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Racha na base, racha na oposição

O Globo, O País, p. 3
06 de Jun de 2009

Racha na base, racha na oposição

Leila Suwwan e Bernardo Mello Franco

Após a tumultuada sessão do Senado na noite de quarta-feira que aprovou a MP 458 - que permite a regularização de terras griladas de até 1.500 hectares na Amazônia -, tanto a base governista como a oposição estão divididas sobre o texto. Petistas e tucanos defendem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete trechos da MP.
Já aliados do governo e o DEM aprovam o texto apoiado por ruralistas, que abre caminho para que empresas ou prepostos de proprietários rurais comprem terras ocupadas irregularmente.
Ontem, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) anunciou seu apoio à intenção da bancada petista de pedir a Lula que vete artigos da MP. Na sessão de votação no Senado, o líder tucano fechou com petistas estratégia para modificar o texto, mas o acordo foi derrotado por dois votos.
A relatora da MP e presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu (DEM-TO), por outro lado, teve ajuda do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), para manter o texto sem nova alteração. Com isso, a lei aprovada difere em vários pontos da MP original, concebida pelo ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) para beneficiar os pequenos posseiros com a regularização.
- A lei é muito boa. Mas tive de votar com minha convicção, que era modificando os dois pontos polêmicos - disse Arthur Virgílio. - Se você coloca para legalizar a terra quem tem apego à terra, deve haver o prazo de dez anos para a venda. Eu dou a terra e o cara vende? O problema são os maiores donos de terra, que pela MP podem vendê-las em três anos.
Segundo a lei, as terras regularizadas que têm entre 400 e 1.500 hectares podem ser revendidas depois de três anos. Os pequenos proprietários, com terras de 100 a 400 hectares, precisam aguardar 10 anos.
O outro ponto polêmico é a abertura para que terras ocupadas para fins de exploração comercial, de até 1.500 hectares, sejam regularizadas em nome de empresas ou de prepostos de proprietários rurais. O restante da lei trata da regularização em nome de posseiros que atuam diretamente na terra, e para fins de subsistência. Em ambos os casos, a ocupação da terra precisa ser datada de antes de 1o. dezedembro de 2004.
Marina Silva vai pedir veto a Lula
Para os ambientalistas, essa é a brecha para recompensar a ocupação ilegal e grilagem de grandes interesses econômicos ligados à agropecuária e à extração de madeira.
- Os grandes responsáveis pela grilagem colocam terceiros na linha de frente. É uma discrepância absurda. O assentado ou posseiro de boa fé não pode vender. Mas o proprietário de área maior pode? - disse Claudio Maretti, superintendente de conservação da WWF-Brasil.
Na noite de quarta, a senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, precisou ser amparada por colegas e anunciou que mandaria carta aberta a Lula sobre o assunto:
- Tudo o que se lutou nos últimos 30 anos na Amazônia foi por terra abaixo. Agora os juízes e promotores que sofreram ameaças de morte por lutar contra a ocupação ilegal da floresta ouvirão sonoras gargalhadas dos grileiros.
Anteontem, o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), disse que o partido pedirá a Lula que vete artigos da MP que facilitam mais a legalização de terras ocupadas ilegalmente na Amazônia. Em nota, ele disse que a bancada petista está unida e chamou o texto aprovado na noite de quarta-feira de MP da Grilagem.
Após a vitória de quarta, Kátia Abreu disse que a aprovação da MP é uma vitória no caminho da regularização das terras na Amazônia:
- Foi um grande avanço em direção à segurança jurídica na região. Agora teremos condição para cobrar o cumprimento das leis. A MP vai reduzir os conflitos por terra na Amazônia

Opinião
Autocrítica

O POLÍTICO
Luiz Inácio Lula da Silva se excede. Agora, ele acaba de assinar um manifesto pelo fim do desmatamento na Amazônia, reivindicação que significa uma crítica ao seu governo.

LULA de fato se descolou da administração Lula. Virou uma instituição, um santo no andor da política nacional, reverenciado na procissão dos beneficiários do assistencialismo populista

O que as ONGs consideram retrocesso

Legislação Florestal: Em novembro de 2008, o governo federal mudou o decreto 6514/0S, que exigia o cumprimento da legislação florestal, obrigando os ruralistas a replantar reservas florestais destruídas. Com a mudança, na prática eles ganharam mais um ano de prazo para averbar suas reservas florestais em cartório. A partir daí, um futuro mecanismo de fiscalização é que obrigaria o replantio.

Cavernas: Em dezembro de 2008, o governo revogou a legislação (da década de 90) que protegia as cavernas brasileiras. No lugar, publicou decreto que, segundo as ONGs, põe em risco a maior parte do patrimônio espeleológico brasileiro. A justificativa foi que a proteção total das cavernas impedia atividades econômicas como mineração e novas hidrelétricas,

Gases de Efeito Estufa: Com a crise econômica mundial, ao mesmo tempo em que contingenciava grande parte do já reduzido orçamento do Ministério do Meio Ambiente, o governo baixava impostos para a produção de veículos automotores. Fez isso sem exigência de melhora nos padrões de consumo de combustível ou apoio equivalente ao desenvolvimento do transporte público.

Posses na Amazônia: Em fevereiro de 2009, foi editada a MP 458, que, a título de regularizar posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na Amazônia, abriu a possibilidade de se legalizar a situação de grande quantidade de grileiros. Na última quarta-feira, a MP 458 foi aprovada Pelo Senado. Segundo as ONGs, é fundamental a retirada de pelo menos dois pontos para evitar uma "corrida" pelas terras: a liberação de terras na Floresta Amazônica para empresas e a permissão do uso de prepostos para garantir a posse da terra. Outra crítica é de que as áreas de até 400 hectares serão vendidas a preços menores, embora os posseiros já tenham obtido lucros na posse, sem oferecer contrapartida à sociedade.

Politização dos Licenciamentos Ambientais: Outra MP, a 452, trouxe, de contrabando, uma regra que acaba com o licenciamento ambiental para ampliação ou revitalização de rodovias, destruindo um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira e feita sob medida para se possibilitar abrir a BR 319 no coração da floresta amazônica. Essa, MP caiu por decurso de prazo.

Código Florestal: A bancada ruralista propôs a revogação tácita do Código Florestal, pressionando pela diminuição da reserva legal na Amazônia e pela anistia a todas as ocupações ilegais em áreas de preservação permanente. Essa movimentação já gerou o seu primeiro produto: a aprovação do chamado Código Ambiental de Santa Catarina, que diminui a proteção às florestas que preservam rios e encostas.

Teto para Compensação Ambiental: O decreto 6.848, ao estipular um teto para a compensação ambiental de grandes empreendimentos, contraria decisão do STF, que vincula o pagamento ao grau dos impactos ambientais. Segundo as ONGs, o decreto rasga um dos pontos principais da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada pelo país em 1992, e que determina que aquele que causa a degradação deve ser responsável, integralmente, pelos custos sociais dela derivados (princípio do poluidor- pagador). Agora, segundo as ONGs, independentemente do prejuízo imposto à sociedade, o empreendedor não terá que desembolsar mais do que 0,5% do valor da obra, o que não incentiva a adoção de tecnologias mais limpas, porém mais caras.

O Globo, 06/06/2009, O País, p. 3

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