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Provincia energética

Agencia Estado
Autor: Lúcio Flavio Pinto
15 de Jun de 2001

O velho bordão de que energia é desenvolvimento vem sendo posto em questão no Pará. Há mais de uma década o Estado é o quinto maior produtor e o terceiro maior exportador de energia do país. Ocupou essa posição graças a uma única hidrelétrica, a de Tucuruí, no rio Tocantins, responsável por 8% da capacidade instalada de geração em todo o Brasil. Além da bacia Tocantins/Araguaia, que pode receber mais duas grandes usinas ainda em território paraense, o Estado dispõe de outras duas bacias hidrográficas na margem esquerda do Amazonas, a do Xingu e a do Tapajós, já inventariadas para aproveitamento hidrelétrico. Se a Eletronorte pudesse impor sua vontade, no final desta década o Pará já estaria gerando mais de um quarto da energia brasileira.
Nem com números tão impressionantes, entretanto, a sina de subdesenvolvimento crescente estaria abolida na terra do senador Jader Barbalho. A expansão do parque hidrelétrico continuará seguindo a diretriz da exportação. A usina de Belo Monte, por exemplo, que pelo cronograma da Eletronorte deve começar a gerar em 2007, vai transferir para o sul do país todos os 11 milhões de KW que irá produzir, uma quantidade que eqüivaleria a quase 20% da atual produção energética brasileira. Para 3,7 bilhões de dólares de investimento na usina, a empresa (ainda) estatal prevê US$ 2,8 bilhões na linha de transmissão, com três mil quilômetros de extensão.
É um paradoxo amargo para os paraenses que esse acelerado incremento de energia resulte em exportação. Energia só é desenvolvimento quando fomenta processos econômicos no mesmo lugar, criando efeito multiplicador na atividade produtiva interna. Por força dos planos federais, o Pará tem sido obrigado a passar em frente energia bruta, no máximo ligeiramente transformada. Quase um terço da energia produzida pelas turbinas de Tucuruí vai para outros Estados, onde é transformada em bens de maior valor agregado. No Estado produtor ficam apenas os royalties, uma gorjeta. O Estado consumidor não paga o ICMS, cobrado apenas (com alíquota de 17%) nas operações internas do gerador da energia. Não é uma boa lógica, nem fornece moral edificante.
A maior consumidora individual de energia do Brasil também está no Pará. É a indústria de alumínio Albrás, que divide essa posição com a vizinha Alumar, instalada em São Luís do Maranhão. As duas respondem por 3% do consumo energético nacional. Em 1984 receberam do governo uma tarifa subsidiada, que custa 200 milhões de dólares ao ano, o dinheiro necessário para cobrir a diferença entre o custo da geração e o pagamento da tarifa. No prazo de validade do contrato, de 20 anos, a conta do subsídio irá parar em US$ 5 bilhões. Só do lado da Albrás, o valor corresponde a 10 anos de receita de ICMS, a principal fonte de tributos do Estado, com a qual o governo cobre sua folha de pessoal, com mais de 100 mil servidores públicos.
Há 15 anos a Albrás exporta alumínio bruto, principalmente para o Japão, sócio da Companhia Vale do Rio Doce no empreendimento, que tem direito a metade da produção. Com o subsídio energético, a empresa poderia construir uma outra fábrica, inteiramente nova. O único investimento que fez no período foi ampliar a capacidade da planta de alumínio bruto. A verticalização, feita por um grupo argentino instalado no mesmo distrito industrial, tem significado simbólico. O efeito multiplicador desse que é o maior pólo aluminífero do continente, com investimento de quase US$ 2,5 bilhões, continua a ocorrer na sede do país importador. O Japão, 25 mil quilômetros de distância.
Não surpreende que sendo o único Estado da federação a abrigar o ciclo completo do alumínio, desde a mineração de bauxita até a fundição do metal, o Pará continue em reta descendente no ranking nacional. Pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), está numa posição melancólica para a grandeza do seu estoque de recursos naturais: 17o lugar. Principalmente porque não consegue reter uma parcela expressiva da energia que brota dos seus caudalosos rios. Enquanto a curva da quantidade de energia exportada evoluir com mais desenvoltura do que a da produção, significará que o Estado caminha para a consolidação de província energética nacional. Um título que não rima com desenvolvimento.
Nesse contexto, não deve ser considerada como prova de insensibilidade ao drama brasileiro da energia a relutância dos paraenses em aderir ao programa de racionamento do governo federal. Dos 4,2 milhões de KW que constituem a potência máxima de Tucuruí, o Pará fica apenas com 15%, distribuído numa proporção africana com 4 milhões de consumidores, que representam 60% da população do Estado. Uma proporção escandalosa dela, 40%, ainda depende de usinas térmicas a óleo diesel, uma despesa que, no ano passado, correspondeu a toda a folha de pessoal da Eletronorte.
Albrás e Alumar somadas representam o dobro do consumo do Pará e um pouco mais do que absorvem de energia esse Estado e seus dois vizinhos dependentes de Tucuruí, o Maranhão e o Tocantins (que em breve, com a usina do Lajeado a plena carga no Tocantins, vai se tornar auto-suficiente). Com duas diferenças essenciais: o consumo médio do Estado cai muito em relação aos piques, enquanto numa redução de alumínio o registro é uniforme, sempre lá em cima. Isto seria bom para a fornecedora se a conta fosse superavitária. Mas a tarifa eqüivalendo a um terço do custo de geração, é prejuízo certo, que só não estourou a Eletronorte porque a Eletrobrás banca o vermelho.
Uma redução na produção das duas fábricas de alumínio teria repercussão muito maior do que qualquer programa de conservação, racionamento ou mesmo corte para os consumidores não privilegiados. O prejuízo não seria tão grande porque o valor agregado no processo produtivo é baixo. Uma negociação em torno do subsídio abrandaria o efeito negativo da medida. Tudo isso, naturalmente, não para que burocratas públicos desperdicem energia. A racionalização do uso parece ter vindo para ficar, um efeito benéfico dessa crise cabulosa. Mas para que o Pará não continue a ser tão vilipendiado. E, se tal ainda é possível, aproveite para tentar entronizar dentro dos seus limites uma relação mais saudável entre energia e desenvolvimento, transformando energia bruta em aço ou laminados de alumínio. Enquanto é tempo.

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