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Quem merece um prêmio mundial de alimentos

O Globo, Amanhã, p. 23
Autor: BITTMAN, Mark
16 de Jul de 2013

Quem merece um prêmio mundial de alimentos
Enquanto o Secretário de Estado americano homenageia a Monsanto, há centenas contribuindo para mudar o sistema de alimentação do planeta

MARK BITTMAN
DO 'THE NEW YORK TIMES'

Se o discurso do Secretário de Estado Americano, John Kerry, apoiando organismos geneticamente modificados ao anunciar o Prêmio Mundial de Alimentos da pasta na semana passada é uma indicação de sua habilidade para analisar em profundidade questões complexas, talvez seja melhor ele continuar praticando windsurf. Porque Kerry parece ter comprado o mito, impulsionado pela indústria agrícola, de que só apostando na engenharia genética seremos capazes de alimentar os nove bilhões de habitantes do nosso planeta em 2050. E ele apoiou conceder esse arremedo de um prêmio a três engenheiros de biotecnologia, incluindo Robert Fraley, vice-presidente executivo e diretor de tecnologia da Monsanto.
Não importa que a Monsanto é um dos patrocinadores do prêmio, ou que nunca soubemos os nomes dos candidatos. Não importa que nem agora estejamos alimentando sete bilhões, ou que adoeçamos um bilhão de pessoas com uma forma nunca antes vista de desnutrição. Não importa que já cultivemos alimentos o suficiente para todo o planeta, e ainda todo mundo que nascerá nos próximos 30 anos. E não importa que haja poucas evidências de que a engenharia genética tenha feito muito pelo aumento da produção, ou pela redução do uso de produtos químicos, ou para melhorar o fornecimento de alimentos. A reclamação termina aqui. Em vez disso, perguntei a alguns amigos e colegas quem poderia ganhar um prêmio sobre alimentos.
Doug Gurian-Sherman, um patologista de plantas na União de Cientistas Preocupados, mencionou Zeyaur Khan, que desenvolveu o sistema que utiliza uma leguminosa para "empurrar" pragas para longe da plantação e outra para "puxar" o inseto. "Os custos de insumos são baixos para os agricultores que usam este sistema", diz Gurian-Sherman, "enquanto os rendimentos são muitas vezes mais do que o dobro".
Raj Patel, autor do livro "Stuffed and Starved" ("Cheios e esfomeados", em tradução livre) falou sobre a organização camponesa internacional La Via Campesina, que pôs a violência contra as mulheres na vanguarda das suas preocupações em torno da "soberania alimentar". Sessenta por cento das pessoas subnutridas no mundo são do sexo feminino. Já Anna Lappé, diretora de Food MythBusters, nomeia o relator especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação, e Olivier De Schutter visitou dezenas de países para aprender sobre insegurança alimentar e encontrar soluções. Tom Philpott, que escreve sobre alimentação e agricultura na revista Mother Jones, lembra-se da mãe de Anna, Frances Moore Lappé: "Seus principais insights - de que o cultivo de grãos para alimentar os animais e conseguir carne é terrivelmente ineficiente; de que o mundo já produz calorias mais que o suficiente e que o problema real é a desigualdade econômica - tornaram- se tão comuns que nos esquecemos de onde eles vieram".
Finalmente, Michael Pollan, professor de jornalismo na Universidade da Califórnia e autor de "Cooked" ("Cozido"), cita o agrônomo de Berkeley Miguel Altieri, um dos principais defensores da agroecologia: "Pequenas fazendas atualmente produzem metade dos alimentos do mundo, e o trabalho de Altieri sugere que eles poderiam produzir muito mais sem se transformar em modelos intensivos em capital para exportação, que, muitas vezes, minam a economia e diminuem a segurança alimentar", diz Pollan.
Sem pensar muito, eu ainda poderia falar de Lester Brown, Matt Liebman, Vandana Shiva. Hoje, a fome existe não por falta de comida, mas sim porque alguns são incapazes de comprá-la ou produzi-la. A fome representa a desigualdade: não há pessoas com fome e com dinheiro. Aliviar a fome, em parte, é reconhecer que o direito de comer é equivalente ao de respirar, e supera o de lucrar. Os verdadeiros heróis do mundo dos alimentos são aqueles que reconhecem isto, e trabalham para melhorar uma agricultura de poucos insumos, na qual a maioria das pessoas e agricultores confia. Há centenas de pessoas merecedoras de "prêmios" por este tipo de trabalho. Os figurões da Monsanto não estão entre eles.

MARK BITTMAN/DO 'THE NEW YORK TIMES' - Colunista de opinião, escreve sobre alimentos

O Globo, 16/07/2013, Amanhã, p. 23

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