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Queimado em praca publica

CB, Brasil, p.18
30 de Abr de 2005

Boneco do senador Mozarildo Cavalcanti é amarrado na estátua da Justiça e incendiado por grupo de índios em pajelança realizada no encerramento de semana de protestos
Queimado em praça pública
Paloma Oliveto
O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) foi reduzido a pó. No encerramento do Abril Indígena, cerca de cem manifestantes levaram um boneco do parlamentar à Praça dos Três Poderes, onde fizeram uma pajelança para "tirar os maus espíritos daqueles que são contra os direitos do nosso povo", na explicação do cacique Jecynaldo Cabral, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Cavalcanti, autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/99, que transfere ao Congresso o poder de homologar terras indígenas, é considerado o inimigo número um dos índios. O boneco, amarrado na cabeça da estátua da justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal, foi golpeado, flechado e incendiado durante o ritual guarani - pataxó hã-hã-hãe.
A malhação de Mozarildo Cavalcanti, integrante da comitiva de senadores que irá a Roraima para tentar negociar uma solução pacífica para o resgate dos agentes federais reféns dos macuxi, foi o último ato público das 89 etnias acampadas no gramado da Esplanada dos Ministérios desde segunda-feira. Ontem, com palmas e maracás, os cerca de 700 índios participantes do evento aprovaram a Carta da Mobilização Nacional Terra Livre. No documento, eles apontam as principais reivindicações apresentadas ao longo da semana e as respostas que receberam das autoridades. A principal bandeira dos índios é a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, promessa feita pelo então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.
Ações isoladas
Segundo o sateré-mawé Jecynaldo Cabral, o conselho terá poder deliberativo e será composto por representantes indígenas, entidades não-governamentais e representantes do governo. A idéia é que o grupo coordene as ações que hoje estão dissolvidas entre vários ministérios e fundações, como a Funai e a Funasa. Os ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência da República) mostraram-se favoráveis à idéia, assim como o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes.
No mês que vem, líderes indígenas começam a realizar conferências regionais para definir as diretrizes do conselho. "Esperamos anunciar a criação do conselho no ano que vem, no próximo Abril Indígena', diz o índio.
Os índios deixaram Brasília também com a promessa do ministro da Justiça de examinar o caso de 14 terras que aguardam o reconhecimento de posse. São elas: Morro dos Cavalos (SC), Las Casas (PA), Aldeia Condá (SC), Toldo Imbu (SC), Piaçaguera (SP), Toldo Pinhal (SC), Yvy-Katu (MS), Cachoeirinha (MS), Batelão (MT), Balaio (AM), Cacique Fontoura (MT), Manoki (MT), Pitaguary (CE), e São Domingos do Jacapari e Estação (AM). Apesar do compromisso de analisar o pedido, Thomaz Bastos não estabeleceu prazos para dar uma resposta aos índios. "Consideramos isso uma falta de compromisso do ministro", acusa Jecynaldo Cabral.

Pedidos e reclamações
Na semana de protestos, os índios também defenderam a federalização dos serviços de educação e saúde. Segundo o cacique Jecynaldo Cabral, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), "o poder executivo de muitos municípios discrimina os índios".
Os povos indígenas reclamam que, com a terceirização de serviços, a Funasa não se preocupa em capacitar os profissionais de saúde. "Eles maltratam a gente. As crianças da aldeia estão todas desnutridas, precisam de vacina e não tem", denuncia a kaiowá Priscila de Souza, 54 anos, da aldeia Pacurity, a 30 quilômetros de Dourados (MS), onde 21 crianças indígenas morreram em decorrência da desnutrição somente este ano.
Na avaliação dos líderes que participaram do Abril Indígena, a mobilização rendeu perspectivas positivas, como a criação do conselho, mas nem todas as reivindicações tiveram resposta do governo. "Na hora de pedir voto, o Lula não tinha problema de ir nas nossas aldeias. Ele devia ter vergonha de não receber a gente", reclamou Luiz Luís Titiah, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Apesar de serem recebidos por ministros, os índios não conseguiram se encontrar com o presidente Lula.
Na semana que vem, uma comissão formada por líderes de diversas etnias volta a Brasília para acompanhar o cumprimento das promessas feitas durante os cinco dias do acampamento Terra Livre. "Estamos organizados e vamos cobrar nossos direitos", diz o sateré-mawé Jecynaldo. "Quem não atender às expectativas pode acabar como o boneco do senado. Mozarildo Cavalcanti: queimado em praça pública".

CB, 30/04/2005, p. 18

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