua opinião, o novo debate "tem que considerar urgentemente" as condições para que as empresas realizem investimentos de US$ 3 bilhões para explorar as reservas de 52,3 trilhões de pés cúbicos (1,4 trilhão de metros cúbicos) descobertas no subsolo boliviano.

Para López, também é central discutir a competitividade do regime fiscal para que as empresas que operam na Bolívia possam competir em mercados do Brasil e Argentina, que têm condições fiscais menos severas. A subida gradual dos tributos de 18% para 50%, que o governo propõe, segundo López, foi rechaçada pelo setor desde que se delineou em maio, por considerar que "matará o negócio".

Na opinião dele, se as condições tributárias tornarem inviável a exportação para o setor, todas a discussão realizada até agora, e o próprio referendo, terão sido uma perda de tempo. "A capacidade das companhias de assumir uma maior carga fiscal depende prioritariamente do nível de vendas e de receitas que tenham, mas nesse sentido a Bolívia dá mensagens contraditórias", diz o analista.

Disputa no parlamento
O presidente Carlos Mesa comemorou a vitória no referendo. "Pela primeira vez em sua história, o Parlamento Nacional vai ter de votar um projeto de Lei de Hidrocarbonetos sobre a base de um voto vinculativo obrigatório e de complemento indispensável", assegurou Mesa em um discurso feito depois da votação do domingo. Segundo o governante, a resposta dos legisladores "tem de ser inequivocamente fiel ao espírito, à letra, ao fundo e à forma das cinco perguntas" do referendo.

No entanto, as posturas expressadas pelos analistas e pelas forças políticas que compõem o Congresso, com as quais Mesa terá que pactuar devido a sua escassa base parlamentar, deixam em evidência que o processo não será exatamente um mar de rosas. O Movimento ao Socialismo (MAS), do dirigente dos produtores de coca Evo Morales, já advertiu que, nesta semana, apresentará um projeto de lei próprio, resultante de sua análise dos resultados.

O principal ponto de discordância entre o MAS e Mesa se refere à interpretação da segunda pergunta, que sugere "a recuperação da propriedade dos hidrocarbonetos na boca do poço". Para o MAS, isto significa a anulação dos 76 contratos de risco partilhado assinados entre Estado e empresas que operam no país, para atender à nova regulamentação.

Mas o governo alega que se trata unicamente da intervenção estatal na tomada de decisões e nos planos de aproveitamento dos recursos energéticos, embora tenha esclarecido que a medida não terá caráter retroativo. O que não significa, no entanto, que os acordos assinados não serão revisados. Para o analista Carlos Villegas, este será um dos assuntos de maior controvérsia no Parlamento, já que a ratificação dos contratos quer dizer que se respeitará a propriedade na boca do poço das reservas de gás de Bolívia.

O referendo realizado no domingo tinha cinco perguntas. A primeira era sobre a abolição da Lei de Hidrocarbonetos, vigente desde 1996, quando o setor petrolífero boliviano passou ao controle privado. A segunda era sobre a recuperação para o Estado da propriedade dos hidrocarbonetos na superfície, que se encontra sob o controle das petroleiras. A terceira dizia respeito à "refundação" da companhia estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).

A quarta questão, a mais polêmica, perguntava sobre o uso do gás como recurso estratégico para encarar com o Chile uma negociação destinada a solucionar a centenária demanda boliviana por um acesso soberano ao Pacífico. A última era sobre a exportação de gás, em uma política que eleve os impostos das petroleiras de 18% para 50% e promova projetos de industrialização energética.

GM, 20/07/2004, p.A6

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