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Projeto do Sao Francisco divide os nordestinos

O Globo, O Pais, p.3
07 de Fev de 2005

Projeto do São Francisco divide os nordestinos
Estados não se entendem sobre maior projeto do governo Lula, orçado em R$ 4,5 bi
Chico Otavio
A luta pela água ameaça dividir a população de oito estados brasileiros. Seus representantes não se entendem desde que o governo federal anunciou como prioridade o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. De um lado, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas combatem a obra. Do outro, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Pernambuco lutam para que um dos mais antigos projetos do país, pensado desde os tempos do Imperador Pedro II, finalmente saia do papel.
Anunciada como prioridade do governo Lula, a transposição vai levar água para os pontos mais inóspitos do semi-árido nordestino. As obras, estimadas em R$ 4,5 bilhões, não mudarão o leito do rio, como chegou-se a pensar. O projeto prevê a integração da Bacia do São Francisco às bacias do Nordeste Setentrional com a construção de dois canais - um a leste, que levará água para Pernambuco e Paraíba; outro na direção norte, para o Ceará e o Rio Grande do Norte.
A divisão entre os estados ficou clara quando o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) programou oito audiências públicas antes de licenciar o projeto. Só conseguiu cumprir a agenda nos quatro estados que serão beneficiados pela obras. Em Salvador, Belo Horizonte, Aracaju e Maceió, o encontro foi boicotado por ONGs, índios e até membros do Ministério Público.
O coordenador-geral do projeto, Pedro Brito, afirma que a obra vai sair mesmo sem todas as audiências públicas. Ele explica que, por lei, o Ibama só teria a obrigação de fazer uma audiência, mas resolveu percorrer os oito estados diretamente envolvidos para democratizar o debate.
- O boicote foi uma atitude antidemocrática e inconcebível. Quem perde é a sociedade, porque, do ponto de vista do projeto, isso não atrapalha - garante.

Obras devem começar até abril
A certeza do governo de iniciar a obra este ano é tanta que foram reservados R$ 635 milhões do Orçamento para as primeiras licitações. O Ibama deve conceder a licença prévia até março, abrindo caminho para o lançamento de editais para 14 lotes nos canais.
- O processo de discussão está encerrado. As obras vão começar até o fim de abril - disse.
Os opositores prometem novas investidas. O engenheiro João Abner Guimarães, ex-diretor da agência de águas do Rio Grande do Norte, diz que a obra é desnecessária, pois o Nordeste Setentrional tem disponibilidade de água, bastando investimentos em adutoras para fazê-la chegar aos locais mais necessitados.
- Nosso movimento radicalizou porque o governo já anuncia que fará a licitação. Com isso, quer atrair as empreiteiras para o processo. Quer jogá-las contra o movimento popular - diz.
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é a quantidade de água que será transferida. O governo pretende desviar 26 metros cúbicos por segundo (1,4% da vazão do São Francisco) para abastecer açudes e perenizar rios em áreas habitadas por cerca de 14 milhões de pessoas. Para os críticos do projeto, essa quantidade representa a última reserva de água do Velho Chico, o que inviabilizaria para sempre qualquer outro projeto relacionado à captação de água do rio.
- Até agora, não vi contra a obra um único argumento técnico sustentável. Todos são de natureza política ou tentativas de reservar a água do São Francisco para projetos futuros. Nessa disputa, fica claro quem é governo e quem é oposição - diz Brito.
Ele diz que todas as liminares concedidas contra a obra já foram derrubadas. Se o cronograma for cumprido, as obras serão entregues até junho de 2007.

O Globo, 07/02/2005, p. 3

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