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Receituários para mudar o mundo

OESP, Espaço Aberto, A2
Autor: NOVAES, Washington
31 de Mar de 2006

Receituários para mudar o mundo

Washington Novaes

Qual é a urgência real para as transformações nos nossos modos de viver implícitas nos compromissos assumidos pelos países ao assinarem convenções como a do clima, do combate à desertificação ou da diversidade biológica (esta última tem o encerramento da oitava reunião das partes previsto para hoje em Curitiba)? Quanto tempo o mundo pode esperar pelo cumprimento de objetivos como os das Metas do Milênio? Serão as grandes convenções internacionais caminho eficiente para chegar a transformações que assegurem condições para a vida no planeta e a redução das brutais desigualdades entre seres humanos, países, regiões?

As enormes dificuldades para avanços - que já se vinham evidenciando em outras reuniões de países membros de convenções - parecem haver chegado a um ponto crítico nestas reuniões de Curitiba, que começaram com a MOP 3, sobre o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, e seguem com a COP 8, dos membros da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Tão crítico que as organizações governamentais começam a discutir abertamente a possibilidade/necessidade de discutir se há outros caminhos, quais são eles.

Na MOP 3, sinais de impaciência já estavam claros. Porque, para alcançar o consenso necessário em reuniões desse tipo, só se conseguiu aprovar uma resolução segundo a qual os países que já tiverem sistemas de identificação deverão usar a expressão "contém" para dizer que determinada carga, no comércio internacional, contém "organismos vivos modificados", os chamados transgênicos; quem não tiver esses sistemas (ou não quiser usá-los) deverá usar a expressão "pode conter". Essa regra valerá por quatro anos. E ao final destes, em nova reunião das partes, se decidirá por um sistema que identifique claramente o conteúdo das cargas, para valer daqui a seis anos, em 2012. Ainda assim, para chegar ao consenso, com possibilidade de isenção dessa obrigação para países que tiverem outros acordos bilaterais que não exijam a identificação.

Agora, na reunião da CDB, até o momento em que estas linhas são escritas, na quarta-feira - mas com possibilidades quase nulas de modificações -, o resultado melhor que se espera é poder aprovar um texto que venha a servir de base para novas negociações, daqui a dois anos, capazes de definir regras internacionais de acesso à biodiversidade e de repartição dos benefícios do conhecimento e da utilização sustentável de espécies dessa biodiversidade. Ou seja, em que condições um país pode usar espécies de outro? Terá de repartir com este os resultados comerciais da exploração? Que participação nos resultados terão os chamados povos tradicionais quando seus conhecimentos sobre as espécies for utilizado - na produção de novos medicamentos, novos alimentos, novos materiais? Em outros grandes temas da reunião, como os compromissos de reduzir as dramáticas perdas da biodiversidade que estão ocorrendo no mundo (só restam, por exemplo, 9% de florestas "intactas") ou as influências das mudanças climáticas na perda da biodiversidade, não há nenhum avanço significativo.

De certa forma, repete-se um quadro já observado nas últimas reuniões da convenção do clima (Buenos Aires, 2004, e Montreal, 2005), da convenção da desertificação ou desta convenção sobre a diversidade biológica, com possíveis avanços bloqueados pelas regras do chamado sistema multilateral de negociações, no âmbito da ONU. Neste, ou se consegue consenso entre todos os países membros das convenções, para acordar qualquer nova regra, ou não se avança - porque uma decisão por maioria não teria eficácia na prática (mesmo o consenso não assegura o cumprimento efetivo).

Enquanto isso, o tempo corre e os cientistas alertam para a gravidade das mudanças climáticas em curso. A perda da biodiversidade põe em risco a sustentabilidade da própria espécie humana, como tem advertido o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. A desertificação continua a avançar dezenas de milhares de quilômetros a cada ano. É preciso encontrar novos formatos de viver, novas matrizes energéticas, padrões de produção e consumo compatíveis com os limites planetários (e já ultrapassados).

Uma evidência clara do impasse foi, por exemplo, uma mesa-redonda com representantes de ONGs, promovida terça-feira última em Curitiba, pelo Instituto SocioAmbiental. Retomou-se, ali, tema que já repontara timidamente em 2002, na Cúpula sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo: deve-se continuar concentrando esforços nas reuniões das partes de convenções, como esta, ou se deve mudar de rumo? Podem-se esperar mudanças por esse caminho ou, como enunciou sinteticamente um participante, as regras do jogo já estão predeterminadas em organismos como a Organização Mundial de Comércio (OMC), na legislação e nos tratados sobre patentes, pagamento de royalties e outros? Devem as ONGs transferir sua ênfase maior para o âmbito interno de cada país, pressionar os respectivos governos para a adoção de legislações que atendam à necessidade de urgência e de certa radicalidade nas transformações? Que conseqüências terá isso nas relações internacionais? Ou, como pensam alguns, é preciso trilhar os dois caminhos ao mesmo tempo? Ou ainda, como acham principalmente os que estão diretamente envolvidos nas negociações, é preciso ser realista e ver que não há outro caminho que não o das negociações internacionais, pois não temos outras instituições capazes de formular regras válidas para todos os países - e sem elas não se terá efetividade?

O debate está posto na mesa. Terá conseqüências importantes.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 31/10/2006, Espaço Aberto, A2

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