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RAPOSA SERRA DO SOL - Relatório de peritos contesta demarcação

Folha de Boa Vista
Autor: Andrezza Trajano
17 de Abr de 2008

Alegando que não podem conceder entrevista por terem atuado como peritos federais em 2004 na construção do relatório que apontou falhas e contesta a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, o geógrafo Jaime de Agostinho e o economista Hamilton Gondim apresentaram ontem, para a Folha, o relatório que culminou na Ação Civil Pública que tramita até hoje no Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o relatório apresentando pelos peritos, o trabalho se deu devido a uma ação popular contra a demarcação da Raposa Serra do Sol, impetrada na Justiça Federal de Roraima, em 2004. Assim, o juiz federal Helder Girão Barreto criou no mesmo ano uma comissão de peritos que estava incumbida de produzir provas, por meio de perícias, utilizando todos os aspectos envolvidos na demarcação e, de tal modo, auxiliar no julgamento da Ação Popular.

O processo de demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol começou em 1977. Um grupo técnico interinstitucional criado pela Fundação Nacional do Índio, composto por 27 profissionais, entre técnicos e índios, teve a finalidade de identificar e realizar o levantamento fundiário da Raposa Serra do Sol, no período de 1991 a 1994.

Com os estudos dessa comissão, a reserva passou por sucessivas ampliações até ser declarada posse permanente dos índios com 1,7 milhão de hectares em 11 de dezembro de 1998 pela Portaria no 820, do Ministério da Justiça, assinada pelo então ministro Renan Calheiros. Em 2005, ela foi homologada pelo presidente da República, Lula da Silva (PT).

O relatório produzido pelos peritos da Justiça Federal de Roraima, que levou três meses para ficar pronto e possui 108 páginas, contesta todo esse processo. Ele aponta irregularidades graves no processo de demarcação da área.

"Sem entrar no mérito da questão, isto é, não importando o lado que estaria com a razão, forçoso é reconhecer que a Comissão de Peritos da Justiça Federal apontou muitas irregularidades graves no processo comandado pela Funai e que ainda continuam sem respostas. A leitura cuidadosa do relatório da referida Comissão não deixa dúvidas: ou a Comissão é irresponsável e criminosa, ao inventar aqueles pontos, ou a Funai, deliberadamente, está a enganar o povo de Roraima e do Brasil. Alguém, a Comissão ou autoridades da Funai, tem que ser responsabilizado", diz o relatório.

Conforme o relatório, o Decreto no 22, de 04.02.91, em vigor à época dos trabalhos da comissão da Funai, dizia que, concluídos os trabalhos de identificação e delimitação da Raposa Serra do Sol, o grupo técnico apresentaria um relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada. No entanto, esse documento foi assinado apenas pela funcionária da Funai, a antropóloga Maria Guiomar de Melo, que estaria representando os demais membros.

"(...). Mas, na verdade, ela não estava representando o grupo, pois a maioria dos supostos "técnicos" nomeados pela Portaria no 1.14/Funai não tinha nem mesmo conhecimento do relatório circunstanciado que eles teriam que apresentar ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada. Fato esse suficiente para tornar a Portaria 820/98 nula de pleno direito", afirma o documento.

O relatório traz ainda relatos de membros dessa comissão que sequer sabiam que ela existia e de pessoas que foram nomeadas para atuar em determinado cargo, mas que não possuíam qualificação, além de uma carta de membros do Congresso Americano, pedindo ao presidente do Brasil à época, Fernando Henrique Cardoso, que atendesse aos pedidos dos povos indígenas, em favor da demarcação.

O relatório também aponta que o processo de demarcação foi baseado em uma reprodução simplificada de um documento anterior produzido pela antropóloga Maria Guiomar de Melo.

Ao mesmo tempo foram encontradas, pelos peritos judiciários, inúmeras divergências em mais de 10 mil páginas consultadas sobre o assunto em poder dos órgãos federais envolvidos, conforme o relatório.

Processo referente ao relatório ainda tramita no Supremo

O relatório dos peritos judiciais, composto pelo geógrafo Jaime de Agostinho e o economista Hamilton Gondim, além de dois outros membros, foi encaminhado à Justiça Federal, que por sua vez deu parecer favorável e acatou o resultado do relatório apontando falhas na demarcação da Raposa Serra do Sol.

O processo foi posteriormente conduzido à Advocacia-Geral da União, que encaminhou ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região em Brasília, aos cuidados da desembargadora/relatora Selene Maria de Almeida.

"No exame sumário e provisório desta decisão, apreciando o pedido de concessão de efeito suspensivo resolvo excluir da área indígena Raposa Serra do Sol, até julgamento final da demanda, as seguintes áreas: 1. faixa de fronteira (art. 20, § 2o, da CF/88), até que seja convocado o Conselho de Defesa Nacional, ex vi do art. 91, § 1o, inciso III, da CF/88 para opinar sobre o efetivo uso das áreas localizadas na faixa de fronteira com a Guiana e Venezuela; 2. a área da unidade de conservação ambiental Parque Nacional Monte Roraima", diz a decisão.

Foi com base nesse relatório que a relatora deu parecer para excluir as sedes dos municípios, as vilas e as respectivas zonas de expansão; as rodovias estaduais e federais e faixas de domínio; e os imóveis com propriedade ou posse anterior ao ano de 1934, além das plantações de arroz irrigado no extremo sul da área indígena identificada.

Com o parecer favorável também pelo TRF1 o processo tramita hoje no Supremo Tribunal Federal, onde aguarda decisão.

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