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Propostas são insuficientes para frear aquecimento

O Globo, Sociedade, p. 26
31 de Out de 2015

Propostas são insuficientes para frear aquecimento
Compromissos anunciados por países não manterão aquecimento global abaixo de 2 graus

Sérgio Matsuura

RIO - Às vésperas da Cúpula do Clima de Paris, marcada para o dia 30 de novembro, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) divulgou relatório nesta sexta-feira que agrega as 119 propostas, de 146 países, para o controle e redução das emissões de gases estufa. E o resultado não é animador. Segundo o documento, mesmo que todos os compromissos sejam cumpridos, não será possível manter o aumento médio das temperaturas globais abaixo do teto definido de 2 graus Celsius até o fim deste século.
- As Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDCs, na sigla em inglês, metas voluntárias propostas por cada país) têm a capacidade de limitar o aumento futuro da temperatura em cerca de 2,7 graus Celsius até 2100, de modo algum suficiente, mas muito abaixo das estimativas de quatro, cinco ou mais graus de aquecimento projetadas por muitos antes das INDCs - ponderou Christiana Figueres, chefe da UNFCCC.
De acordo com o documento, as emissões vão continuar a crescer, mas em ritmo substancialmente menor. As estimativas apontam níveis de emissões de 55,2 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) em 2025 e 56,7, em 2030. Para alcançar as metas globais de aquecimento em até 2 graus Celsius, os níveis de emissões deveriam ser 19% e 35% menores em 2025 e 2030, respectivamente.
Contudo, a UNFCCC ressalta que mesmo "que as partes não reforcem as ações de mitigação até 2030 para além do previsto nos INDCs, a possibilidade de manutenção do aumento da temperatura abaixo de 2 graus Celsius permanece. Entretanto, os cenários indicam que isso só poderá ser alcançado com taxas de redução das emissões anuais e custos relativos substancialmente maiores".
INCERTEZAS PREOCUPAM
As consequências de um aumento das temperaturas médias globais acima de 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais é incerto. O pesquisador André Lucena, do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, explica que o teto definido é, até certo ponto, político. A preocupação da comunidade científica é que quanto maior for o aquecimento, menor será a compreensão sobre o funcionamento do sistema climático, já que os modelos atuais são baseados em dados históricos. E é a incerteza que preocupa.
- O passado não consegue mais explicar o futuro. Quanto maior o aquecimento, maior a incerteza - diz Lucena. - Existem debates sobre mecanismos que não são bem conhecidos, como o derretimento das geleiras do Ártico, mas há um consenso: com o aumento das temperaturas em dois graus, o impacto já será severo.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, destaca que o mundo já está sentindo os efeitos do aquecimento. De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), a temperatura média global aumentou 0,85 grau Celsius entre 1880 e 2012, e os fenômenos extremos atípicos se multiplicam. No Brasil, por exemplo, a seca persiste no Sudeste, com ondas inesperadas de calor, como os 42,8 graus Celsius registrados no Rio de Janeiro há duas semanas, um recorde para a estação.
- Apenas este ano, 1.384 municípios decretaram situação de emergência ou calamidade em decorrência de desequilíbrios climáticos. São 25% dos municípios. Isso com o aquecimento médio global abaixo de um grau - alerta Rittl. - Com aquecimento acima de dois graus, a Humanidade vai perder a capacidade de administrar os impactos.
Tempestades, secas, mudança na geografia da agricultura e elevação dos níveis dos mares. Alterações na geração de energia hidrelétrica e morte de corais impactando em toda a cadeia alimentar dos mares. As previsões são sombrias, e o relatório da UNFCCC mostra que os governos ainda não estão totalmente dispostos a investir em estratégias de mitigação para evitar custos futuros.
- Paris é o começo de uma cooperação global sem precedentes, mas que ainda não será suficiente - diz Lucena. - É a "tragédia dos comuns". Como todos precisam cooperar, se um país não fizer nada ele recebe o benefício, sem os custos envolvidos. E a mudança climática ainda é vista como um problema futuro. Não é. Já estamos experimentando alguns efeitos, e o problema vai se acentuar na segunda metade do século.
DESTAQUE PARA PONTOS POSITIVOS
Em tom claramente político, a UNFCCC destacou os pontos positivos das iniciativas anunciadas pelos 146 países, que indicam que "juntos eles podem desacelerar dramaticamente as emissões globais". O relatório não faz qualquer citação aos países, apenas apresenta a quantificação dos esforços. Apesar de as emissões continuarem aumentando, a UNFCCC ressalta que as ações prometidas nas INDCs farão a emissão per capita diminuir nos próximos 15 anos, caindo 5% e 9% em relação a 1990 e 2010, respectivamente.
Outro dado positivo é que o crescimento das emissões vai cair em um terço entre no período entre 2010 e 2030, comparando com o período entre 1990 e 2010.
- Governos de todos os cantos da Terra sinalizaram pelas INDCs que estão determinados a fazer a sua parte de acordo com suas capacidades e circunstâncias nacionais - disse Christiana.

O Globo, 31/10/2015, Sociedade, p. 26

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