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Quem tem medo do CAR?

O Globo, Economia Verde, p. 20
Autor: VIEIRA, Agostinho
03 de Abr de 2014

Quem tem medo do CAR?

Agostinho Vieira

Para a maioria das pessoas esta talvez seja só mais uma das muitas expressões que cercam há anos o debate entre os que defendem a preservação das florestas brasileiras e os que lutam pela valorização da produção agropecuária. Ela faria parte de uma família de siglas como APA (áreas de preservação permanente) e de termos como matas ciliares, reservas legais, apicuns e outros menos votados.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), no entanto, é um pouco mais do que isso. Ele é o item mais importante do Código Florestal que foi aprovado pelo Congresso em maio de 2012. Uma espécie de viga mestra sobre a qual deveria ser construída toda a política de preservação e recuperação de nossas matas. Mas que envolve também resoluções de pendências jurídicas, questões imobiliárias, interesses do setor agrícola e de outros negócios.
Além disso, ele contaria com o apoio de ambientalistas e produtores rurais que, de um modo geral, concordam com a sua urgência e gostariam de vê-lo implantado. No entanto, dois anos se passaram e nada aconteceu. O que explicaria essa situação? Afinal, quem tem medo do CAR? Seria ótimo ter uma resposta simples para a questão. Botar a culpa nos ruralistas é um caminho, mas não toda a verdade. Alguns ambientalistas também não ajudam muito. Na falta de opção, sempre há a incompetência dos governos.
Um saco onde cabe quase tudo.
Podemos começar com a própria aprovação do Código, depois de anos de debates. Ao final, a frase que mais se ouvia e escrevia era: "este foi o texto possível". Ou seja, ninguém gostou. E são os insatisfeitos da época que agora tentam atrapalhar. Entre eles, setores mais reacionários do Agronegócio. Os que diziam que o Código acabaria com a Produção nacional.
Agora, defendem a tese de que o CAR deve ser feito por matrícula e não por imóvel rural. Trata-se de uma manobra para burlar a legislação. O Código Florestal concedeu benefícios aos pequenos proprietários, com áreas de até quatro módulos fiscais (de 20 a 440 hectares). Quem, por exemplo, desmatou parte da reserva legal até 2008 não precisaria recuperá-la.
Se forem consideradas as matrículas, as grandes propriedades poderiam ser fatiadas e receber o mesmo tratamento dos pequenos. São 5,4 milhões de propriedades rurais e mais de 70 milhões de matrículas.
Seria como acabar com o latifúndio por decreto, fazer de conta que nunca existiu. Mas essa não é posição de todo o Agronegócio. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que reúne os grandes produtores de Soja, divulgou uma carta se dizendo contrária à proposta. A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), escreveu um artigo seguindo a mesma linha.
Apesar disso, a lei não sai do papel. O Ministério da Agricultura chegou a apoiar a ideia das matrículas. Agora, parece estar sendo convencido do contrário. E esse é outro problema, a reforma ministerial promovida pela presidente tem feito com que as discussões voltem ao começo quando os novos titulares assumem. Foi assim na Agricultura e na Casa Civil.
Na verdade, o CAR nada mais é do que um registro eletrônico, um número que identifica o proprietário rural e a sua propriedade. Para organizar essas informações, o Ministério do Meio Ambiente, com ajuda de pesquisadores da Universidade de Lavras, em Minas Gerais, criou um sistema chamado Sicar (Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural). Ele funciona como uma espécie de Imposto de Renda.
O sistema trará informações sobre o imóvel, os seus limites e indicará onde ficam as reservas legais e as áreas de proteção permanente. Quem desmatou o que não devia terá 20 anos para resolver o problema.
A recuperação pode ser feita na própria área ou numa propriedade vizinha, desde que no mesmo bioma. Pode-se pagar para que a floresta de outra pessoa permaneça de pé e compense os estragos. Empresas que negociam e administram essas compensações já estão sendo formadas no país, esperando exatamente a aprovação do CAR.
Alguns apostam que o decreto presidencial regulamentando o tema sairá antes da Copa do Mundo. Outros dizem que ficará para depois das eleições. Estima- se que 27 milhões de hectares de área verde sejam recuperados. O que ajudaria a preservar o clima, os rios e a Produção agrícola. Mas o CAR é, antes de tudo, um instrumento moderno de gestão, que ajuda o país a crescer de forma transparente e sustentável. Talvez este seja o grande problema.

5,4 milhões
É número de propriedades rurais existentes no país que deveriam preencher o Cadastro Ambiental Rural. Ele foi aprovado pelo Congresso, em 2012, junto com o Código Florestal. Mas a lei ainda não saiu do papel. Ela depende de um decreto presidencial que regulamente o tema.

O Globo, 03/04/2014, Economia Verde, p. 20

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