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Quem se habilita?

CB, Economia, p. 10
10 de Abr de 2006

Quem se habilita?
Orçada em R$ 22,3 bilhões, hidrelétrica do Madeira é uma das apostas do governo para garantir energia a partir de 2011. Mas o elevado custo do projeto não tem atraído o interesse de investidores privados

Mariana Mazza

Para o governo, o futuro do setor elétrico pode ser resumido em um nome: complexo do Rio Madeira. A obra, que pode vir a ser a terceira maior usina hidrelétrica do país, atrás de Itaipu e Tucuruí, é considerada imprescindível para garantir o fornecimento de energia a partir de 2011. Mas, apesar da sua importância, a equipe governamental ainda tem uma longa trajetória de questões a serem solucionadas se quiser ver o projeto hidrelétrico do Madeira sair do papel. O primeiro é o custo do empreendimento, orçado inicialmente em R$ 22,3 bilhões.
Teoricamente, tanto dinheiro não sairia apenas dos cofres públicos.
A meta da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pela definição dos projetos no setor elétrico que irão a leilão, é atrair investidores privados que estejam dispostos a bancar, no mínimo, 51% da obra. Mas a dificuldade de encontrar empresas privadas interessadas na empreitada e a inevitável necessidade de suporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com volumosos empréstimos tem assombrado os sonhos do governo.
"Não há muitos interessados no projeto", admite o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. O desenho da obra foi feito pela Odebrecht em parceria com a estatal Furnas e, até o momento, é este o único consórcio com reais chances de tentar construir as usinas.
O complexo é composto por quatro usinas hidrelétricas (veja ilustração). Em princípio, serão construídas apenas Jirau e Santo Antônio, ambas situadas completamente em território brasileiro. A proposta é que Guajará-Mirim seja uma binacional, com investimentos conjuntos com a Bolívia. A quarta e última peça do complexo, Cachuela Esperanza, estará situada em território boliviano e, por isso, sua construção será decidida pelo país vizinho.
Na opinião de Tolmasquim, o receio dos empreendedores em participar do leilão do Madeira pode ser remediado com a divulgação detalhada dos estudos técnicos, o que deve acontecer nos próximos meses, em um road show por vários países. Mas a data do leilão é outra incógnita. É ponto pacífico de que, se o projeto for colocado junto com empreendimentos menores na próxima disputa pública, marcada para 12 de junho, a possibilidade de encontrar um empreendedor disposto a bancar uma obra tão grande é mínima. Por isso o leilão não deve ser antes do segundo semestre.
A previsão dos técnicos é a licença prévia, emitida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), não saia antes de julho. Entre maio e junho seriam feitas as audiências públicas com a população diretamente atingida pela obra. Dependendo das demandas dos moradores, o processo pode se estender ainda mais.
Megalomania
O maior drama, porém, ainda gira em torno do custo da obra, de proporções astronômicas. A estimativa de R$ 22,3 bilhões não inclui as eclusas, necessárias para garantir a navegabilidade em um dos principais rios da Amazônia.
Com elas, o custo total pode chegar a R$ 23,6 bilhões. Mas isso se as eclusas estiverem previstas desde o início, o que o governo não quer para não afugentar ainda mais os empresários. Se forem feitas depois da obra pronta, o preço seria ainda mais alto. "Acho que o projeto do Madeira não é válido neste momento.
Ele é uma reedição dessas obras gigantes que aconteceram no período militar, como Tucuruí, Itaipu e a Transamazônica", critica o presidente do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires. "É um projeto megalômano", reforça Claudio Salles, presidente da Câmara de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE). O receio dos analistas é que a obra custe muitíssimo mais ao longo da construção. O maior exemplo disso é Tucuruí, que teve seu custo total inflado em quase 80% no decorrer da obra. A estatal mais interessada no projeto garante que os investidores privados terão que colocar a mão no bolso. Sem isso, a obra não tem como sair. "É um projeto privado, até na formatação. Nossa participação estaria, no máximo em 49%", afirma Márcio Porto, superintendente de Empreendimentos de Geração de Furnas.

Crescimento ameaçado
Investir agora na construção do complexo do Madeira é mais uma peça na estratégia do governo para garantir o abastecimento de energia elétrica no país. A jogada da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) é emplacar a obra para ganhar tempo para a solução dos problemas ambientais de usinas menores nos próximos anos. A segurança estaria na quantidade de energia que o Madeira será capaz de gerar: 6,450 mil megawatts (MW) por mês, volume que permite abastecer uma população de 15 milhões de habitantes, o equivalente ao estado do Rio de Janeiro inteiro. Apesar do tamanho, construir o complexo não garante toda a energia necessária em um cenário de retomada de crescimento do país.
Como o complexo precisará de 10 anos para funcionar com força total, surge nova controvérsia entre governo e analistas. Ao invés de apostar todas as fichas no megaempreendimento, os consultores do setor acreditam que a EPE deveria investir nas obras menores desde já. "O sinal amarelo está acesso e pode passar a vermelho mais rápido do que imaginamos caso o Brasil volte a crescer 4,5% ao ano", alerta Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Em uma coisa os dois lados concordam: os critérios usados pelos órgãos de defesa ambiental prejudicam o setor e a própria população.
Crise ambiental
Nos últimos anos é perceptível o aumento da geração por termelétricas e a queda de novos projetos hidrelétricos. Essa inversão em um país tão rico em rios com potencial energético tem acontecido por conta dos impactos ambientais imediatos das obras, que no caso da hidrelétricas é sempre maior. "Mas o aumento das térmicas impacta no efeito estufa, que atinge todo o globo", lembra Jerson Kelmann, presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). "Não fazer o empreendimento porque tem impacto é loucura. Toda obra tem seu impacto", completa. Acostumado a ouvir críticas do setor, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) acredita que existe um problema cultural entre os investidores no Brasil. "A intenção do empreendedor é sempre fazer as coisas para ontem.
E tudo se torna mais complexo quando o empresário tenta fazer um atalho", avisa o diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz. Uma prática muito comum entre os investidores é não dar a devida atenção ao impacto social das obras. Essa é a maior preocupação dos órgãos ambientais. "Não tem projeto que entre aqui e saia como entrou.
Os empresários têm que entender que o Ibama não é um órgão cartorial, apenas para o recebimento de documento", alfineta Kunz. Outro mito que o diretor levanta é o de que, quanto maior a obra, pior o impacto. O próprio Madeira é um exemplo. Caso os empreendedores sigam as recomendações do Ibama, a expectativa é que os problemas causados pela obra possam ser reduzidos fortemente. (MM)

A opção Angra III
O governo tem se mantido firme no discurso de que não há riscos de um apagão, como o de 2001. Mas as parcas opções de investimento na expansão da planta de geração de eletricidade são uma realidade. Essa situação trouxe de volta à mesa de negociações um dos mais polêmicos projetos do setor elétrico, o de Angra III. Investir em energia nuclear pode deixar de ser uma opção caso o Brasil não consiga viabilizar outras obras. "Se não entrar Angra III, vai ter que entrar outra coisa no lugar", avisa Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A usina nuclear está prevista no Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica como uma das fornecedoras de eletricidade em seis anos. Sem ela, a matriz energética ficará com menos 1,3 mil megawatts já em 2012. "Não temos uma decisão tomada e a margem para esta escolha é até o início de 2007. A gente precisa de mais energia e o problema é que, hoje em dia, está muito difícil de licenciar as coisas no Brasil", alerta Tolmasquim.
A crescente intervenção dos ministérios público e da Justiça tem colocado o próprio Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) em situações complicadas. A última confusão aconteceu há duas semanas, com o projeto de Belo Monte no rio Xingu, outra grande hidrelétrica na lista de prioridades do governo. O Ministério Público Federal impediu judicialmente a realização de audiências públicas em Altamira e Vitória do Xingu, no estado do Pará, para discutir o impacto da obra para as populações. Até o fim desta semana, o Ibama entrará com recurso contra a liminar conquistada pelo MP e pretende dar seqüência as análises de Belo Monte.
"Foi uma interferência excessiva. Íamos apenas discutir a metodologia do licenciamento", reclama Luiz Felippe Kunz, diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama. Belo Monte seria a alternativa para não fazer Angra III, mas entre tantos conflitos no processo de licenciamento, o governo preferiu não contar com o empreendimento, que teria capacidade de geração de mais de 11 mil megawatts (MW). A dificuldade agora é tentar conciliar a questão nuclear dentro do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Na semana passada, o CNPE colocou a questão em pauta, mas os diversos ministros que compõem o fórum de discussão não chegaram a um acordo. (MM)

CB, 10/04/2006, Economia, p. 10

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