VOLTAR

Receita da Brasil para estudantes

OESP, Vida, p. A16
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
21 de Out de 2004

Receita de Brasil para estudantes

Marcos Sá Corrêa

O que é melhor: ter floresta ou desenvolvimento? Pergunte ao economista Carlos Eduardo Frickmmann Young. Ele procurou a resposta nas estatísticas dos municípios que dividem o espólio da mata atlântica em seis Estados do Sul e Sudeste. Eles não chegam a ser o País inteiro. Mas não poderiam ser mais típicos. Neles vive a maioria dos brasileiros. E foi lá que os últimos 504 anos encurralaram o cenário original do descobrimento em terrenos que não serviam para mais nada além de guardar, nas encostas onde a agricultura não teve fôlego para subir, os últimos 7% da floresta nativa.
Por mais que espremesse números, Young não conseguiu extrair "uma associação positiva entre desmatamento e geração de empregos". Ele apurou que, na década de 90, a população rural e as árvores caíram ao mesmo tempo. Em "9 dos 10 municípios" mais devastados no interior do Rio as pastagens encolheram. Houve mais terras "convertidas a lavoura" nos lugares com "menores perdas de florestas". Só os índices de violência no campo parecem dançar ao som da motosserra. "A ecologia até que é compatível com o crescimento", diz ele. "Incompatíveis com o crescimento são os economistas brasileiros."
Young passou a semana em Curitiba, levado pelo 4.o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Ele falou a um auditório de 1.200 lugares, onde havia gente sentada no chão. Havia lá dentro, misturado a guarda-parques e biólogos, mais de 600 estudantes. Eram tantos que, lá pelas tantas, o holandês Daan Vrehdenhil parou a apresentação de um sistema de reservas naturais para atravessar as próximas décadas de aquecimento global como uma Arca de Noé e pediu à platéia que levantasse a mão quem ali tinha menos de 25 anos. Metade dos braços se ergueu. Ele baixou aos poucos o limite de idade até chegar aos 18 anos. E nove mãos continuavam no ar. Nada mal para uma conferência que começava diariamente às 8 horas e esticava as conversas até as 19, incluindo no programa temas como Áreas protegidas em sete países da América Central ou Alterações biogeográficas em virtude de mudanças climáticas e perda de biodiversidade em unidades de conservação.
Por quê? Pergunte-se novamente a Young, que é professor do curso Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E a resposta provavelmente poderia estar na boca de qualquer daqueles estudantes que enchiam o auditório: "Eu não agüentava mais ouvir a mesma conversa sobre juros." Desviando a atenção para os assuntos ambientais, ele encontrou gente mais interessada tratando de coisas mais interessantes. Trabalhos sensatos inspirados por sonhos mais delirantes. E, o que é mais espantoso, um Brasil que, discutindo a sério o que quer ser quando crescer, ainda pode ouvir, por exemplo, o americano Alfred Runte dizer com toda a seriedade que, só com o que lhe sobrou de Amazônia, ele é o único país capaz de fazer agora o que os Estados Unidos desistiram de fazer cem anos atrás: um parque nacional com tamanho de sobra para fazer inveja ao resto do mundo. Pode não dar em nada. Mas ultimamente não é toda hora que os brasileiros ouvem essas coisas.
Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 21/10/2004, Vida, p. A16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.