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Quantos mais?

CB, Opiniao, p.18
Autor: GENTIL, Cristine
15 de Fev de 2005

Quantos mais?
Cristine Gentil

Todas as manifestações públicas pelo assassinato da missionária Dorothy Stang, 73 anos, ocorrido em Anapu, no Pará, convergem para um único apelo: que o governo saia de sua habitual inércia em relação a conflitos agrários e assuma como sua a responsabilidade de preservar os direitos humanos — sobretudo os daqueles que se colocam na trincheira, enquanto o governo fica no conforto da retaguarda. Movimentos de sem-terra, igreja, madeireiros e ruralistas, organizações não-governamentais, todos cobraram do governo uma atitude mais enérgica e decisiva em relação à implantação da reforma agrária.

Foi essa a primeira reação, independentemente dos objetivos de cada grupo. Há os que acusam o governo de acatar o que desejam os latifundiários e exploradores das nossas florestas; há os que reclamam da falta de ingerência na invasão de terras produtivas e os que acreditam que são prejudicados com novas reservas ambientais. Os interesses são diversos. É esperado que muitos sejam contrariados, mas a lentidão — ou seria omissão? — provoca a insatisfação geral. Ou seja, ninguém fica satisfeito, os ânimos se exaltam e o Estado não controla as animosidades.

Os defensores de direitos humanos, como Dorothy, que assumem a dianteira de uma causa, passam a viver na linha de tiro em locais onde a lei é de guerrilha, exercida em tocaias por homens que pegam em armas, mas nunca usaram fardas. O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, foi alertado para as ameaças sofridas por trabalhadores da região pela própria religiosa. Declarou em jornal que em nenhum momento lhe foi dito que era ela própria quem sofria o risco maior. E precisava? E se tivesse dito, o que teria feito o ministro? Colocado guardas à sua disposição? Não seria o suficiente. Basta lembrar que, quando Chico Mendes foi assassinado, ele tinha dois policiais no seu encalço. A escolta, por si só, não garante a integridade dos pequenos que lutam contra grandes interesses.

A missionária Dorothy era grande em seus propósitos, mas tinha a companhia de poucos. Sua luta era conhecida e apoiada pela Pastoral da Terra. Morta, converte-se em símbolo. Ganha o merecido espaço na mídia, o lamento geral, o luto da comunidade que agora poderá ser vencida mais facilmente. Roga-se que não seja mais um símbolo de impunidade.

CB, 15/02/2005, Opinião, 18

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