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Protocolo de Kyoto comeca a vigorar hoje

FSP, Ciencia, p.A15
16 de Fev de 2005

ALÍVIO GLOBAL: Acordo internacional para reduzir os gases que causam o aquecimento do planeta é vitória da diplomacia
Protocolo de Kyoto começa a vigorar hoje
Salvador Nogueira
Reinaldo José Lopes
Da reportagem local
O mundo começa a mudar hoje, ainda que muito discretamente. Após mais de seis anos de negociações às vezes frustrantes, entra em vigor o Protocolo de Kyoto, único instrumento internacional já concebido para lidar com o maior desafio ambiental da história: o aquecimento global.
O consenso entre pesquisadores, ambientalistas e diplomatas é que Kyoto representa mais um sucesso diplomático que ambiental. O acordo, que pretende cortar a emissão de gases causadores do efeito estufa, é um triunfo do multilateralismo representado pela ONU. Mas deixa de fora o maior poluidor do planeta, os EUA.
Ironicamente, o feito de diplomacia, envolvendo 141 países signatários, pode, em parte, ser creditado a George W. Bush. Caso o presidente dos EUA não tivesse desistido do protocolo, em 2001, seria difícil apostar no cumprimento do acordo.
É o que afirma o economista Henry Jacoby, do Programa Mudanças Globais do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos EUA. "Alguns países terão dificuldades, mas, no geral, o acordo deverá ser cumprido, porque a Rússia, por conta de seu colapso econômico, reduziu suas emissões e terá muitos créditos para vender às nações que não conseguirem atingir suas metas", diz. "Agora, se os EUA estivessem no protocolo, haveria essa enorme demanda por créditos e não seria possível atender a todos."
Do ponto de vista ambiental, Bush fez do acordo uma vitória de Pirro. O protocolo deixa de fora do balanço o país que responde por 25% de todas as emissões.
Sem punição
Outro ponto em aberto é a punição aos países que não cumprirem suas metas até 2012, o prazo estipulado pelo protocolo.
"A única coisa é que, caso um país não cumpra a meta no primeiro período de compromisso, ele teria de pagar a dívida no segundo", afirma José Goldemberg, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Fora isso, retaliações (comerciais, por exemplo) também são imagináveis.
O segundo compromisso seria uma nova etapa no protocolo, com a estipulação de cortes além de 2012. Ninguém garante que essa fase chegará. Sem os EUA e os países em desenvolvimento (especialmente China, Brasil e Índia, que são grandes emissores), dificilmente fará sentido seguir adiante. E Brasil e Índia já se declararam frontalmente contrários a metas de redução que prejudiquem seu desenvolvimento.
Mesmo falando só do primeiro período de compromisso, sabe-se que as metas de redução estão muito aquém do que o planeta precisa para permanecer saudável. Para Goldemberg, o grande impulso para ir além deve vir da própria mudança climática.
"Em mais alguns anos, as evidências de que o aquecimento é real vão ser tão fortes, veremos tantas catástrofes, que os países vão entrar em pânico", diz.
Uma coisa é virtualmente consenso: o planeta está mais quente, e por culpa do homem. "Dada a variabilidade natural do clima, não dá para atribuir um verão como o da Europa, em 2003, ao aquecimento global. Agora, a seqüência de anos muito quentes, com temperatura acima das médias históricas -isso é inegável", afirmou o climatologista Peter Stone, do MIT.
"Nós sabemos, pelos testemunhos de gelo [cilindros retirados da Groenlândia e da Antártida, que guardam registros da atmosfera do passado] que nunca nos últimos 700 mil anos foi tão alto o nível de gases-estufa. Isso é indubitavelmente artificial", afirma o glaciologista Jefferson Cardia Simões, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
O problema é saber que tipo de alteração o clima da Terra pode sofrer diante dessas mudanças. A incerteza ainda campeia. "É muito provável que tenhamos um aumento médio de 1C até 2100, e talvez muito mais", diz Stone.
O resultado mais previsível dessa alteração é o derretimento de geleiras e o aumento resultante do nível dos mares. "Mesmo um aumento de 40 cm poderia ser desastroso para as regiões costeiras. Milhões de pessoas teriam de se mudar, gastaríamos trilhões de dólares em infra-estrutura portuária", diz Simões.
Para o pesquisador da UFRGS, os desastres climáticos dos anos 1990 e desta década mostram que o balanço de energia da Terra já foi alterado com as emissões que ocorreram até agora. "Todos os momentos de mudança exigem uma adaptação. Esse aumento na variabilidade mostra o clima tentando se adaptar a uma nova situação", afirma.
De qualquer maneira, a redução proposta por Kyoto precisa, no mínimo, ser apenas a primeira de muitas. "Um cenário que nós exploramos foi uma redução de 5% a cada 15 anos, chegando a um total de 30% de redução em relação aos níveis de 1990. Consideramos que isso diminuiria muito os riscos de mudanças catastróficas. Mas é claro que ninguém está propondo isso agora", ri Stone.

FSP, 16/02/2005, p.A15

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