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Promessa: solucao para soja sai 'em horas'

OESP, Geral, p.A14
08 de Out de 2004

Promessa: solução para soja sai 'em horas'
Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, volta a falar em urgência de um marco legal
Fabíola Salvador
BRASÍLIA - O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, voltou a garantir ontem que haverá um instrumento legal para garantir o plantio de soja geneticamente modificada na safra 2004/05. "O governo sabe da necessidade da legalização e não vai permitir que a ilegalidade persista", afirmou o ministro, admitindo a possibilidade de edição de uma medida provisória para possibilitar o cultivo da soja transgênica. "É uma boa hipótese", reforçou.
"O governo está preocupado em encontrar uma solução e dará o marco legal necessário para que os produtores plantem a sua soja com tranqüilidade. É uma questão de horas e o assunto será resolvido", acrescentou. "A expectativa é que o assunto seja resolvido nesta semana." Ele afirmou ainda ter conversado ontem mesmo sobre a questão com o ministro da Casa Civil, José Dirceu.
Uma das hipóteses que vinham sendo consideradas pelo governo era permitir que parlamentares apresentassem emenda à Medida Provisória 192, já em tramitação na Câmara - e que trata de questões da reforma agrária - para autorizar o plantio da nova safra de soja. Com isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se livraria do ônus de ter de editar uma MP, a segunda desde que tomou posse, apenas para legislar sobre transgênicos, contrariando setores do governo liderados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Mas essa hipótese parecia ter perdido força ontem. Primeiro porque, com o feriado da próxima semana, a Câmara só deverá retomar as votações na segunda quinzena de outubro, e o plantio já está começando em muitas regiões do País. Além disso, a viabilidade da manobra vem sendo contestada. "Não sei se é compatível colocar uma questão destas em uma medida provisória que já está tramitando há um certo tempo", disse o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). "De qualquer forma, é motivo para uma discussão, aqui."
No início da tarde, o líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), chegou a afirmar que essa alternativa estava "enterrada" por causa do impasse nas negociações para votar a medida provisória que trata de outro tema, a compra de terra com títulos da dívida agrária.
Mas depois de algumas conversas com políticos, o deputado voltou a falar em incluir a liberação da soja transgênica na MP 192. "O presidente deixou claro que não gostaria de editar uma MP sobre esse tema. Ele acha que isso deveria ser resolvido no Parlamento."
A própria bancada ruralista, que chegou a sugerir que se aproveitasse a MP 192 começou a fazer restrições a ela. Os ruralistas querem que o texto da 192 seja mantido como está e criticam principalmente o item relativo às terras invadidas, que podem ser comercializadas para reforma agrária.
"Esse item criaria uma indústria da invasão para a compra de terras produtivas", disse o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, deputado Leonardo Vilela (PP-GO). "O meio de campo embolou de novo."
Diante das resistências da bancada ruralista, Roberto Rodrigues disse que há outras MPs em análise no Congresso. Mas fez uma ressalva: essa decisão é da Casa Civil. "Se conseguíssemos resolver isso dentro do Congresso, com uma ação de parlamentares, seria bom para todo mundo", afirmou. "Isso daria conforto para todos nós", afirmou. (Colaboraram Denise Madueño e Gilse Guedes)

Câmara deve aprovar o texto que vem do Senado
Essa é a tendência. Mas governistas apostam num racha entre evangélicos
Gilse Guedes
BRASÍLIA - A tendência é que a Câmara aprove o substitutivo do senador Ney Suassuna (PMDB-PE) ao projeto de Lei de Biossegurança, disseram ontem líderes do governo e da oposição. A proposta que saiu do Senado autoriza neste ano o plantio e a comercialização da soja geneticamente modificada, dá poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para decidir sobre transgênicos e permite a pesquisa com células-tronco de embriões congelados há mais de três anos.
"Olhando o quadro de hoje, acho que o texto tem maioria na Câmara", disse o líder do governo na Casa, Professor Luizinho (PT-SP). "Esse assunto já foi exaustivamente debatido no Congresso", disse o líder do PT, José Múcio Monteiro (PE).
O líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA), explicou que seu partido sempre apoiou os pontos aprovados no Senado. Mas ele acha que a proposta só será votada em novembro, por causa das medidas provisórias que estão trancando a pauta da Câmara.
Tanto o governo quanto a oposição terão de vencer resistências entre deputados ligados a ambientalistas e ao meio religioso. Os governistas apostam num racha entre os evangélicos, cuja maioria é contrária ao texto do Senado. Deputados da Igreja Universal do Reino de Deus estariam dispostos a aprovar o substitutivo, segundo um parlamentar da base aliada.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) mantém a posição contrária ao projeto. A entidade, que tem influência entre parlamentares, defende que questões como células-tronco e transgênicos sejam discutidos separadamente. E vê sérios problemas éticos nas pesquisas com embriões humanos.
Além disso, o projeto ainda divide as opiniões dentro do governo, como admitiu ontem o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, sem citar nomes.
Ele e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, têm visões opostas sobre os transgênicos. Ela é contra; ele, a favor.
"Há ainda uma discussão interna (no governo) quanto à forma de trabalhar o assunto na Câmara", disse o ministro. "Mas, seguramente, como houve um grande acordo com todos os partidos no Senado, não haveria razão para que esse acordo não valesse também na Câmara. Essa é uma visão de parte do governo." (Colaborou Fabíola Salvador)

Marina Silva diz que não se sente enfraquecida
Ministra do Meio Ambiente afirma que decisão do Senado não a surpreendeu
Gabriella Sandoval
A aprovação do projeto da Lei de Biossegurança pelo Senado, na quarta-feira, não foi surpresa para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Após se reunir ontem com organizações não-governamentais em São Paulo, ela disse que o Senado tinha um quadro já previsto por causa do encaminhamento que o projeto teve nas comissões. Quanto ao possível enfraquecimento político diante da decisão, declarou que não a atingiu de forma unilateral, pois não pode "absorver isso" sozinha.
Para Marina, o mais adequado seria a aprovação do texto original do deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB-PE), com o qual está de acordo. Marina quer que seja atribuído ao Ibama a competência de deliberar nos casos de degradação ambiental provocada por organismos geneticamente modificados (OGMs) e que esta não seja tarefa apenas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Soja - Sobre a questão da liberação da soja transgênica, Marina argumenta que o governo debateu "em tempo hábil" a proposta, que está há quase um ano tramitando no Congresso. Segundo ela, o que falta agora é um esforço para a aprovação do projeto, tendo em vista o iminente plantio da soja no País, que já começou no Rio Grande do Sul, onde mais de 90% das sementes são transgênicas.
A ministra diz que a escolha por uma medida provisória é "um julgamento" cabível ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para ela, está mais do que provado que este recurso não é eficaz. "Duas MPs já foram feitas e a reivindicação de uma terceira é uma prova concreta de que não funciona."

Requião protesta contra liberação do plantio
Governador do Paraná diz que está interessado em garantir a qualidade do produto nacional
Evandro Fadel
CURITIBA - O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), voltou a criticar a possibilidade de liberação do plantio de soja transgênica no País. O embarque pelo Porto de Paranaguá continua proibido no Estado.
Requião pretende que essa seja uma determinação do governo federal. "Estou tentando garantir a qualidade do produto brasileiro", afirmou.
Segundo ele, 99,7% da soja que chega a Paranaguá é convencional. "Não tenho como misturar e dar ao conjunto da soja exportada a condição de transgênica, pagando royalties, quando ela não é", acentuou.
Mais uma vez Requião usou a adaptação que tem feito da frase atribuída a Santo Inácio - "faça tudo como se tudo dependesse de você e espere tudo como se tudo dependesse de Deus" - para mostrar seu posicionamento. "Faço tudo como se tudo dependesse de mim e do governo do Paraná e espero tudo como se tudo dependesse do Congresso, do presidente da República e do Judiciário", disse. Segundo ele, o presidente teria prometido considerar o Paraná área livre de transgênico. "Não aconteceu porque o Roberto Rodrigues pressiona", acusou.
O plantio da safra de soja transgênica deste ano no Rio Grande do Sul vai depender de sementes multiplicadas de variedades contrabandeadas da Argentina na segunda metade dos anos 90 e armazenadas pelos produtores rurais ou comercializadas no mercado paralelo. As empresas que produzem sementes certificadas só podem atender à demanda em 2005, e desde que autorizadas ao cultivo nos próximos dias, avisa o presidente da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do RS (Apassul) e presidente em exercício da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (Abrasem), Narciso Barison.

Heloísa Helena: 'Há muita mentira sobre os transgênicos'
BRASÍLIA - Voto contrário à Lei de Biossegurança, a senadora Heloisa Helena (PSol-AL) endossa a posição de que não há pesquisas confiáveis sobre tecnologias como células-tronco e transgênicos.
Estado - Por que a senhora é contrária à aprovação dessas pesquisas?
Heloisa Helena - Eu me nego a discutir as células-tronco fora do projeto de reprodução assistida. Até porque todos os que queriam a reprodução dos transgênicos se aproveitaram da dor das mães que têm crianças com deficiência para passar a liberá-los. Sobre os transgênicos, existe muita mentira, supostamente baseadas em argumentos científicos. Mas não houve a necessária confrontação entre os argumentos científicos, ambientais, de saúde, de mercado, de economia e produção.
Estado - Os que defendem os transgênicos afirmam que seus opositores terminam por defender os agrotóxicos.
Heloisa - A diminuição do uso ocorre apenas nos dois primeiros anos. Houve aumento da utilização no Rio Grande do Sul, onde predominantemente se usa a soja transgênica, e diminuição de 47% no uso no Paraná, onde essa soja está proibida.
Estado - Se as células-tronco fossem discutidas em outro momento, a senhora apoiaria?
Heloisa - Só discuto no debate da reprodução assistida. É preciso ter em conta que isso mexe com o conceito de vida. Não podemos iludir milhares de mães, como se as células-tronco significassem novos alentos para cura de doenças. Isso não é verdade. Existe muita produção científica dizendo exatamente o contrário.
Estado - As células-tronco envolvem questões religiosas?
Heloisa - Envolve questões éticas, filosóficas, científicas e religiosas. É um debate de alta complexidade. O que é inaceitável é que muitas pessoas se esconderam atrás disso para liberar os transgênicos. (Rosa Costa)

Jonas Pinheiro: 'Vamos tratar milhões de doentes'
BRASÍLIA - Com um histórico familiar que o deixou como exemplo dos possíveis benefícios da Lei de Biossegurança - quatro de seus irmãos morreram por causa de uma doença degenerativa -, o senador Jonas Pinheiro (PFL-MT) acredita que pesquisas com células-tronco e o uso de produtos transgênicos são um avanço.
Estado - Que motivos levam o sr. a apoiar pesquisas com células tronco e os transgênicos?
Jonas Pinheiro - Ambos são uma avanço na biossegurança. Através das células-tronco, vamos tratar milhões de doentes que hoje não tem esperança de viver. Já os transgênicos, ocupam hoje 70 milhões de hectares no mundo e são usados há anos. Não há sequer um caso indicando que façam mal a humanos, animais e ao meio ambiente.
Estado - A que o sr. atribui a oposição de religiosos e de ambientalistas?
Pinheiro - A Igreja não é contra a célula-tronco, é contra o uso de embriões, mas já está explicado no projeto que a autorização para pesquisas se refere a células embrionárias congeladas há mais de três anos, sem condições de gerar um ser. Não vamos usar indiscriminadamente embriões e eles não serão comercializados.
Estado - O senhor acredita que por trás dessa reação contrária podem estar fabricantes de herbicidas?
Pinheiro - A maneira que temos de fazer o Brasil ficar competitivo no comércio internacional é com os transgênicos, porque usam menos herbicida e menos inseticida. Se existe ou não o lobby dos fabricantes, não posso afirmar. Mas os transgênicos vão diminuir o custo desses produtos.
Estado - Como o senhor analisa o comportamento do governo no encaminhamento da Lei de Biossegurança? O texto ficou oito meses engavetado no Senado.
Pinheiro - O governo foi muito paciente. Já encaminhou duas MPs para tratar da soja, depois mandou o projeto. Enquanto a Câmara não vota, ao governo não resta outra saída senão editar MP autorizando o plantio da soja, que começa neste mês. (R.C.)

OESP, 08/10/2004, p. A14

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