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Redução da desigualdade regional perdeu ritmo nos últimos 20 anos

OESP, Nacional, p. A10-A11
Autor: SIQUEIRA, Marcelo Piancastelli de
03 de Dez de 2006

Redução da desigualdade regional perdeu ritmo nos últimos 20 anos
Aproximação entre áreas do País teve no período 1970-1985 velocidade 3 vezes maior do que de 1986 a 2002

Nilson Brandão Júnior

A velocidade da redução da desigualdade regional no País caiu fortemente nas últimas duas décadas. Entre 1970 e 1985, essa redução foi três vezes mais rápida do que entre 1986 e 2002, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No segundo período, faltaram investimentos públicos, o Estado encolheu e políticas regionais foram desmanteladas, segundo o trabalho. Um exemplo do que isso causa: a parcela do Nordeste no PIB brasileiro estacionou durante 19 anos na faixa dos 14%.

É o que mostram dados do IBGE sobre a riqueza nacional por Estados entre 1985 e 2004, último ano com informações disponíveis. O retrato mostra algum recuo do peso relativo do Sudeste, acompanhado de avanço do Centro-Oeste. Mas o Nordeste estagnou como ícone da desigualdade regional.

Os dados indicam a ausência de políticas públicas ativas. De forma geral, a questão do desenvolvimento regional foi assunto relevante nos anos de 1970, mas sumiu dos debates nas décadas seguintes. Além da redução dos investimentos públicos, reflexo das progressivas restrições fiscais e da redução da presença do Estado, a iniciativa privada opta tradicionalmente por investimentos nas áreas de melhor infra-estrutura, maior renda e chances de lucros.

'Precisamos urgentemente retomar o assunto do desenvolvimento regional. A visão mudou. Não é mais a visão de 'região problema', é de oportunidade - de desenvolvimento e de investimento nessas regiões. Isso inclusive pode ajudar muito na geração de empregos no Brasil', diz o ex-ministro e diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), João Paulo dos Reis Velloso, que participou, na década de 70, da condução das políticas de desenvolvimento.

Autor do estudo sobre desigualdades regionais no Ipea, Aristides Monteiro Neto mostra que o investimento do governo como proporção do PIB caiu nos 30 anos que vão de 1970 a 2000 de 10% em média para 3,2%. 'A trajetória de queda é quase uma constante', diz.

Não bastasse isso, prossegue o economista, os dados mostram que o Nordeste vem recebendo nível de investimento público per capita abaixo da média nacional. Assim, em 2000 o valor per capita para o nordestino foi equivalente, por exemplo, a apenas 62% da média nacional, enquanto para os habitantes do Sudeste foi 10% superior à média. 'Para modificar a estrutura precisa alterar muito isso', afirma ele.

Para o economista, a redução de disparidades também perdeu fôlego com a 'crise de intervenção estatal' nas duas últimas décadas. E o ajuste 'liberal' desde 1994 não teria permitido a reativação de mecanismos para enfrentar as desigualdades entre regiões.

'Não há consenso sobre o que deve ser feito'
Economista defende investimentos públicos em infra-estrutura para atrair a iniciativa privada para as regiões mais pobres

Beth Cataldo e Nilson Brandão Júnior

O economista Marcelo Piancastelli de Siqueira, diretor de Estudos Regionais e Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), identifica falta de caminhos para a estratégia de desenvolvimento regional. 'Não existe consenso sequer sobre o que deve ser feito.' Na prática, os instrumentos para modernizar as políticas regionais colheram poucos resultados.

Piancastelli defende investimentos públicos em infra-estrutura como passo para atrair a iniciativa privada para regiões pobres. E espera que o País seja capaz de ir além dos programas de transferência de renda, que não considera suficientes.

Por que as agências e os fundos de desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia nunca saíram do papel?

As várias tentativas de reorganizar a área regional ficaram enredadas na parte burocrática, na escassez de recursos e na falta de pessoal especializado, com experiência. Os decretos de regulamentação dos fundos foram bastante sérios e rigorosos em termos de verificação de investimentos e da idoneidade dos tomadores. E isso não teve boa acolhida nem no Nordeste nem no Norte, tanto por parte das agências como do empresariado. Na experiência anterior, nem sempre as operações de empréstimo eram feitas com o cuidado devido, em termos de garantias e avaliação dos bens imóveis a serem postos sob custódia. Tivemos vários casos na Amazônia e no Nordeste em que as garantias eram fictícias.

Por que o BNDES tem atuação tão limitada no Norte e Nordeste em comparação ao Centro-Sul?

A grande diferença são os critérios econômicos e financeiros. Nem todos os setores no Norte e Nordeste estão acostumados a trabalhar do ponto de vista financeiro com o mesmo nível de garantia e o mesmo grau de eficiência do restante do País.

Os estudos do Ipea sobre desenvolvimento regional não dão ênfase excessiva ao papel do setor público?

De maneira alguma afirmaria que o setor público é o elemento mais importante. Mas nenhuma região do mundo se desenvolveu sem investimentos públicos. Como conseqüência deles, o setor privado vem atrás. A rede de hotéis do Nordeste, por exemplo, não existiria sem o Prodetur, que permitiu financiamentos públicos, com o BID, para estradas. Em termos de infra-estrutura básica, o setor público é fundamental.

Qual o impacto do Bolsa-Família no processo do resgate social e econômico das regiões mais pobres?

O programa se tornou no Nordeste um instrumento extremamente importante, porque permitiu que as faixas D e E participassem do mercado de consumo. É uma política social importante e o País não pode deixar de tê-la. Caso contrário, teríamos áreas de miséria absoluta. Mas só isso não é suficiente. Não é possível sustentar toda a atividade econômica de uma região desse porte apenas na base de transferências. É importante ter a visão paralela de qual será a atividade econômica a ser instalada para que se possa, inclusive, reduzir o papel das transferências no futuro.

Passado cria suspeitas sobre futuro da Sudene
Também os vícios da Sudam são lembrados às vésperas da recriação

Wilson Tosta

A duas canetadas da ressurreição, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), extintas em 2001, voltam à cena envoltas nas mesmas polêmicas que determinaram os seus sepultamentos, cinco anos atrás. Ambas tiveram seus projetos de recriação aprovados pela Câmara na semana passada, mas, no aguardo da sanção presidencial, as proposições são objeto de desconfiança, fundada nas suas histórias, marcadas pelo descumprimento de seus objetivos originais e por episódios de favorecimento político e corrupção.

Até quem protestou contra o seu fim ou pregou as suas voltas admite: com o mesmo perfil anterior, as ressurreições da Sudene e da Sudam com os velhos vícios são inaceitáveis. 'Os projetos na Sudam eram feitos para não dar certo', diz o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), favorável à retomada, mas crítico do passado, para ele marcado por desvios - como fiscais que pediam propina e empresários que usavam a instituição para fraudar o Fisco.

A governadora eleita do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), também é dura na crítica. 'Antes, havia muito recurso apenas para pecuária, se derrubava floresta, não tinha agregação de valores', diz. O deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), relator do projeto que recriou a Sudene, investe contra o governo Fernando Henrique Cardoso, que enterrou a instituição, mas admite falhas anteriores. 'Não queremos a Sudene de 50 anos atrás', resume.

ROUPA NOVA

Os textos que recriam a Sudene e a Sudam, semelhantes entre si, tentam eliminar o modelo 'operativo' anterior e investem na abertura das novas autarquias para a sociedade, com a participação de representantes de empresários e trabalhadores em seus Conselhos Deliberativos. Também prevêem a realização de reuniões comandadas pelo presidente da República e abrem as instituições à participação de representantes dos municípios.

'Vai depender da pessoa escolhida (para dirigir a Sudene)', diz o governador do Piauí, Wellington Dias (PT). 'Tem de ser alguém com muita legitimidade na região, capacidade técnica e com condições de defender as propostas aprovadas.'

No caso específico da velha Sudam, Virgílio é direto: 'Não há saldo positivo', ataca. 'Com o esquema corrupto que havia lá, ia crescer como?' O parlamentar descreve esquemas de cobrança de propina que iam da base à direção da autarquia e resultavam num dilema para os empresários. 'Houve muitas agressões ecológicas violentas. Uma montadora tocou fogo na floresta, em território equivalente ao de alguns países europeus. O próprio Projeto Jari é polêmico', admite.

Ana Júlia denuncia a falta de infra-estrutura da região e suas contradições. 'Não é possível termos a hidrelétrica de Tucuruí, que produz energia para o resto do País, e faltar eletricidade no Pará', aponta. Para ela, como investirá nesse setor, a nova Sudam será um instrumento importante. A antiga, reconhece, 'chegou a um nível de descontrole muito grande'.

Zezéu Ribeiro acusa o ex-presidente FHC de, ao acabar com a Sudene, 'jogar fora a criança junto com a água do banho'. Em sua opinião, a superintendência foi importante até 1964. 'A partir daí, ela perdeu o caráter político de defensora do Nordeste. Tinha recursos, mas era tudo centralizado, autoritário, não defendia o interesse coletivo. E foi se esvaziando.'

Wellington Dias afirma que a Sudene começou a ficar decadente depois que foi retirada a sua subordinação direta ao presidente da República, ainda no regime militar. Para ele, no fim, a velha Sudene não servia a todo o Nordeste: 'Virou uma coisa de Pernambuco, voltada para a cana-de-açúcar', critica.

O presidente da Petrobrás, o baiano José Sérgio Gabrielli, fez a sua tese de mestrado, em 1975, sobre incentivos fiscais regionais. 'Desiguais devem ser tratados de forma desigual, no desenvolvimento regional', diz ele. 'Deve haver incentivos para estimular o desenvolvimento. O mercado, sozinho, não vai fazer isso.' Mas lembra que há formas diferentes de incentivar: 'Por exemplo, estimular políticas de incentivos concentradas em atividades dependentes de incentivos, a meu ver, não é o mais adequado', diz.

Agências foram extintas por causa de corrupção
Em 2001, cálculo era de desvios de R$ 415 milhões na Sudene e R$ 600 milhões na Sudam

Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) foram, durante anos, siglas associadas a escândalos de favorecimento e corrupção.

Inicialmente, remetiam à idéia desenvolvimentista, acalentada, no caso nordestino, desde o presidente Juscelino Kubitschek, que a criou em 1959 a partir de proposta do economista Celso Furtado; e no amazônico desde o regime militar, que a deu à luz em 1966, na Presidência do marechal Castello Branco.

Políticos das duas regiões, porém, sempre as encararam como poderosos instrumentos de poder e enriquecimento, transferindo recursos do Estado para particulares. Houve poucos protestos quando, em 2 de maio de 2001, após novas denúncias, o presidente Fernando Henrique Cardoso as extinguiu por medida provisória.

Foi o então presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA), um dos acusados de envolvimento em irregularidades na Sudam, que em março de 2001 descreveu alguns dos mecanismos de fraude na autarquia - dos quais procurou se desvincular. Em meio a uma áspera polêmica com o também senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), Jader, num discurso para mais de 300 fazendeiros em Belém (PA), falou em superfaturamento, desvios, maquiagem de projetos e venda de incentivos fiscais. Tudo, afirmou o parlamentar, do conhecimento do então ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, a quem teria contado as brechas legais que permitiam a ação dos fraudadores.

'Para conseguir o dinheiro, o empresário tem contrato de gaveta', disse o senador, que foi acusado de ter indicado para a Sudam dirigentes suspeitos de envolvimento em desvios. 'Logicamente, ou o projeto é maquiado na hora de ser elaborado ou o empresário, para implantá-lo, tem que encher o projeto com notas fiscais fraudulentas. O escândalo da Sudam é um escândalo da legislação, que permite que se vendam os incentivos fiscais a 40% em São Paulo', declarou Jader.

'BRASIL ARCAICO'

Fiel a seu estilo, o presidente Fernando Henrique, na solenidade em que assinou a extinção das duas autarquias, chamou-as de 'reproduções do Brasil arcaico', com 'espaço para a corrupção'. Acusou-as também de clientelismo e corporativismo.

Na época, calculava-se que os desvios chegassem a R$ 415 milhões na Sudene e a mais de R$ 600 milhões na Sudam, mas avaliava-se que poderia alcançar R$ 2 bilhões. FHC também acabou com renúncias fiscais e criou a Agência de Desenvolvimento do Nordeste e a Agência de Desenvolvimento da Amazônia, mais limitadas e com critérios mais rígidos. Ambas deverão ser extintas agora, com a volta das duas antigas superintendências.

'Não é do meu estilo estar apontando com o dedo quem é ladrão', afirmou FHC. 'À polícia e à Justiça cabe fazer isso. Mas é do meu dever fazer o que eu fiz, que é mudar a estrutura do Estado brasileiro.'

Pouco depois, em maio, Fernando Bezerra, que chegou a ser investigado por uma CPI que tratou do Finor (Fundo de Investimentos do Nordeste), pediu demissão do cargo no ministério. Na campanha de 2002, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu recriar tanto a Sudam como a Sudene.

'Quando uma instituição tem corrupção, você prende os corruptos e moraliza o funcionamento da instituição. Se você pegar um corrupto no Palácio do Planalto, você vai fechar o Palácio do Planalto? É preciso punir os responsáveis, e não fechar as instituições de fomento que o Brasil tem. O Jader Barbalho precisava estar preso', disse Lula, que tem atualmente em Jader um aliado.

OESP, 03/12/2006, Nacional, p. A10-A11

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