VOLTAR

A questão indígena

CB, Opinião, p. 16
01 de Abr de 2005

A questão indígena

Não guarda fidelidade mínima ao documento Os compromissos com os povos indígenas, que deveria inspirar as ações do atual governo, a apática política indigenista em curso. A rigor, é impossível enxergá-la no aranzel das formas improvisadas de agir. Os órgãos, à frente a Fundação Nacional do Índio (Funai), e os demais entes encarregados de atuar junto às comunidades indígenas operam de modo espasmódico. Assim mesmo somente após os fatos consumados. O exemplo mais recente é a epidemia de fome entre crianças menores de cinco anos nas aldeias da reserva de Dourados (MS), conhecida desde o início de janeiro por denúncia da imprensa. O socorro aos indiozinhos famintos só chegou no dia 27 de fevereiro.
As novas críticas da Anistia Internacional (AI) sobre o tratamento dispensado pelo governo brasileiro aos índios circularam no mesmo dia, quarta-feira, em que mais uma criança indígena, a 15ª, era vitimada pela fome em Dourados. Alex Portilho Duarte, de nove meses, há 40 dias internado em hospital, não resistiu aos efeitos devastadores da desnutrição. Outras dezenas de bebês e menores de até cinco anos em tratamento apresentam quadro clínico agudo. Correm risco iminente de morte. Porque não houve medidas preventivas para garantir alimentação suficiente e adequada nas aldeias, a fome provocou danos à saúde de difícil recuperação.
Quando faz críticas ácidas a países periféricos em relatório levado ao circuito da mídia mundial, a AI se expõe a suspeitas de que exagera para colher apoios na opinião sensível da comunidade mundial. Mas é inquestionável que, no essencial, reflete realidades funestas, omissões governamentais injustificáveis e, não raro, graves violações aos direitos humanos. Não há como refutar, descontados eventuais excessos, as denúncias da instituição sobre as más condições de vida dos índios brasileiros.
Apesar de gravíssimo, o episódio da morte de crianças vitimadas pela fome configura apenas uma das muitas disfunções das diretrizes aplicáveis à questão indígena. Por ausência de ações estratégicas e medidas pontuais enérgicas, a disputa pela posse da terra e exploração de riquezas mineiras amplia as tensões entre índios, de um lado, e grileiros, fazendeiros e garimpeiros, de outro. Registra-se em 124 das 620 áreas indígenas clima de tensão prestes a explodir em conflitos sangrentos. Os cinta-largas da reserva Roosevelt, em Rondônia, trucidaram em abril do ano passado 29 garimpeiros que lavravam diamantes na área.
No conflito agrário, 23 índios foram assassinados em 2003. No ano anterior, somaram 15 os que tombaram. Não há estatísticas de morte por epidemias disseminadas em contatos com brancos, embora se saiba que sobem a dezenas a cada ano. A reserva Raposa/Serra do Sol (Roraima), em parte ocupada por agricultores e posseiros, a qualquer momento pode ser palco de confronto com derramamento de sangue. Antes de contrapor restrições ao informe da AI, melhor seria o governo repensar e dinamizar soluções para a causa dos índios.

CB, 01/04/2005, Opinião, p. 16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.