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A realidade da questão indígena brasileira

Site da Funai
Autor: Mércio Pereira Gomes
19 de Jul de 2004

Sua coluna de hoje (sábado, 17/07/2004) sobre uma suposta preocupação do Palácio do Planalto em relação à demarcação de terras indígenas carece de alguns fundamentos básicos. Acredito que o esclarecimento de alguns pontos que talvez não sejam de seu conhecimento ou não tenham sido ainda apreciados por você, poderiam levá-la a uma reavaliação de suas interpretações sobre o assunto.

Em primeiro lugar, é preciso que se saiba que já mais de 70% das terras indígenas reconhecidas no Brasil estão demarcadas e homologadas. Ao contarmos as que estão em fase de demarcação essa porcentagem alcança a casa dos 80. Sendo 599 o número de terras indígenas reconhecidas pela Funai, temos que faltam tão somente 120 terras a entrarem no processo final de demarcação. Já em termos de área ou extensão, as 480 terras demarcadas e em processo de homologação somam 90% do total previsto. Isto quer dizer cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados, sendo igualmente 90% delas localizadas na Amazônia Legal.

Portanto, o Brasil, num período de quase 100 anos desde os esforços iniciais do Marechal Rondon, está chegando à conclusão de seu processo de demarcação de terras indígenas, o que quer dizer, o reconhecimento da presença permanente dos povos indígenas que aqui habitavam esse imenso país, parte do qual foi conquistado e legalmente reconhecido graças às alianças dos povos indígenas com os luso-brasileiros.

Os povos indígenas eram originalmente 5 milhões, em 1500. Caíram para cerca de 120.000 quando Darcy Ribeiro e Orlando Villas Boas estavam fazendo o Parque Indígena do Xingu, em 1955. Hoje somam mais de 400.000, em 220 etnias diversas, em ritmo crescente há mais de 40 anos, à taxa média de 3,5% ao ano.

Pelo reconhecimento do valor dos povos indígenas na nação brasileira, pelo crescimento demográfico e pela demarcação das terras indígenas é que o Brasil está resgatando parte de sua imensa dívida histórica para com os povos indígenas.

Ademais, é preciso que se aponte que, dos 17.500 km de fronteira brasileira com países da América Latina, 5.700 são de terras indígenas. Nem por isso, nem por algum instante sequer, houve ameaças de invasão dessas terras por parte de colombianos, venezuelanos, guianenses, bolivianos ou paraguaios. Pelo contrário, toda vez que se soube de alguma invasão de madeireiros, traficantes ou outros ocorrendo em terra indígena brasileira, a Funai tem sido notificada pelos próprios índios, informação que é imediatamente repassada para os órgãos superiores competentes.

Tudo isso não tem sido tarefa fácil. Desde sempre houve aqueles que foram contra os índios e contra seus territórios. Mesmo Rondon, que foi por várias vezes chamado ao Congresso Nacional para explicar porque estava demarcando terras e porque não estava "doutrinando"os índios, passou momentos de grandes dificuldades, inclusive com ameaças de que o Serviço de Proteção aos Índios, o velho SPI, deveria ser extinto e os índios passados à jurisdição dos estados e da Igreja.

De vez em quando surgem ondas de antiindigenismo no Brasil. Falam que o Congresso é contra os índios, que parte do governo não quer demarcar as terras, que a sociedade tem medo de que nos tomem a Amazônia. Talvez este seja um momento difícil. Há, de fato, alvoroço por parte de alguns congressistas. Mas essa onda passará.

O Brasil tem marcado em si o desejo de ter os povos indígenas, que sobreviveram à sua formação, como esteios morais da Nação. Os índios valem para nós não pelo seu número populacional, mas pelo que representam no nosso sentimento de nacionalidade. Não foi por outra que o nosso Patriarca, José Bonifácio, visualizou a permanência dos índios em nosso país.

Cabe a nós nos unirmos aos índios para que eles continuem a viver como foram desde sempre ou como queiram mudar. Desse modo, nós todos estaremos em paz e em moral conosco mesmos, como membros de uma nação que um dia brilhará no mundo, não pelo luxo, mas por sua originalidade.

Atenciosamente,
Mércio Pereira Gomes
Antropólogo e Presidente da Funai

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