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Reação às florestas privatizadas

JB, País, p. A7
01 de Fev de 2007

Reação às florestas privatizadas

Daniel Pereira e Mariana Carneiro

Parlamentares querem derrubar ou, pelo menos, mudar a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que permite à União conceder à iniciativa privada a administração e a exploração econômica de florestas nacionais. Líder do PTB no Senado, o senador Mozarildo Cavalcanti (RR) diz que o partido ajuizará no Supremo Tribunal Federal (STF) ação destinada a anular a legislação, classificada por ele de "entreguismo da Amazônia".

Já o senador Pedro Simon (PMDB-RS) apresentou projeto que torna obrigatória a aprovação prévia pelo Congresso das concessões de florestas com mais de 2,5 mil hectares. À espera de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o texto também prevê que os diretores do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) só podem ser nomeados pelo presidente da República depois de sabatinados e avalizados pelos senadores. O SFB terá a função de fiscalizar os contratos de concessão de florestas nacionais à iniciativa privada.
- Estão internacionalizando a Amazônia. Não dá para entender como um processo desse ocorre no governo do PT - diz Simon.

Conforme o JB antecipou na edição de ontem, o governo quer passar para as mãos de empresários ainda neste ano faixas territoriais da Amazônia. Já há planos de manejo aprovados no caso das florestas de Carajás (PA), Tapirapé-Aquiri (PA), Saracá-Taquera (PA) e Jamari (RO), que juntas têm 1,257 milhão de hectares. O governo ainda não decidiu se as quatro florestas serão concedidas à iniciativa privada ou reservadas para uso de comunidades locais.

As duas regras sugeridas por Simon foram incluídas pelo Congresso durante a tramitação do projeto de lei de Gestão de Florestas Públicas. Ao sancionar o texto em março do ano passado, o presidente vetou as duas propostas. Na ocasião, Lula disse que a análise prévia pelo Senado sujeita as concessões a "contingências políticas de curto prazo". Ou seja, a rivalidade entre governo e oposição poderia impedir a execução de projetos, segundo o presidente.

Além disso, Lula alegou que só diretores com mandato fixo e de entidades com independência administrativa e autonomia financeira têm de enfrentar o crivo dos senadores antes da nomeação para os cargos. O SFB faz parte da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, e seus diretores podem ser demitidos a qualquer momento. Para Simon, a reação da sociedade à lei incentivará o Congresso a aprovar as propostas e pressionar o presidente a adotá-las.
- Calado não dá para ficar. Qualquer concessão de rádio ou TV passa pelo Senado. Não entendo o motivo de tanta pressa - declara Cavalcanti.

O governo enviou ao Congresso a proposta de Gestão de Florestas Públicas em resposta ao assassinato da missionária Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, em Anapu (PA). Ao anunciar a iniciativa, o Ministério do Meio Ambiente reconheceu que o poder público não está presente em extensas faixas territoriais da região Norte nem consegue fiscalizar as atividades nelas realizadas - legal ou ilegalmente.

Com a nova legislação, o governo diz que tenta organizar a exploração econômica das florestas, ocupá-las e ainda arrecadar recursos tributários. Além disso, dá um passo para impedir a privatização da Amazônia, segundo Tasso Azevedo, diretor da SFB. É que terras transformadas em florestas nacionais não podem ser vendidas, ao contrário de outros terrenos públicos.

ONGs brasileiras estão divididas

A assinatura de concessões pelo governo ainda este ano para a exploração econômica de 11 florestas na Amazônia, conforme divulgou o Jornal do Brasil na edição de ontem, divide a opinião de organizações não-governamentais brasileiras situadas na região. Há 35 anos no Brasil na luta pelo desenvolvimento sustentável da região amazônica, o coordenador de meio ambiente da ONG Fase, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Jean Pierre Leroy, faz críticas à entrada de empresários nas florestas:
- Não vejo condições hoje reunidas para uma fiscalização calculada desta exploração. A fiscalização não terá o mesmo tempo do ciclo das árvores, que é de 30 anos. Arriscamos herdar 30 anos de Amazônia empobrecida. Afinal, quem garante que vão continuar a explorar de maneira sustentável quando as árvores plantadas hoje estiverem crescidas? - lembra Jean Pierre, que morou sete anos no meio da floresta.
Em vez de entregar as florestas, o coordenador sugere a unificação das equipes de fiscalização. Segundo Leroy, as equipes deveriam ser compostas também por policiais federais, agentes do Ibama, Incra e Ministério Público.
Coordenador do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA), rede que abriga 602 organizações da sociedade civil com projetos na região, o engenheiro florestal Luiz Augusto Mesquita defende a administração das florestas por setores privados. Mesquita argumenta que as florestas, dominadas por grileiros e por madeireiras, seriam melhor organizadas pelos empresários.
- Da forma que está não dá para continuar. Não vejo outra forma senão por concessão. A exploração da indústria de cosméticos, por exemplo, desenvolveu a região do médio-Juruá. Lá só tinham seringueiros, extraindo a borracha e vendendo a preço desvalorizado. A empresa ensinou aos moradores a coleta de andiroba e hoje eles fazem o manejo e produzem óleo - exemplifica Mesquita.
A possibilidade de uma invasão estrangeira é descartada pelo pesquisador da GTA.
- A porta já está aberta, os estrangeiros já estão aqui. E o governo não fiscalizou. Agora, sim, com um plano de manejo e inventário florestal, vejo como boa a intenção do governo de liberar as concessões - diz Mesquita.

Especial Amazônia em Perigo

JB, 01/02/2007, País, p. A7

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