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Quem investirá na Amazônia do crime?

Valor Econômico, Prática ESG, p. H2
Autor: CHIARETTI, Daniela
15 de Jun de 2022

Quem investirá na Amazônaia do crime?
O crime organizado está tomando conta da Amazônia e a ilegalidade na floresta implode os três pilares do ESG. A continuar como está, os números bilionários do mercado de carbono do Brasil ficarão apenas nas previsões

Daniela Chiaretti
15/06/2022

"Trabalho lá há 11 anos e nunca vi uma situação tão difícil. Os indígenas dizem que hoje a quantidade de invasões é comparável à do período anterior à demarcação". A frase do indigenista Bruno Pereira foi dita em entrevista em dezembro de 2021 e se refere à região do Vale do Javari, no Amazonas, fronteira Norte do país. Servidor da Funai licenciado e ex-coordenador geral de índios isolados de recente contato do órgão, Bruno ajudava os índios a mapearem as ilegalidades na Terra Indígena Vale do Javari, área onde vivem mais de 6.300 pessoas de várias etnias, muitos grupos isolados e é alvo constante de invasores. Uma frente de ameaças são pescadores e caçadores ilegais. Gente que pesca e caça em grandes volumes e tem conexão assustadora com o narcotráfico.

Os índios, por seu turno, conquistam protagonismo crescente na fiscalização da área. Usam drones e tecnologias de monitoramento para localizar os invasores. Ocupam um espaço que é dever e responsabilidade do Estado, mas que, como o mundo todo está vendo, tem sido deixado para o crime.

A ilegalidade na floresta abala os três pilares do ESG

Bruno Pereira conseguiu destruir 50 balsas de garimpo no rio Jutaí, uma artéria da região, em 2019. Foi a última grande operação conjunta da Funai, do Ibama e da Polícia Federal na TI. O indigenista foi exonerado em seguida, mas seguiu trabalhando por ali. Dom Phillips, o jornalista britânico que o acompanhava e com ele desapareceu em 5 de junho, queria ver como os índios cuidam do próprio destino e tomam conta do que o Estado não faz - uma omissão criminosa.

Essa situação dramática escancara o desleixo dos órgãos públicos em uma área complexa, multicultural e sempre assediada por invasores. "Não dá para dizer que o narcotráfico seja uma novidade, mas ganhou proporção gigantesca neste governo, assim como a atividade predatória. Este é um elemento agravante muito forte para a governabilidade futura da região", diz Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e sócio-fundador do Instituto SocioAmbiental, o ISA.

O que ocorreu com Bruno e Dom terá que ser esclarecido, mas os brasileiros tomaram conhecimento de mais uma frente do crime na Amazônia. A BBC trouxe dados de uma pesquisa realizada em 2014 pelo Center for International Forestry Research que estimou que 278 toneladas de carne de caça são vendidas por ano nas cidades da tríplice fronteira do Brasil, Peru e Colômbia. Pela lei, só indígenas e comunidades tradicionais podem caçar animais silvestres, para o seu sustento. Ao Valor, o indigenista Orlando Possuelo contou que não é raro encontrar canoas com mil tracajás dentro, o que rende R$ 100 mil reais ao pescador. Como a pesca predatória é muito agressiva, o peixe começa a rarear e os invasores migram para a TI. É gente que vive por ali e todos conhecem. O tráfico os seduz com redes de pesca, barcos e outros materiais caros.

Este é o ambiente de negócios que se encontra hoje em boa parte da Amazônia. "Está naturalizado, de certa forma, com o discurso do governo que briga com as ONGs e com os indígenas. E quem sai fortalecido é o narcotráfico", resume Adriana Ramos, sócia do ISA. A Coalizão Brasil, que reúne mais de 300 representantes do agronegócio, setor financeiro, Academia e ONGs, cobrou solução para o desaparecimento de Bruno e Dom. Há ali motivos humanitários mas também o entendimento que, do jeito que vai, o crime organizado está tomando conta da Amazônia.

Passou da hora de se fazerem conexões e ligarem os pontos. Quem serão os malucos que irão investir numa Amazônia na rota de se tornar um imenso território tomado pela ilegalidade? Um estudo da Comissão de Combate à Grilagem diz que a papelada de terras registradas em cartórios no Pará dá conta de quatro vezes o tamanho do Estado. Para quem serão pagos créditos de carbono se não se sabe quem é o dono da terra? Como fazer negócios nesta bagunça? Quem irá colocar recursos em bioeconomia ou em exploração legal de madeira? O crime na Amazônia desestrutura os três pilares - o ambiental, o social e a governança. A continuar como está, os números bilionários do potencial do mercado de carbono no Brasil serão apenas previsões delirantes das consultorias.

https://valor.globo.com/brasil/esg/coluna/quem-investira-na-amazonia-do…

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