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Raízes da integração

CB, Pensar, p. 6-7
Autor: SERRANO, Rosalía Arteaga
02 de Out de 2004

Raízes da integração

Entrevista: Rosalía Arteaga Serrano
Para a secretária - geral da organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a Amazônia deve servir de base para a formação de um bloco político e econômico

Pedro Paulo Rezende
Da equipe do Correio

Desde que assumiu o cargo de secretária-geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em maio último, Rosalía Arteaga Serrano, ex-presidente do Equador, persegue uma idéia: transformar a entidade em alicerce para a integração sul-americana, trabalhando em conjunto com o Mercosul. Escritora, jornalista e divorciada, é a primeira a ocupar o cargo em caráter permanente com mandato de três anos - antes ocupado em caráter pró-tempore em rodízio pelos Estados associados. Em seu país, publicou quatro livros, uni deles sobre sua passagem-relâmpago pela chefia de Estado. Outro, Jeronimo, de caráter autobiográfico, foi lançado no Brasil em julho último.
Eleita vice-presidente na chapa de Abdalá Bucaram, ela assumiu o cargo quando o titular foi afastado pelo Congresso, por suspeita de corrupção. Tinha apenas 40 anos. Sua permanência no poder foi inviabilizada por acordo entre os chefes militares e o Parlamento, que preferia um político mais tradicional, Fabián Alarcón, presidente do Congresso. Diante das pressões, Rosalía, que atualmente mora em Brasília, cedeu.
Assinado em 1978, o Acordo de Cooperação Amazônica foi concebido como embrião de um pacto militar contra a cobiça internacional sobre a região. Apesar disso, trazia idéias extremamente avançadas, como um compromisso explícito de preservação do meio ambiente. São sócios efetivos Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A França, presente na Guiana, participa como observadora.
Em 1995, as oito nações decidiram criar a OTCA, única organização internacional sediada em Brasília, para fortalecer e implementar os objetivos. As áreas de interesse do organismo são bastante amplas e, segundo sua dirigente, abrangem, além da defesa do biossistema, a questão do desenvolvimento sustentado e a criação de uma estrutura adequada de apoio à pesquisa científico-tecnológica. Algumas das opiniões da primeira secretária-geral permanente do organismo podem ser vistas a seguir.
Importância da Amazônia
A diversidade biológica da Amazônia é incrível. Acredito que acharemos a cura para todas as doenças dentro do ecossistema da região, das conhecidas e das que ainda serão descobertas. Basta apenas nos servirmos da sabedoria e conhecimento dos povos da floresta. Além disso, a área possui outro patrimônio inestimável, principalmente para os dias de hoje: a água. Os rios, além de fornecer transporte para os ribeirinhos, servem como regulador do clima global. Por isso, devemos estar alertas.
Os satélites e outros sistemas de monitoramento mostram que esse meio ambiente maravilhoso, patrimônio da Humanidade, corre risco com desmatamento e queimadas. Tive oportunidade de encarar o problema de frente. Estive
em Santa Cruz de Ia Sierra, na Bolívia, e a cidade estava encoberta pela fumaça dos incêndios nos bosques. Durante alguns dias, os vôos chegaram a ser interrompidos por falta de visibilidade. Isso não se limita àquela área. Em outras regiões isso também ocorre."
Sustentabilidade
" Existe uma percepção errônea de que a floresta é um obstáculo ao desenvolvimento econômico. De que é preciso queimá-la para dar lugar às plantações, agravando o efeito estufa. Os efeitos dessa atitude irresponsável já são visíveis na Cordilheira dos Andes. As geleiras, que servem de nascedouro para os grandes rios amazônicos, estão diminuindo. 0 risco é real e precisa ser levado em conta. A melhor maneira para evitar o problema está em encontrar alternativas capazes de garantir o sustento do homem amazônico a partir da própria floresta. Não existe saída fora do biocomércio.
Temos boas alternativas à destruição dos bosques. Existe o ecoturismo, capaz de gerar receitas sem causar danos ao ecossistema. Outra frente está na conscientização dos jovens. Pretendemos executar um programa de incentivo, levando estudantes para visitar e conhecer a Amazônia. Precisamos também incentivar a produção de pesquisa científica nas universidades, de maneira a entender melhor o funcionamento da floresta e a relação de seus povos com o meio ambiente. Para isso, pretendemos criar os Prêmios OTCA já a partir de 2005. Uma de nossas prioridades é a criação de uma base de dados ampla sobre o ecossistema da região."
Integração
Acredito que a OTCA deva servir de base para a formação de uma comunidade amazônica de nações, nos moldes da Comunidade Andina e do Mercosul. Integrar a região é integrar metade do território latino-americano. Por outro lado, a presença da França, que possui status de país-observador na nossa organização, poderia servir como alavanca para uma aproximação com a Comunidade Européia. Mas, antes de mais nada, precisamos estabelecer uma agenda comum entre os oito países-membros, reduzindo as pequenas diferenças que ainda persistem entre os Estados associados. Também devemos ressuscitar o Parlamento Amazônico, que deveria funcionar como fórum de debates e de busca de soluções para a região. O ideal, no futuro, é que seus integrantes sejam eleitos diretamente, como ocorre no Parlamento Europeu. Por meio desses representantes, estabeleceríamos planos de ação comuns a todos os países.
Uma agenda comum entre os oito países seria o ponto de partida para criar um plano estratégico para a região que permita o desenvolvimento dentro dos princípios firmados pelo Processo de Tarapoto, em 1995. Em reunião naquela cidade peruana, decidiu-se por um processo harmônico e sustentável de exploração econômica da floresta. Para isso, firmamos um acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), de maneira a levantarmos mecanismos de manejo da floresta que garantam a sobrevivência e a dignidade do homem. Em minha opinião, a discussão sobre a preservação do meio ambiente deve ser centrada no ser humano. Não podemos esquecer daqueles que vivem em pequenas cidades e povoados no meio da floresta. Precisamos garantir-lhe acesso a alimento, educação e trabalho. Por isso, firmamos um acordo com o Ministério de Cooperação da Holanda e com a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento para estudar a viabilidade do biocomércio.
Patrimônio Cultural
"Devemos proteger o conhecimento dos povos da floresta e combater decididamente a biopirataria. Por meio do pagamento de royalties às comunidades que possuem esse conhecimento, os países ricos poderiam dar qualidade de vida àqueles que preservam a floresta e o enorme patrimônio biológico nela contido. É preciso lembrar que, em sua enorme maioria, os países do Primeiro Mundo destruíram suas florestas e não têm direito de se apropriar do conhecimento acumulado por gerações de indígenas."
Guerrilha e Narcotráfico
"Reconhecemos que a Amazônia é uma zona cobiçada por todos os aspectos e precisamos defender nossa soberania na região. Há sérios problemas de segurança, como o narcotráfico, o tráfico de armas e focos de guerrilha e a melhor maneira de enfrentá-los é um trabalho conjunto na obtenção de informações e formação de inteligência. Nesse sentido, a cooperação do Brasil seria inestimável. Visitei recentemente o Sistema de Vigilância e Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) e fiquei impressionada com suas potencialidades. Os dados obtidos pelo Sivam/Sipam deveriam ser repartidos entre os demais países da região e acordos nesse sentido já estão em negociação."
Casa propria
"Montamos uma sede própria porque estávamos no Itamaraty, o que criava uma situação fora do comum. Imagine se a Organização dos Estados Americanos (OEA) funcionas-se dentro do Departamento de Estado norte-americano? Seria uma fonte de ciúmes. Por isso, preferimos sair de lá."

CB, 02/10/2004, Pensar, p. 6-7

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