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Rádio, internet e redes sociais viram aliados de comunicadores populares

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/
14 de Mai de 2019

Rádio, internet e redes sociais viram aliados de comunicadores populares
Inspirados na tradição oral, eles usam comunicação mais facilitada com o surgimento da web para promover o fortalecimento cultural (Na fotos estão os comunicadores de São Gabriel da Cachoeira/ISA)

Izabel Santos | 14/05/2019 às 13:44

Manaus (AM) - Jovens das etnias Baniwa, Tukano, Tariano, Desano, Wanano, Yanomami, Baré e Tuyuka saem à caça diariamente pelas calhas dos rios Uaupés, Içana e Jurubaxi. Caça de notícias, informações sobre o que se passa nas respectivas comunidades onde moram. É sobre a vida nesses locais remotos que eles produzem boletins de áudio e compartilham pelas redes sociais Whatsapp e Share It ou usando o Bluetooth [uma transmissão de comunicação sem fio existente nos celulares] para moradores de toda a região Alto Rio Negro, no estado do Amazonas, na fronteira com a Colômbia e Venezuela. O noticiário é veiculado em no mínimo quatro línguas além do português: baniwa, tukano, nheengatu e yanomami.

Esses jovens fazem parte da Rede Wayuri de Comunicação Indígenas, criada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em 2017 no município de São Gabriel da Cachoeira (distante 810 quilômetros de Manaus), a partir de uma demanda da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). Na região do Alto Rio Negro, encontra-se a maior diversidade cultural indígena do Brasil, com cerca de 23 povos vivendo entre três municípios: Barcelos, Santa Izabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira. Essa população sofre com os chamados "desertos de notícias", locais fora do alcance dos comunicação e com pouca, ou nenhuma, infraestrutura.

"As notícias demoram muito a chegar nas comunidades", diz o estudante de marketing Ray Baniwa, 33 anos. Quando não há internet à disposição, as pessoas ainda precisam se deslocar até outros locais para se informar. Ray é um dos 17 membros dessa rede de comunicadores. O conteúdo dos boletins varia com notícias sobre ações do movimento indígena, campanhas de combate a doenças e até informações de interesse local como estradas interditadas e incidentes nas comunidades.

"A experiência na rede de comunicadores indígenas fez com que me aproximasse mais da minha realidade, da minha identidade, do movimento indígena e a não ter vergonha do que nós somos", revela a estudante de Letras e radialista, Cláudia Ferraz Wanano, 34 anos, dona de uma das vozes que ecoam pela região e também por ser acessada em qualquer lugar do planeta.

Desde a década de 1990, a Foirn conta com um informativo impresso, o Wayuri. A partir de 2017, o produto ganhou nova versão em formato de áudio. Isso facilitou a distribuição de notícias entre as terras indígenas dos Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I e II, Yanomami, Balaio, Cué-Cué Marabitanas, Rio Téa e Rio Apapóris.

"Depois de muitas reflexões e conversas, surgiu a ideia de se criar uma rede de comunicadores indígenas e partir para a formação, principalmente de jovens, e incluir mulheres nas atividades, pois já havia interesse feminino, mas também uma certa resistência por parte de alguns homens", explica a jornalista Juliana Radler, que orienta a equipe dos 17 comunicadores. Ela afirma que a representatividade feminina entre os indígenas é mais difícil por questões culturais, principalmente em se tratando de política. "A própria Foirn, em seus 31 anos de história, só teve uma mulher como presidente", numa referência a Almerinda Ramos de Lima, do povo Tariano, que esteve à frente da organização de 2013 a 2016.

Para produzir os boletins, os jovens são capacitados em oficinas e dispõem de cartilhas com orientações sobre a produção de conteúdo. "Podemos não ter formação em jornalismo, mas fazemos a comunicação do nosso jeito e aprendemos muito juntos, cada vez mais e usando a criatividade para driblar as dificuldades como a falta de internet", diverte-se Cláudia Ferraz Wanano.

Em 2013, três jovens indígenas criaram a webradio Yandê, ou apenas rádio Yandê, outra emissora que trava uma luta dentro do campo da comunicação. "Sentimos a necessidade de criar algo independente, autônomo e com cem por cento de protagonismo indígena, uma equipe apenas indígena. Um protagonismo real", explica a jornalista Renata Machado Tupinambá, uma das idealizadoras da iniciativa ao lado do artista plástico amazonense Denilson Baniwa e do ativista baiano Anápuáka Tupinambá Hã Hã Hãe. Radicados no Rio de Janeiro, eles são de diferentes Estados e etnias, e essa diversidade se reflete na programação, que contempla músicas, entrevistas, poesias, depoimentos, mensagens, debates e documentários, tudo com temática indígena. O veículo é o primeiro do Brasil nesse conteúdo e formato.

A rádio tem dez programas na grade de programação, sendo quatro em espanhol e um em inglês. Além disso, um dos programas em português reproduz os boletins Wayuri, do Alto Rio Negro. No site, também é possível ler blogs, notícias internacionais e colunistas. "Estamos tentando ser bons ancestrais. Iniciamos algo que as próximas gerações podem usar como guia e inspiração, assim como a gente se inspirou no Ailton [Krenak] com seu Programa de Índio e tantos outros parentes", explica Renata. "A cultura indígena possui muito forte o exemplo que cada geração passa para outra. Ficamos felizes em ver o crescimento das redes de comunicação indígena por todo país."

Para a jornalista, a comunicação é um direito não debatido no Brasil, diferente de outros países, e é de todos. "Todo povo pode fazer sua própria mídia. Por isso trabalhos com o diferencial da etnomídia, para valorizar quem somos e não se tornar cópia de veículos não indígenas", recomenda. A rádio se mantém com oficinas, palestras, workshops e trabalhos de consultoria audiovisual em diversas áreas, mas sem patrocínio ou anunciantes na programação. Desenvolvem ainda projetos como o Festival Yby de Música Indígena e, recentemente, criaram a Casa Yandê, um centro cultural itinerante que difunde comunicação, educação, cultura e arte. A produção de conteúdo é coletiva, e conta com a participação de colaboradores e correspondentes indígenas espalhados pelo Brasil. A rádio tem ouvintes em 90 países e alcançou mais de 1 milhão de acessos em 2018.

Uma das primeiras rádios comunitárias da capital do Amazonas foi a Voz das Comunidades, que surgiu no fim da década de 1990. A iniciativa partiu do padre Luiz Giuliani, da Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de Manaus, uma das pessoas que resolveu abraçar a democratização da comunicação na cidade. Desde 2001, a emissora possui uma programação popular e inclusiva que promove os direitos humanos com protagonismo comunitário, negro, feminino e indígena, e é uma das mais ouvidas das zonas Norte e Leste da cidade.

"Tínhamos um padre muito animado com possibilidade de uma comunicação popular, de uma alternativa para que a população pudesse ser informada e informar outras pessoas", conta uma das voluntárias da rádio, Francy Júnior. Na época da criação da rádio, indígenas estavam migrando de suas comunidades e se fixando no bairro do Mutirão, na zona leste de Manaus. Mas a programação, ao contrário da Rádio Yandê, não é exclusiva dos indígenas. Estes têm um programa intitulado A Voz dos Povos Indígenas, que vai ar uma vez por semana, durante uma hora, e que desde fevereiro de 2018 é apresentado e produzido pelo jornalista José Rocha, da assessoria de comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O programa é voltado para a temática indígena com notícias, informações e entrevistas que interessam aos povos.

José Rocha explica que até aquela data, o espaço era comandado por indígenas, mas por questões de agenda e conflito de horários, eles deixaram o programa. Mesmo assim, a direção da rádio decidiu mantê-lo na grade e, desde então, busca comunicadores indígenas que queiram produzir e apresentar o programa. "Temos conversado com algumas lideranças e articulado para que assumam o espaço, mas o programa exige certa dedicação e não é remunerado. Estou apenas ocupando um espaço que é deles, mas a hora que alguém quiser assumir, é deles para tocarem para frente", explica.

A rádio sempre foi um dos meios de comunicação mais ouvidos na Amazônia por causa das distâncias geográficas e obstáculos logísticos. Com a popularização da internet, esperava-se que esse meio de comunicação fosse "morrer", mas ele acabou reinventando. "É espantoso como a rádio deixou de ser aquele veículo que tinha uma chiadeira para pegar e hoje chega a qualquer lugar, qualquer beco, gueto, basta ter internet", avalia Francy Júnior acrescentando que a rádio Voz das Comunidades pode ser ouvida direto no site ou meio de aplicativos.

No programa que apresenta, o Espaço Mulher, ao lado de outras três mulheres, ela debate temas que fortalecem a identidade amazônica indígena, mas também do povo preto. "O conteúdo da rádio é diversificado, voltado para indígenas e pretos e pretas, com bate-papo entre mulheres, e até música, com um programa de hip-hop. Isso é importante porque a gente atinge os gostos de todos os moradores da cidade e até do mundo, através da internet", conclui.

Esses programas voltados para popularizar e democratizar as vozes indígenas já começam a criar um público cativo. No Alto Rio Negro, para driblar as dificuldades de acesso à Internet, comunidades reivindicam a instalação de alto-falantes em postes para que todos possam ouvir os boletins de notícias produzidos pelos jovens comunicadores.

"Já estamos até fazendo testes com envio de mensagens de texto através da radiofonia e instalação de uma rádio poste na comunidade Taracuá, na Terra Indígena Alto Rio Negro, no baixo rio Uaupés, em São Gabriel da Cachoeira. A comunidade quer ouvir os boletins nos alto-falantes em português e tukano. Isso é muito bom para realizar mobilizações comunitárias para mutirões, festas, serviços e outras demandas", avalia a jornalista do ISA, Juliana Radler.

Na opinião da jornalista Renata Tupinambá, é preciso políticas públicas para a comunicação indígena. "Muitos pensam que comunicação indígena é prestar assessoria a organizações ou algum grupo. Mas é algo mais amplo, um direito como a saúde ou a educação. Algo que faz muita falta em regiões mais isoladas. Falamos em nossas oficinas de etnomídia e da comunicação em diferentes espaços", defende.

Na busca de sucessores indígenas na rádio comunitária, José Rocha também forma novas gerações de comunicadores através do Cimi, em comunidades nos municípios de Careiro e Autazes, no Amazonas. "É um trabalho que envolve a juventude indígena para auxiliar as lideranças em mobilizações na defesa dos direitos deles. Penso que, como comunicadores, devemos procurar saídas para o envolvimento de segmentos populares." Para ele, o grande desafio que se impõe à comunicação popular é a formação e o esclarecimento para se evitar a proliferação de desinformação, as chamadas fakes news, e a instrução do uso de mídias sociais com responsabilidade. "Precisamos preparar os segmentos populares para entender e fazer diferença entre o que é opinião e informação, para assim evitarmos a proliferação de fake news, das notícias mentirosas, e promover maior esclarecimento e aprofundamento", diz.

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