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Questões indígenas: na aldeia xavante (4)

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Onofre Ribeiro
21 de Out de 2003

A fala do chefe Alexandre é muito forte e sincronizada. Vou reproduzir algumas de suas frases, exatamente como foram ditas: "É papo furado. Não tem saúde e nem comida", referindo-se à Funai e à Fundação Nacional de Saúde (Funasa). "Ninguém olha para os índios". "Vida do povo índio está acabando". "Funai não cumpre nada. Só rouba, enriquece. Órgão na trabalha certo". "Estamos pobres, sujeira, poeira na casa, doença nas crianças. Diarréia". "Precisa máquina para revirar a terra. Com enxada rende pouco". "Índio precisa de paz. Precisa parceria". "Chega de demarcação, senão nunca vai dar mantimentos e povo vai parar de sofrer, anciãos, mulheres e crianças". Depois, conversei demoradamente com o professor Tarley Nunes da Mata, salesiano e diretor da Escola Estadual São José de Sangradouro. Os salesianos estão na região desde 1906, lidando com índios, e desde 1956 com os xavantes em Sangradouro. Estão matriculados 600 alunos índios, 19 são professores índios graduados ou graduandos em nível superior. Conhecedor profundo dos xavantes, ele concorda com o cacique Alexandre quando diz que "xavante é brabeza, igual que onça preta". E confirma: "Os xavantes são encardidos", isto é, são duro na queda. Têm personalidade determinada e são muito politizados.

Admite que existe pobreza grande na aldeia, mas não chega a ter miséria. "Falta confiança na Funai, nos missionários e no governo", admite Tarley, confirmando o cacique Alexandre. Entre eles existem regras muito fortes de vida como o "tsire"wa", cujo significado é obrigatoriedade de compartilhar. Daí a socialização que é a essência da partilha material e dos dons, que fundamenta a sua cultura.

Admite, ainda que a meta dos índios xavantes é a autonomia desde que "a identidade é a terra demarcada, desimpedida e livre de problemas". Tarley diz ainda que o cacique Domingos, chefe da maior das 20 comunidades locais "é muito sábio e preparado. Os caciques não se deixam enganar", diz ele. Quando diz isso, ele está afirmando que os xavantes têm a consciência de que estão passando por um momento especial de transformações. "É preciso respeitar o ritmo deles, mas o que estamos assistindo aqui é o surgimento de um novo perfil de auto-determinação iniciado pelos xavantes. Traduzindo: eles estão buscando o seu próprio caminho escapando do controle histórico da Igreja, da Funai e das Organizações não-governamentais que vêm pressionando-os a exigir demarcações de áreas, ampliações e a confrontos com a sociedade não-índia.

Entenda-se o propósito xavante como a construção de um modelo de relacionamento que não existe em nenhum outro lugar do mundo, contrariando a tese de sempre: os índios são escravizados ou destruídos. Os xavantes querem construir um modelo conduzido pelos seus interesses e na defesa da sua sobrevivência, mas com autodeterminação.

Certamente terão adversários fortes interessados em mantê-los tutelados e emburrecidos para facilitar interesses até inconfessáveis.

O assunto continua amanhã, partindo da audiência pública realizada na Assembléia Legislativa de Mato Grosso no mesmo dia 8 deste mês.

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