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Projeto sobre o Velho Chico vai a Justica

OESP, Nacional, p.A8
30 de Nov de 2004

Projeto sobre o Velho Chico vai à Justiça
Em meio a ações contra transposição, Conselho de Recursos Hídricos decide sobre mudança sugerida pela Agência Nacional de Águas
Ribamar Oliveira
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), José Carlos Carvalho, solicitou à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que deixe para o Senado a decisão sobre a transposição das águas do Velho Chico. "É a federação que está em jogo nesta questão", disse. Hoje, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), do qual Marina é presidente, vai decidir se acolhe ou não a proposta do Ministério da Integração Nacional de permitir a transposição das águas.
Ontem à tarde, o Ministério Público Federal analisava o ingresso de uma ação na Justiça para impedir uma decisão do CNRH sobre o projeto de transposição antes que seja dada uma solução para o conflito de uso de águas na Bacia do São Francisco e antes que a decisão do CBHSF seja devidamente analisada pela área técnica do órgão. O CBHSF decidiu que a água do São Franciso só pode ser utilizada fora da bacia para consumo humano e animal. Uma ação contra a reunião do CNRH foi ajuizada na 3.ª Vara da Justiça Federal, em Sergipe, na semana passada, pela OAB, o Ministério Público e a CUT daquele Estado.
Os integrantes do CBHSF reuniram-se ontem em Brasília para mobilizar a opinião pública contra uma decisão favorável do CNRH ao projeto de transposição. "Amanhã (hoje) será um dia histórico, que poderá dar um exemplo negativo ao País", disse o secretário-executivo do CBHSF, Luiz Carlos Fontes. Durante a entrevista coletiva que eles concederam, foram lidas duas cartas dos bispos de Sergipe e da Bahia ao presidente Lula, em que eles manifestam oposição ao projeto de transposição e defendem a revitalização do rio. Os bispos chegam a dizer que a transposição "vai trazer infelicidade para milhões de brasileiros".
Antes de tomar uma decisão, o CNRH vai analisar uma nota técnica da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre o assunto. Na nota, os especialistas da ANA concluem que há disponibilidade hídrica para o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. A vazão média diária do projeto, segundo a ANA, é de 26,4 metros cúbicos por segundo, com uma vazão média anual de 65 metros cúbicos por segundo. Isto significa que, em determinados períodos do ano, a vazão poderá chegar a 127 metros cúbicos por segundo. Este parecer da ANA é indispensável para que o Ministério da Integração consiga a Outorga Preventiva de Uso de Recursos Hídricos para o projeto.
José Carlos Carvalho disse ontem que o Comitê da Bacia do São Francisco não autorizou a transposição de 26,4 metros cúbicos por segundo. "Não se falou em número, mas apenas que ficava autorizado o uso externo à bacia de água do São Francisco para consumo humano e animal", explicou. Segundo ele, a ANA terá que encaminhar um documento ao Comitê certificando que a demanda de água nas bacias do Nordeste Setentrional para o consumo humano e animal, até 2025, será de 26,4 metros cúbicos por segundo. "Eles vão ter que provar isso", afirmou. Carvalho acha que a ANA teria também que fazer um estudo sobre a disponibilidade de água nas bacias do Nordeste Setentrional. O professor do Instituto Tecnológico de Pernambuco, Marcelo Cauas Asfora, disse que a vazão de 26,4 metros cúbicos por segundo, que está sendo autorizada pela ANA, representa 100% da vazão do São Francisco ainda disponível para uso. Todo o resto já foi outorgado.

No debate, nem uma gota de consenso
Governo e opositores da obra trocam acusações
Eduardo Nunomura
"O governo Lula se elegeu sem projeto e, na falta de um, assumiu esse", acusa o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte João Abner Guimarães, um dos porta-vozes do movimento contrário à transposição do Rio São Francisco. "Como você vai manter as populações do semi-árido só com copinho de água para beber? Tem de ter para beber, se lavar, plantar e produzir", retruca Pedro Brito, coordenador-geral do projeto pelo Ministério da Integração Nacional. As discussões sobre a integração de bacias do semi-árido continuam sem nenhum sinal de que um consenso seja possível.
Se o projeto de integração do Rio São Francisco for discutido e aprovado hoje no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, os opositores prometem bloquear sua execução na Justiça. Consideram que o governo está desrespeitando a vontade da sociedade, defendida pelo comitê da bacia, e que até agora não houve discussão da obra dos pontos de vista técnico e ambiental. "A estratégia agora é fazer passar o projeto como um rolo compressor, com uma política do toma-lá, dá-cá", afirma Guimarães. "O projeto é inconseqüente porque gera um conflito que divide os Estados."
A maioria dos Estados banhados pelo Velho Chico é contra a obra. Os que serão beneficiados estão a favor. O governo afirma que tem pressa na aprovação do projeto porque precisa de tempo para planejá-lo e executá-lo, mas garante que não está fugindo do debate. "Ele é resultado de uma discussão já amadurecida, com a inclusão de mudanças que atendem a reivindicações da sociedade", diz Brito. "Mas numa negociação não dá para uma parte ceder tudo e a outra nada."
Os dois lados afirmam que há um uso impreciso dos números relativos ao projeto. Um deles, crucial, é sobre o uso atual do rio. O governo afirma que é de 91 m3/s, enquanto os opositores se prendem nos 335 m3/s, informados pela Agência Nacional de Águas (ANA). Para um projeto que prevê a retirada entre 26 m3/s e 127 m3/s, a diferença é extremamente relevante.

OESP, 30/11/2004, p. A8

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