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A questão do infanticídio indígena no Brasil

Opinião e notícia http://opiniaoenoticia.com.br/
12 de Abr de 2018

Parte da tradição de algumas tribos indígenas do Brasil, a prática de matar crianças que nasceram com alguma deficiência física há anos desperta polêmica e coloca em lados opostos defensores de direitos humanos e ativistas dos direitos indígenas. Além de crianças deficientes, a prática também abrange gêmeos, (que são tidos como um mau-presságio), filhos de mães solteiras e crianças frutos de adultério (que são vistas como amaldiçoadas).

A controvérsia é parte de um debate importante no Brasil - país que é lar de centenas de diferentes tribos, que vivem em diferentes graus de isolamento. A principal questão do debate é determinar até onde o Estado deve interferir em costumes considerados desumanos aos olhos de outras sociedades, mas que foram desenvolvidos por tribos indígenas como uma forma de sobreviver em um ambiente desfavorável.

Embora o infanticídio seja um crime passível de punição pelo Código Penal Brasileiro, a prática é realizada em algumas comunidades indígenas do país. Isso porque o Estatuto do Índio, promulgado em 1973, dividiu as tribos indígenas em três categorias: aquelas que vivem em completo isolamento; as que têm um limitado contato com o mundo exterior; e as que estão totalmente integradas na sociedade em geral.

O estatuto determina que as tribos devem ser submetidas às leis federais de acordo com o grau de assimilação que guardam com a sociedade brasileira. Logo, uma tribo que vive em completo isolamento, sem qualquer contato com a sociedade exterior, não está sujeita à punição por conta da prática. Tal posição também é defendida na Constituição de 1988, que garante aos "brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida", mas salvaguarda "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições".

Atualmente, tramita no Congresso uma proposta para banir a prática. O Projeto de Lei (PL) 1057/2007, de autoria do deputado Henrique Afonso (PV-AC), determina o "o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos". Em outras palavras, o projeto torna o infanticídio indígena passível de punição pelo Código Penal.

A proposta foi apelidada de "Lei Muwaji", em homenagem à Muwaji Suruwaha, uma indígena da tribo suruwahá que em 2005 se rebelou contra a prática, se recusando a matar a filha, que sofre de paralisia cerebral, e fugiu com ela para Manaus, onde conseguiu tratamento para a criança, mas passou a sofrer por não se adaptar à vida fora de sua aldeia. Aprovada na Câmara em 2015, a proposta atualmente tramita no Senado.

Se o projeto de lei for aprovado, uma emenda será feita no Estatuto do Índio para que a prática possa ser sujeita ao Código Penal. A proposta também determina que pessoas que têm conhecimento de uma tribo que realiza a prática, mas não denunciam, também podem ser incriminadas.

Porém, órgãos de defesa dos direitos indígenas rechaçam a proposta. Em uma carta aberta, a Associação Brasileira de Antropologia afirmou que a proposta encobre estratégias "para deslegitimar a imagem dos indígenas, visando suprimir direitos já consagrados". "O PL 1057/2007 está constituído sem qualquer fundamento científico, pautado unicamente pelo sensacionalismo de certo tipo de imprensa existente em nosso país, e de preconceitos e ignorância sustentados por posturas coloniais e etnocêntricas, caminhando a contrapelo da legislação nacional e internacional - como a Convenção no 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário - que reconhece os direitos desses povos, assim como em total dissonância com a produção científica".

Ativistas dos direitos indígenas denunciam que por trás da proposta estão entidades religiosas que usam uma prática minimamente difundida para criar uma imagem depreciativa da cultura indígena. Em um artigo publicado em 2010, no site do Observatório da Imprensa, Luiz Eduardo V. Berni, coordenador do Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas do CRP-SP, chama atenção para a falta de conhecimento e o sensacionalismo da mídia em relação ao tema.

Berni cita uma reportagem veiculada em novembro daquele ano, pela TV Record, emissora de propriedade do bispo Edir Macedo, líder espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Segundo ele, com um tom altamente sensacionalista, a reportagem destaca de forma fragmentada elementos da cultura indígena, "levando a uma falsa sensação de homogeneidade dos mais de 240 povos indígenas brasileiros, que falam aproximadamente 180 idiomas. As imagens de diferentes etnias foram veiculadas numa contextualização muito frágil sob a narrativa trágica proposta, fato que induz o telespectador a concluir como sendo absurda a preservação da cultura e da tradição indígenas 'em pleno século 21'".

Entre os principais argumentos dos ativistas contrários à proposta é o fato de que ela não destaca a diversidade e o extenso número de tribos indígenas existentes no Brasil. Ou seja, a proposta dispõe a prática como se fosse comum a todas as tribos, o que não é verdade. Além disso, críticos da proposta argumentam que não há dados que comprovem uma proporção alta de infanticídio indígena que justifique uma ação específica contra isso.

Citando dados de uma organização missionária, um artigo da revista Foreign Policy, estima que 20 tribos das mais de 300 existentes no Brasil promovem a prática. "Segundo o mais recente censo do Brasil, conduzido em 2010, o país tem 897 mil indígenas - meio por cento da população total de 191 milhões registrada naquele ano". No entanto o artigo ressalta que a escassez de dados pode ser fruto de casos não relatados, uma vez que é difícil mesurar a extensão da prática. O texto afirma que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não coleta dados sobre a prática e resiste a reconhecer publicamente sua existência.

O artigo da Foreing Policy finaliza citando a história da família de Kanhu, uma menina indígena da etnia kamayurá, cuja família fugiu da tribo em 2007, quando ela tinha sete anos, para fugir da pressão pela sua morte por conta de sua distrofia muscular. Os pais de Kanhu não perceberam a doença quando a menina nasceu, mas notaram que aos poucos ela parecia mais fraca. A própria tribo não mata ou ordena a morte, mas pressiona a família matar. A prática é tida como um gesto de amor, uma forma de impedir que a criança tenha uma vida de sofrimento.

A família de Kanhu optou por não matar a menina e com ajuda de missionários conseguiu se mudar para a periferia de Brasília, onde vive até hoje. Porém, em entrevista à Foreing Policy, os pais de Kanhu não conseguem esconder a tristeza que sentem por terem abandonado seu antigo modo de vida. "Todo mundo aqui se fecha em espaços separados", disse à revista o pai de Kanhu, apontando para os quartos da casa onde vive.

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