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Protecionismo verde

CB, Economia, p. 24
17 de Set de 2006

Protecionismo verde
Grupos ecológicos fazem campanha contra mercadorias brasileiras na Europa, facilitando a ação de produtores da UE para manter o mercado

Luciano Pires
Da equipe do Correio

Alvo de críticas que envolvem alguns dos produtos agrícolas que mais exporta, o Brasil prepara uma mega ofensiva na tentativa de neutralizá-las e preservar mercados. A ação envolve entidades ligadas ao agronegócio, agentes de governo, além de empresários e prevê a reunião de informações sobre as questões em maior evidência e a sua imediata divulgação mundo afora.
Especialmente na Europa, destino de um terço das exportações agrícolas brasileiras, teses das mais variadas relacionam a carne bovina, o açúcar, o mel e a soja produzidos no Brasil ao aumento da derrubada de árvores na Amazônia, ao uso de trabalho escravo, infantil ou subemprego e à aplicação desenfreada de reagentes químicos que podem fazer mal à saúde. "Na medida em que o Brasil ampliou significativamente sua participação no mercado mundial de produtos agrícolas, houve o deslocamento de outros produtores para o setor. É natural que eles reajam", rebate o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes.
Vez por outra, as campanhas contra os produtos brasileiros são encampadas por governos, mas nem sempre isso acontece. Em geral, ambientalistas e grupos de interesse jogam com a opinião pública e buscam convencer o consumidor a deixar de comprar determinados itens. O fenômeno é recente e está sendo encarado pelos negociadores brasileiros como um novo tipo de protecionismo, já que os europeus não têm mais como impor barreiras tarifárias.
Na Irlanda, de onde partem os ataques mais severos, a associação de produtores sugeriu à União Européia uma solução radical: a suspensão das importações de carne bovina brasileira (que atingiram 250 mil toneladas em 2005). O país é um poderoso amplificador de verdades e mentiras a respeito do agronegócio brasileiro. Lá, slogans do tipo "coma um bife brasileiro e ajude a derrubar uma árvore da Amazônia" não só influenciam a decisão de compra dos consumidores comuns, como reforçam o discurso da comunidade politicamente correta patrocinada por entidades de pecuaristas interessadas em manter o mercado fechado aos estrangeiros.
Para Luís Carlos Guedes, os dados oficiais mostram que os argumentos são infundados. Segundo o Ministério da Agricultura, 1,5% da soja plantada no país está na Amazônia, o boi nacional é um dos mais "limpos" do mundo e o cultivo de cana-de-açúcar vem se adaptando rapidamente a um modelo de produção responsável. Além disso, de acordo com o governo, os esforços do Brasil no combate ao trabalho degradante e infantil são reconhecidos por entidades internacionais, o que fortalece a posição brasileira de rechaçar formalmente tais acusações.
Antônio Carlos Costa, diretor do Departamento de Assuntos Internacionais do Ministério da Agricultura, afirma que, diante do aumento da competição entre os países exportadores e de uma presença cada vez mais firme do Brasil no comércio mundial, a tendência é que as tentativas de minar o poderio brasileiro aumentem. O contra ataque aos abusos e à desinformação, de acordo com o especialista, não pode perder de vista o consumidor. "Governo e setor privado têm de ter uma capacidade maior de responder a esses ataques, traçar uma estratégia para se antecipar. Essas campanhas contra o Brasil estão centradas no consumidor europeu, que é muito sensível", completa.
Rede
O ideal, reconhecem as autoridades e o setor produtivo, seria que o Brasil tivesse, nos principais países importadores, postos-avançados com capacidade para reagir a tempo toda a vez que a onda de ataques fosse deflagrada. Isso, porém, ainda está longe de acontecer. Em termos logísticos, seria impossível montar uma estrutura mínima em cada um dos 182 países que, por exemplo, compram a carne bovina brasileira.
Mas, aos poucos, o Estado e a iniciativa privada (por meio de entidades de classe) procuram sintonizar-se para agir de forma coordenada em casos específicos. O efeito prático disso poderá ser comprovado nos próximos meses, quando missões empresariais e governamentais deixarão o Brasil e para visitar países ao redor do mundo tentando derrubar mitos. Há planos inclusive de municiar embaixadas e consulados brasileiros com informações mais precisas e atuais, o que pode ajudar na construção de "escudos" aos produtos brasileiros.
Para Eduardo Sampaio, diretor do Departamento de Promoção Internacional do Ministério da Agricultura, o Brasil precisa difundir entre seus principais mercados novos conceitos. "A nossa competitividade não está baseada no trabalho escravo ou na exploração da Amazônia. Precisamos dizer isso ao mundo", afirma. Segundo ele, uma grande quantidade de dados está sendo reunida e, em breve, será trabalhada de modo a ser um ponto de partida para um grande processo de conscientização. "Primeiro, temos de desmistificar e para desmistificar é preciso conhecer", reforça.

Prova de compromisso com o ambiente

Pressionado a adotar modos de produção mais justos, o agronegócio brasileiro quer provar que é possível produzir riqueza sem degradar o meio ambiente ou expor as pessoas a riscos. O problema é que, na visão de organizações ambientais, ainda há muito a ser feito e a atividade está longe de ser vista como benéfica.
Adversários históricos, ruralistas e ambientalistas travaram recentemente uma dura batalha em torno da soja plantada em áreas recém-desmatadas. O desfecho aconteceu no fim de julho quando a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) assinaram um documento conjunto se comprometendo a "implantar um programa de governança, que objetiva não comercializar a soja da safra que será plantada a partir de outubro de 2006, oriunda de áreas que forem desflorestadas dentro do Bioma Amazônico".
O gesto, considerado uma vitória do mundo verde, é particularmente fruto das campanhas do Greenpeace na Europa. "Trabalhamos em rede, somos uma organização internacional. Fizemos uma pesquisa grande e divulgamos", diz Tatiana de Carvalho, ativista que vive na Amazônia. Inglaterra, Alemanha, Bélgica e Holanda foram alguns dos países mais focados pela entidade. Muito da resistência do europeu à chamada soja "suja" (cultivada em áreas de floresta) se deve aos esforços do Greenpeace.
O bate-boca internacional envolve, além de dados concretos, contra-informações de ambos os lados. No caso da Amazônia, há um festival de estatísticas pró e contra a plantação de soja em locais onde antes havia vegetação nativa. Para os ecologistas, 16% da floresta estão comprometidos. Já para os agricultores, 1,15 milhão de hectares- 0,3%de mata-foram derrubados depois da chegada do grão.
De acordo com Ricardo Cotta, superintendente-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o protecionismo está em transição e é preciso separar verdades e mentiras. "A bomba cai no colo de quem exporta", justifica. Especialista no assunto, Cotta adianta que o setor privado está se organizando para fazer frente aos boatos, mas também para dar respostas às "críticas sérias".
"Ninguém nega que o Brasil tem desmatamento, mas há exploração legal e ela é maioria. Acreditamos que com argumentação técnica é possível abafar essas versões", explica. (LP)

CB, 17/09/2006, Economia, p. 24

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