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Que é mesmo desenvolvimento?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
25 de Fev de 2005

Que é mesmo desenvolvimento?

Washington Novaes

Como faremos para escapar aos cenários dramáticos gerados pelas mudanças climáticas em curso e que tendem a agravar-se, assim como ao beco da insustentabilidade dos atuais padrões de produção e consumo no mundo, já além da capacidade de reposição da biosfera? Como reverteremos o atual quadro de concentração da renda no planeta e, em diferentes proporções, em cada país - todos gerando instabilidade e espasmos de ingovernabilidade? Como chegar ao desenvolvimento sustentável?

Há muitas propostas sobre a mesa. Mas não há uma fórmula consensual. Nem regras ou instituições capazes de tornar as propostas obrigatórias internacionalmente - ou então não se conseguirá atingir a sustentabilidade, porque os problemas são globais e continuarão afetando mesmo os países que tenham adotado políticas mais adequadas.

Enquanto isso, a expressão "desenvolvimento sustentável" continua a ser utilizada nos mais diversos contextos, inclusive pelos que, com suas políticas e práticas, inviabilizam qualquer hipótese de sustentabilidade. Não falta até quem invoque com freqüência - no Brasil e em toda parte - o "desenvolvimento sustentado" (quem sustenta?) ou o confunda com crescimento do produto interno bruto (PIB).

Diante desse quadro, surge um livro extremamente oportuno - Desenvolvimento Sustentável: o Desafio do Século XXI (Editora Garamond), do professor José Eli da Veiga, que será lançado no próximo dia 7. Economista, professor na Universidade de São Paulo, autor de vários livros, José Eli da Veiga é dos estudiosos que mais se têm dedicado ao tema do desenvolvimento. E esta sua nova obra será muito útil para quem vá examinar ou discutir o tema, já que perpassa a história da formulação do conceito do desenvolvimento, seja sob o ângulo do crescimento, seja da sustentabilidade. Desde as teorias que igualaram desenvolvimento a crescimento econômico até os que acham desenvolvimento sustentável apenas uma ilusão, um mito ou manipulação ideológica. Mas o livro trata também de um "caminho do meio", que considera o mais desafiador.

Esse olhar retrospectivo põe sobre a mesa muitas questões que ainda valeria a pena discutir no Brasil de hoje. Como o modelo essencialmente exportador de matérias-primas e produtos de baixo valor agregado. A demanda mundial deles - lembra o livro, citando o diplomata peruano Oswaldo Rivero - cresce 3% e 4% ao ano, respectivamente, ante 15% anuais dos produtos de alta tecnologia que importamos. E seus preços reais, em alguns casos, chegam a ser inferiores aos que vigoravam antes da Grande Depressão do início dos anos 1930. Preços de têxteis, roupas, manufaturas de madeiras, químicos, máquinas e equipamentos de transporte tiveram seus preços reduzidos em 1% ano desde a década de 1970. E - comenta ainda Rivero - quando à "miséria científico-tecnológica" se associa a explosão urbana, nos países "em desenvolvimento", o não-desenvolvimento se torna inevitável. A sobrevida temporária acaba dependendo de privatizações e capitais voláteis.

O caminho da "ajuda externa" já foi posto de lado. Em 1992, quando aprovaram a Agenda 21 mundial, os países industrializados destinavam 0,36% de seu PIB conjunto à ajuda; comprometeram-se a elevá-la para 0,70%; hoje ela está em 0,22% (0,1% nos EUA). Por essas e outras, Rivero recomenda deixar de lado o "mito do desenvolvimento". Como observa o livro, faz lembrar o recém-falecido Celso Furtado, que já em 1974 dizia que "as economias periféricas nunca serão desenvolvidas".

E assim segue o livro pela história do pensamento nessa área, com ênfase especial no do Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen, em cujos textos "devem ser buscados os fundamentos do caminho do meio, entre a miopia que reduz o desenvolvimento ao crescimento e o derrotismo que o descarta como inexeqüível. O que essa obra procura demonstrar é a necessidade de reconhecer o papel das diferentes formas de liberdade no combate às absurdas privações, destituições e opressões existentes em um mundo marcado por um grau de opulência que teria sido difícil até mesmo imaginar um ou dois séculos atrás".

Depois de lembrar que 590 anos antes de Cristo Sólon já propunha na Grécia proibir a agricultura em áreas de aclive (prática danosa que continua solta no Brasil), o livro discute o que é sustentabilidade, recorrendo a vários autores e tendências, mas apontando o pensamento de Herman Daly como "o melhor em termos qualitativos": ele considera indispensável "um choque de altruísmo". Outro destaque é para Georgescu-Roegen, segundo quem "a economia certamente será absorvida pela ecologia". Um dia, diz ele, "será necessário encontrar uma via de desenvolvimento humano que possa ser compatível com o decréscimo do produto; no curto prazo é preciso que o crescimento seja o mais compatibilizado possível com a conservação da natureza".

Depois de passar por vários outros autores - com ênfase em Ignacy Sachs -, José Eli da Veiga vê no emprego generalizado da expressão desenvolvimento sustentável "pelas elites" um sinal negativo ("como se fosse uma nova marca de sabonete") e outro positivo, por indicar a tomada de consciência quanto a limites naturais. Diz que "a velha utopia industrialista não é mais sustentável" e cita Eric Hobsbawn, para quem "o futuro não será capitalista". Conclui que, na verdade, a formulação do desenvolvimento sustentável é um enigma à espera de um Édipo que o desvende.

Ainda assim, a leitura do livro - com a vasta bibliografia que o acompanha - é muito necessária neste momento crítico da História.

OESP, 25/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

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