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Projeto eleva peso do Estado na mineração

FSP, Dinheiro, p. B1
26 de Out de 2009

Projeto eleva peso do Estado na mineração
Proposta para mudança de marco legal do setor dá mais poder ao governo para rever e limitar direitos de exploração
Como no caso do pré-sal, marco legal e taxação são separados em projetos diferentes, que devem ir ao Congresso só em 2010

Humberto Medina
Da sucursal de Brasília
Eliane Cantanhêde
Colunista da Folha

O governo decidiu "fatiar" o novo marco legal do setor de mineração. Serão enviados dois projetos de lei ao Congresso: um com as mudanças institucionais e as novas regras para concessão de áreas e outro abordando a modificação nos royalties pagos pelas empresas e possivelmente alterando a tributação dessa atividade.
A Folha teve acesso ao documento que o governo deve apresentar aos empresários do setor a partir de amanhã. Segundo o texto, a intenção é ampliar a presença e o poder de decisão do Estado no setor. É provável que o envio ao Congresso dos projetos fique para 2010.
Um dos principais objetivos do governo com a mudança do marco legal do setor é fortalecer a presença do Estado (com a criação de uma agência reguladora e do Conselho Nacional de Política Mineral) e acabar com o que é chamado de "mineração de papel": empresas obtêm autorização para pesquisa e ficam até dez anos com a área bloqueada, sem desenvolver produção.
Segundo o detalhamento da proposta do governo, o prazo da autorização de pesquisa será anual, prevendo até cinco renovações, com obrigatoriedade de investimento anual progressivo a partir do primeiro ano. A empresa deverá apresentar relatório ao governo após o prazo e terá um ano para requerer lavra -ou seja, autorização para produzir- após o período de pesquisa.
Os contratos de concessão de lavra terão, obrigatoriamente, cláusulas definindo o programa de trabalho, exigência de conteúdo local mínimo e prazo limitado a 35 anos, com possibilidade de renovação.
Haverá exigência de leilão nas áreas consideradas "de relevante interesse nacional", nas quais os governo avalie que há indícios de minérios estratégicos. Nesse caso, o objetivo é que a produção comece mais rápido. O comércio de títulos de mineração será restringido. A transferência terá que ser aprovada previamente pela agência reguladora e poderá ser analisada pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Os títulos prescreverão em dez anos.
Quando o novo marco legal entrar em vigor, todos os concessionários atuais deverão comprovar efetiva atividade, sob pena de cancelamento do título. Os atuais concessionários deverão, também, apresentar reavaliação de suas reservas e novo Plano de Aproveitamento Econômico Sustentável em até dois anos.

Estratégia do pré-sal
A estratégia é a mesma usada na regulamentação do pré-sal, quando o governo também optou por separar o marco legal propriamente dito (modelo de partilha, nova estatal e fundo social) da discussão sobre os royalties. O objetivo é facilitar a tramitação, evitando resistências fortes no Congresso.
O governo avalia que é mais fácil obter um nível elevado de consenso em relação às novas regras para mineração do que aumentar o valor dos royalties, medida que enfrenta forte oposição das empresas mineradoras, que armaram um lobby intenso na Câmara e no Senado.
A discussão sobre os royalties foi ampliada no governo e deixou de ser tratada exclusivamente no Ministério de Minas e Energia. Agora, o tema está sendo analisado também nos ministérios da área econômica.
Não está mais em discussão só a Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral, o royalty propriamente dito), mas toda a carga tributária e outros custos que afetam a competitividade, como o frete.
A nova avaliação do governo acata, em parte, argumentação da indústria. A tese é a seguinte: embora a Cfem possa ser baixa, se comparada com alíquotas desse tipo de imposto em outros países, a carga tributária é alta de um modo geral.
Dessa forma, ao mexer na Cfem, o governo precisa estudar melhor o que fazer com outros impostos, para não perder espaço no mercado global.
Para o governo, um dos principais objetivos em relação à tributação no setor é incentivar a transformação do minério em produtos industriais de valor agregado. Hoje, a tributação incentiva a exportação de minério bruto.
"Queremos que a Cfem se torne uma política tributária", afirmou o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, Cláudio Scliar.

Setor pede incentivos e teme perda de competitividade global

Da sucursal de Brasília

A indústria da mineração avalia que qualquer mudança na tributação precisa ser analisada pensando no custo Brasil e na competitividade do mercado internacional. O saldo da balança comercial do setor foi de US$ 13 bilhões no ano passado, 52% do superavit total do país.
"Temos que discutir outros encargos e equalizar a carga tributária", avaliou Paulo Camillo Vargas Penna, diretor-presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração). "O Brasil vende minério principalmente para a China, que também é abastecida pela Austrália. O frete brasileiro fica em torno de US$ 25 por tonelada; o da Austrália, em US$ 11", afirmou.
Em relação ao marco legal, Penna vê pontos de consenso. "Existem propostas meritórias, como a criação da agência reguladora, do conselho e do papel do ministério." Mas, segundo ele, é preciso cuidado para não haver superposição de tarefas e para que fique bem claro quem definirá a política do setor.
Em relação ao Conselho Nacional de Política Mineral, o Ibram avalia que não poderá ser composto só por ministros, mas também pelo setor privado. Para ele, o governo poderia usar outros instrumentos para impedir que os donos de autorizações de pesquisa fiquem "sentados em cima" das áreas. Uma alternativa ao limite de tempo seria onerar, progressivamente, os donos de autorização a cada ano sem operação.
Outra sugestão é que o governo também crie incentivos, como o uso da concessão como garantia real em empréstimos.
Sobre os leilões, Penna pede cuidado na medida, porque os riscos na atividade são grandes. "As chances de se encontrar minério são de 1 em 100 mil. Depois, de o minério ser economicamente viável, 1 em 100."

FSP, 26/10/2009, Dinheiro, p. B1

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