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Reconquista da terra

Correio Braziliense - Brasília - DF
Autor: Cristina Ávila e Nehil Hamilton
03 de Abr de 2001

Livro que será lançado hoje pelo Instituto Socioambiental faz levantamento positivo das comunidades indígenas brasileiras

Segundo a pesquisa do ISA, Os índios cresceram 3,5% ao ano - muito mais do que a média de 1,6% estimada para o resto da população brasileira
As aldeias cresceram. As crianças indígenas se multiplicaram, para surpresa dos barbudos da esquerda que nos anos 70 foram às ruas gritar contra o genocídio. O movimento indigenista começou há três décadas com pessimismo, denunciando atrocidades da ditadura. A palavra de ordem era contra a onda de progresso que rasgava a Amazônia. Era contra a integração da região ao resto do país, defendida por militares. A integração era na marra, feita com estradas como a Transamazônica, pela expansão das fronteiras agrícolas e pelo desenvolvimento que invadia territórios e reduzia as populações indígenas. Até o final dos anos 70, tínhamos síndrome de extinção. Muitos índios sumiram mesmo porque nos primeiros contatos que tiveram com os brancos foram arrasados por gripes e malárias, mas os que sobreviveram entraram em recuperação. Quando começamos a montar bancos de dados, começamos a perceber que havia uma reversão no nível demográfico, conta Márcio Santilli, um dos fundadores do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Mas o aumento demográfico ficou marcado mesmo foi nos últimos anos. E é a ênfase do livro Povos Indígenas no Brasil 500, um levantamento com 832 páginas com dados sobre o período 1996 a 2000, que será lançado hoje às 19h pelo ISA no Carpe Diem, na comercial da 104 Sul. A evidência dessa surpresa está marcada na capa da publicação, no desenho de um sutil contador (desses que parecem de contagem de quilometragem de carros) com a numeração passando de 215 para 216, representando o número crescente de nações. Embora ainda existam povos sob ameaça, e a vigilância constante seja imprescindível. Os índios cresceram 3,5% ao ano durante o período em que trata publicação, muito mais do que a média de 1,6% estimada para a população brasileira em geral. Para o ISA, os 216 povos indígenas contemporâneos no Brasil somam uma população de 350 mil pessoas. Não existe censo oficial para a contagem de índios no país. A estimativa foi feita reunindo números de órgãos do governo, como a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a Funai, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi, organismo da Igreja Católica) e do próprio Instituto Socioambiental, uma colagem de informações heterogêneas, cujas estimativas pulam de 350 mil a 500 mil índios. Além do crescimento das aldeias, pelo nascimento de crianças e redução da mortalidade infantil especialmente por causa das vacinações, nos últimos quatro anos as organizações indigenistas ainda se surpreenderam com povos que reapareceram depois de serem considerados extintos por antropólogos há décadas. Entre 1985 e 1999, a Funai identificou e delimitou terras de quatro povos indígenas no Ceará, e outras quatro nações estão em processo idêntico. Nesse curto espaço de tempo passou-se do total desconhecimento da presença indígena no estado para a constatação de que ali existe uma população de aproximadamente seis mil índios, distribuída em cerca de dez municípios, afirma a antropóloga Sylvia Porto Alegre, professora aposentada da Universidade Federal do Ceará. Até 15 anos atrás, o Ceará constava nos registros oficiais e antropológicos como um estado onde não existiam índios. Apesar de tudo (das doenças do contato com brancos, das estradas que invadiram seus territórios) eles sobreviveram. Não estão mais sujeitos à extinção, portanto, eles têm lugar no futuro do Brasil, comenta Márcio Santilli. Povos Indígenas no Brasil 500 tem 81 artigos, 1.713 notícias resumidas, 27 mapas, 270 fotos, resumo comentado das políticas indigenistas oficiais e não governamentais. São 18 capítulos com dados de cada uma das regiões do país, que vão desde a situação jurídica dos territórios indígenas, resumo de notícias de jornais a narrações como por exemplo a da festa da madeira, realizada em outubro do ano passado, para comemorar a primeira colheita de mogno dos Xikrin do Cateté (PA), que depois de dez anos de avaliações e ações jurídicas são pioneiros na exploração madeireira sem prejuízos sociais e ambientais. Essa é outra característica do período a que se refere o livro. Nesses últimos anos houve uma mudança: das denúncias dos anos 70 às propostas de desenvolvimento sustentável hoje. A publicação tem também essa marca, e faz parte de uma trilogia. A primeira da série abordou os anos 1987 a 1990, foi feito pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi, organização não-governamental que foi integrada com o NDI para dar origem ao ISA). E o segundo foi sobre os anos 1991 a 1995. São como balanços de cada um dos períodos, e também reflexo das mudanças da própria metodologia de acompanhamento dos indigenistas à questão. Santilli conta fatos que marcaram a história indígena. Em 1972 é criado o Cimi, logo em seguida surge o Cedi por causa do inconformismo com as ameaças de extinção. A edição do primeiro livro de 87/90 mostra o comportamento ainda de rescaldo da ditadura. E é também quando os direitos são garantidos com a Constituição Federal promulgada em 88, e não se fala mais em integração. Entre 91 e 95, se corria atrás do prejuízo, foi uma fase de transição. Nesse segundo livro tem a primeira lista de organizações indígenas emergentes. Não estamos falando das lideranças tradicionais que sempre existiram, explica. Ele se refere às organizações criadas pelos índios especificamente para se relacionar com o mundo branco. Márcio Santilli aponta ainda outro dado interessante: a opinião pública em relação aos índios. Uma pesquisa encomendada pelo ISA ao Ibope revelou no ano passado que a população tem uma imagem positiva em relação a eles, como preservadores da natureza. O resultado é um apoio impressionante às reivindicações por terra. Ao serem informados que os índios representam 0,2% da população e têm posse de 11% do território nacional, 68% dos entrevistados responderam que a quantidade é adequada ou até insuficiente. Somente 22% consideraram que têm muita terra. Mesmo no Centro-Oeste e Norte, onde estão 99% das terras indígenas, 59% das respostas foram positivas. A pesquisa abordou ainda assuntos como preconceitos. Também no Carpe Diem, será lançado um livro de Santilli para estudantes com comentários sobre a pesquisa, Os Brasileiros e os Índios. Povos Indígenas no Brasil 500 é um instrumento de pesquisa, mas também para ser apreciado. O melhor exemplo de leitura prazerosa está logo nas primeiras páginas: o depoimento de Davi Kopenawa, xamã yanomami morador da aldeia Watoriki (Roraima), que recebeu o prêmio Global 500, concedido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ele revela parte desse universo tão misterioso para nós, falando sobre as entidades das matas: Os espíritos parecem seres humanos, mas são tão minúsculos quanto partículas de poeira cintilantes. Os espíritos dançam para os xamãs desde o primeiro tempo e assim continuam até hoje. Para poder vê-los, deve-se inalar o pó da árvore yãkõana, relata Kopenawa. Em três páginas, ele oferece ainda a visão que os índios têm sobre o homem branco. Ele diz que somos engenhosos, mas não temos sabedoria. Os brancos desenham suas palavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento. Nós guardamos as palavras de nossos antepassados. As nações indígenas também estão organizadas na política partidária. Nas últimas eleições municipais foram eleitos 75 índios. Entre eles um prefeito reeleito com 2.043 votos, pelo PMDB, Marcos Antônio dos Santos, do povo potiguara, no município de Bahia da Traição, na Paraíba. Cinco vice-prefeitos, um deles também reeleito, do povo xakriabá, em São João das Missões, pelo PDT, em Minas Gerais. São 69 vereadores, deles foram seis reeleitos.
SERVIÇO
Povos Indígenas no Brasil 500 - Editado pelo Instituto Socioambiental: R$ 50,00 no dia do lançamento. Os Brasileiros e os Índios - Editora Senac (SP): R$ 15,00.

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