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Reação imediata

O Globo, O País, p. 3
14 de Fev de 2005

Reação imediata

O juiz substituto da Comarca de Pacajá, no Pará, Lauro Alexandrino Santos, decretou ontem a prisão preventiva de três suspeitos de envolvimento na morte da freira americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, de 74 anos, assassinada anteontem no assentamento Esperança, em Anapu, a 600 quilômetros de Belém. A prisão foi pedida pelo delegado de Anapu, Marcelo Ferreira de Souza Luz, que está à frente do inquérito policial que investiga o crime. Um dos suspeitos seria o mandante e os outros dois, os pistoleiros que mataram a freira.

No despacho, o juiz concluiu que "está confirmada a participação dos indiciados". O envolvimento dos suspeitos foi visto por três testemunhas. A principal é o agricultor que estava com Dorothy e que fugiu para a mata após os tiros. O corpo da missionária será sepultado amanhã, em Anapu.

"As declarações das testemunhas tornam imprescindível a decretação da prisão, a fim de que sejam efetivamente responsabilizados pela autoria e respondam pelo crime cometido, uma vez que estão foragidos, e para que se faça justiça", diz o despacho.

O governo federal se mobilizou para tentar esclarecer o mais rapidamente possível o caso. O crime está sendo tratado como prioridade e sua resolução virou uma questão de honra para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que exigiu o envolvimento de diversos ministros no episódio. Ontem, os policiais que foram ao assentamento Esperança acabaram retornando com outro corpo, de um homem identificado como Adalberto Xavier. Ele teria sido morto na noite de sábado. A polícia investiga se o crime tem alguma relação com a morte da missionária.

Criticado internacionalmente por ter cedido aos madeireiros do Pará, há duas semanas, ao reavaliar planos de manejo suspensos anteriormente, o governo pretende evitar novos ataques. Entre outras medidas, determinou que a Polícia Federal também abra inquérito para apurar o caso. A PF designa hoje um delegado de Belém para cuidar da investigação.

Freira iria visitar família em maio

Dorothy, nascida em Ohio, tinha oito irmãos, que moram nos Estados Unidos. Em entrevista ao "Fantástico", sua irmã Margareth, que vive em Fairfax , no estado da Virginia, disse que a família sabia que a vida da freira estava por um fio e que já esperava pelo pior, embora Dorothy pouco falasse sobre o assunto. Margareth disse que a maior homenagem que o governo brasileiro poderia fazer à sua irmã seria "uma investigação séria". Ela acrescentou que a freira gostaria de ser enterrada no Pará, terra que amava.

Dorothy foi morta com seis tiros, um deles na cabeça, presumivelmente de duas armas diferentes, um revólver calibre 38 e uma pistola 765, segundo o laudo da necropsia do Instituto Médico-Legal de Belém. Cerca de 500 pessoas esperavam pela chegada do corpo em frente ao IML. Cantando, rezando e empunhando faixas e cartazes, amigos, políticos e freiras não se conformavam com o assassinato.

- É inacreditável que ainda se procurem soluções dos conflitos sociais com a eliminação pura e simples de vidas humanas - afirmou o arcebispo de Belém, Dom Orani João Tempesta.

Entidades não-governamentais se reuniram para decidir uma estratégia de ação conjunta. À noite foi celebrada uma missa em homenagem a Dorothy, em uma igreja perto da Ordem Notre Dame, da qual ela fazia parte.

Já o governo marcou uma reunião emergencial para amanhã, em Brasília, com a presença do chefe da Casa Civil, José Dirceu, e dos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Marina Silva (Meio Ambiente) e Ciro Gomes (Integração Nacional). Em nota divulgada ontem, o governo informa que seu objetivo é encontrar uma "solução rápida e pacífica" para o caso.

O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, viajou ontem para o Pará. Ele vai avaliar o caso e pode requisitar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização do crime que, então, seria julgado pela Justiça Federal. A reforma do Judiciário prevê a federalização de crimes que envolvam direitos humanos.

- Vou coletar todos os dados e buscar todas as informações para decidir - disse Fonteles.

Marina compara freira a Chico Mendes

O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, afirmou que, por enquanto, não há necessidade de federalizar o crime. Ele disse que as autoridades, o Ministério Público e a polícia do Pará estão cooperando.

- Pela comoção e gravidade do crime, seria até o caso de federalizar. Mas acho que não será necessário, pois está havendo cooperação. Não há sinal de negligência - disse Nilmário.

O secretário permanece no estado e ontem participou de uma reunião em Altamira com Marina Silva, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, e autoridades estaduais. Na nota divulgada no fim do encontro, o governo afirmou que está mantido o programa federal de criar reservas extrativistas na região, o que tem incomodado madeireiros e fazendeiros do estado.

Marina comparou a morte da missionária americana ao assassinato do líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes, em 1988, em Xapuri, no Acre. Moradores de Anapu, onde Dorothy vivia, soltaram fogos de artifício comemorando sua morte.

- Não vamos recuar um milímetro nos nossos projetos no Pará. Querem nos intimidar, mas não vão conseguir - disse Marina.

Rolf Hackbart afirmou que a missionária foi vítima da grilagem de terra no Pará. O presidente do Incra disse que o governo continuará atuando para recuperar áreas públicas griladas.

Ontem, em reportagem publicada no "New York Times", o correspondente Larry Rohter criticou o governo por ceder à pressão dos madeireiros e liberar planos de manejo suspensos pelo Ibama, dizendo que, segundo grupos ambientalistas, a decisão só "incentivaria o desmando numa região já conhecida como violenta".

Incra alertou governador do Pará

O governador do Pará, Simão Jatene, foi alertado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do clima de tensão e dos riscos de mortes em Anapu por causa da disputa por terras na região. Em ofício enviado ao governador, datado de 17 de janeiro, o presidente interino do Incra, Roberto Kiel, que visitou a região no início do ano, relata a situação a Jatene e pede a ele "especial atenção" ao que está ocorrendo em Anapu.

"Dirijo-me à Vossa Senhoria para solicitar especial atenção para o conflito agrário que se estabeleceu em Anapu, em dois projetos de assentamentos sustentáveis", afirma Kiel no ofício.

Foi justamente num desses assentamentos que a freira Dorothy Stang foi assassinada. Em outro trecho, Kiel afirma que teme pelo que pode ocorrer, já que "as armas de fogo existem em abundância na região".
Presidente interino do Incra descreve clima de tensão

"Pudemos pessoalmente vivenciar o clima de tensão que está tomando conta daquela comunidade. O foco do conflito é a presença de grileiros e posseiros em áreas nos dois projetos de assentamento", diz o presidente interino do Incra no documento.

Na nota, Kiel não cita o nome da missionária americana. Mas afirma que teme que ocorra algo com os assentados e com os pequenos agricultores e diz que "já houve diversos conflitos em Anapu". Em outro trecho, Kiel faz novo apelo ao governador do Pará.

"Anapu vem povoando nossas preocupações há muito tempo. Por meio deste (ofício) decidimos pela solicitação do vosso empenho em deflagrar ações no âmbito da competência de seus órgãos, de tal forma que o governo possa levar institucionalidade àquelas pessoas", afirma Kiel.

Semana passada, o secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, recebeu da própria Dorothy a denúncia de ameaças a dois pequenos agricultores.

O governador Simão Jatene (PSDB) informou ontem não ter condições de verificar num domingo se recebeu o documento enviado pelo Incra. A confirmação deverá ser feita hoje. (Evandro Éboli)

Piores índices de violência

O Pará é um dos estados com piores índices de violência no campo e que apresenta o maior número de mortes por disputa de terras. Das 53 mortes registradas na área rural do país entre janeiro e novembro de 2004, 19 foram no Pará. É o estado em primeiro lugar na lista dos que mais preocupam o governo, segundo dados da Ouvidoria Agrária Nacional, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

No Pará agem diversos tipos de infratores no campo: há registros de crimes praticados por madeireiros, grileiros, fazendeiros e posseiros. Os madeireiros exploram ilegalmente a terra, sem apresentar planos de manejo, e sequer comprovam a propriedade das áreas. Os grileiros ocupam há anos terras da União e, ao longo do tempo, vendem essas propriedades mesmo sem comprovar que, efetivamente, são os donos da terra. Os posseiros estão também há anos naquelas terras, comprando dos grileiros ou tomando posse de imóveis.

O Pará é também o estado em que se encontram os fazendeiros que mais exploram e utilizam a mão-de-obra escrava. Das 101 propriedades rurais flagradas em duas listas sujas do Ministério do Trabalho, 40 estão no Pará. Para tentar resolver o problema e acabar com a grilagem de terras no estado, o Incra baixou portaria, no fim do ano passado, exigindo que qualquer proprietário, ao se recadastrar, comprove ser de fato o dono da área.

O Globo, 14/02/2005, O País, p.3

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