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A quantas anda o juízo humano?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
25 de Nov de 2005

A quantas anda o juízo humano?

Washington Novaes

Que acontecerá em Montreal, no Canadá, a partir da próxima segunda-feira, quando começam a 11ª Reunião das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima e a 1ª reunião dos representantes dos 155 países que homologaram o Protocolo de Kyoto, que regulamenta a convenção? Até aqui, como já se comentou neste espaço há duas semanas, os prognósticos não são otimistas.
Primeiro, porque o chefe de governo britânico, Tony Blair, há poucas semanas afirmou que obrigações impostas de fora de cada país não são o melhor caminho para reduzir emissões, já que podem criar obstáculos ao desenvolvimento econômico; ele se disse descrente da possibilidade de um acordo nos termos de Kyoto para depois de 2012; a seu ver, a possibilidade melhor é desenvolver tecnologias que reduzam as emissões - apostando assim no caminho que vem sendo trilhado pelos EUA, que não aceitam compromisso de reduzir emissões.
Isso põe em risco a sobrevivência do protocolo, cujo primeiro período de vigência se esgota em 2012. O próprio subsecretário da convenção, Richard Kinley, tem dito que "há muita diferença de opiniões entre os governos dos países membros" e que, se houver proposta para um novo acordo que vigore depois de 2012, "ele só estará pronto entre 2008 e 2010".
Inquietante. Como disse o coordenador científico da reunião, Halldor Thorgeirsson, "os políticos não estão agindo com a pressa necessária. Os cientistas estão dizendo que é preciso reduzir as emissões. E é indispensável que se tenha clareza desde já, para orientar os investimentos necessários. Também é preciso cuidar de fundos para que os países se adaptem às mudanças já em curso. Os países em desenvolvimento, os que menos contribuíram para o problema, são os que mais estão sofrendo e sofrerão com as mudanças".
Na prática, entretanto, o que se vê é as emissões de poluentes dos países ricos aumentarem, em lugar de diminuírem. Eles assumiram em 1992, em conjunto, o compromisso de reduzir suas emissões em 5,2% sobre os níveis de 1990, até 2012. Aparentemente, reduziram em 5,9%, mas a queda se deve quase toda à redução das emissões nos países da desaparecida URSS, depois de 1989. Mas até 2010 as emissões conjuntas podem ter aumentado em 10,6%. Os EUA, os maiores emissores, já aumentaram as suas em 13,3% e continuam a aumentá-las 1,5% ao ano; o Canadá aumentou em 24,4%; a Austrália, em 23,3%; o Japão, em 12,8%; a Espanha, em 47,1%; Portugal, 36,7%; a Grécia, 25,8%; a Irlanda, 25,6%; a Áustria, 16,5%. Exceções são a Grã-Bretanha (menos 13%), a Alemanha (menos 18,2%), a Suécia (menos 2,3%) e a França (menos 1,9%). Esses números são do mais recente relatório da convenção.
Os EUA, com 4,5% da população mundial, respondem por 22,2% do consumo global de energia e 21,4% das emissões de dióxido de carbono (fora outros gases). Juntamente com países asiáticos (China, Japão, Coréia do Sul, Índia) e a Austrália, os seis, com 44,8% da população mundial, consomem 44,2% da energia total e respondem por 51,6% das emissões de dióxido de carbono, em razão principalmente da queima de petróleo, gás e carvão. Há pouco tempo, os seis firmaram um protocolo para trabalhar por novas tecnologias (ainda incertas e problemáticas) capazes de reduzir as emissões - e não pela redução via mudanças na matriz energética.
A Índia, que tem um sexto da população do mundo, também já deixou claro que não aceitará compromissos de redução de emissões, até porque - argumenta - suas emissões per capita (0,25 tonelada de dióxido de carbono por ano) correspondem a menos de um quarto da média mundial. A China, com 14% das emissões, também não aceita.
Nesse quadro, não estranha que cientistas venham prevendo o agravamento de tempestades e inundações, secas e desertificação, além de elevação do nível do mar, queda nas reservas de neve e nas chuvas em muitas regiões, agravando a escassez de água. Um estudo atribui às mudanças climáticas mais de 5 milhões de doenças em 30 anos, 150 mil mortes, e diz que pode piorar.
Mas os EUA não pretendem desistir do petróleo. Ao contrário, o Senado acaba de aprovar a extração no Alasca. E na Europa jorram estudos mostrando que o crescimento econômico na Espanha se reduzirá em 3% se ela tiver de cumprir as metas de baixar emissões; na Itália, seriam menos 2%; na Grã-Bretanha, menos 1,1%; na Alemanha, menos 0,8%. Nos EUA, a queda seria de 4,2% ao ano. Por isso, embora o consumo mundial de energias renováveis venha crescendo muito (investimentos de US$ 30 bilhões em 2004), o panorama continua preocupante.
O Brasil, segundo o relatório da convenção, emitia em 1994 (inventário mais recente) 1,47 bilhão de toneladas anuais, das quais 217,7 milhões na geração de energia, 21,2 milhões na indústria, 369,3 milhões na agricultura, 20,6 milhões no lixo e 658,9 milhões em mudanças no uso da terra e desmatamento. Mas não aceita também compromissos de reduzi-las, por entender que os países industrializados precisam cumprir seus compromissos primeiro. E porque, com 3% da população mundial, emitiria pouco mais que esse porcentual e seria responsável por apenas 1% dos gases que já estão na atmosfera.
O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas levará a Montreal proposta de compensações financeiras para países que reduzirem sua taxa de desmatamento (nossa fonte maior de emissões). Mas sem compromisso de baixar as emissões. Já o Fórum Brasileiro de ONGs é favorável a que o País (como todos os demais) assuma compromissos de redução, proporcionais a suas emissões e sua responsabilidade histórica.
Os próximos dias dirão a quantas anda o juízo da espécie humana.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 25/11/2005, Espaço Aberto, p. A2

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