VOLTAR

Projeto de país

O Globo, Economia Verde, p. 25
Autor: VIEIRA, Agostinho
10 de Abr de 2014

Projeto de país

Agostinho Vieira

É incrível a quantidade de gente que continua achando que esse negócio de sustentabilidade, meio ambiente ou qualquer expressão com sobrenome verde é coisa de ecochato. Essa gente natureba que se preocupa em salvar os bichinhos e as plantinhas. Os primeiros meses do ano se encarregaram de apresentar uma definição diferente: se algo precisa ser salvo, ou mudado, é o homem, e o seu estilo de vida.
Para ficar apenas nos exemplos domésticos, tivemos secas severas no Nordeste, enchentes no Acre, sensação térmica de 51"C no Rio, crise energética, conflito entre estados por conta de água, montanhas de lixo nas ruas e engarrafamentos históricos. Tudo isso num país abençoado por Deus e bonito por natureza. Imagine as nações que não têm padrinhos tão fortes? É claro que os bichos e as plantas também foram afetados, sempre são. Mas estamos falando do insustentável bicho homem.
E ele, mais uma vez, será o ator principal do novo estudo que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) apresentará no próximo domingo, em Berlim. Pesquisadores e representantes de governo de todo o mundo se dividiram em três grupos de trabalho, cujo resultado será mostrado na conferência do clima, a COP 20, em dezembro, no Peru. Eles levam em conta as pesquisas feitas por mais de 2.500 cientistas.
O primeiro grupo concluiu o seu relatório em janeiro: "Mudanças Climáticas 2013: As bases físicas científicas". Nele, pela enésima vez, se confirmou que o planeta está aquecendo e que há 95% de certeza de que o ser humano é o principal responsável. O segundo foi conhecido semana passada: "Impactos da Mudança Climática, Adaptação e Vulnerabilidade". Uma das frases diz que "aumenta a probabilidade de impactos severos, generalizados e irreversíveis". Não é um filme de ficção, é real.
O terceiro vai tratar de mitigação. Tentará sugerir caminhos para que os problemas não sejam tão graves quanto se desenham hoje. É preciso agir agora antes que seja tarde. As projeções indicam um aquecimento entre 2"C e 4"C, até 2100. Para que ele fique no limite inferior da estimativa, seria preciso zerar as emissões de CO2 até 2040. Cenário desejável, mas improvável. Se isso não acontecer, caminharemos para os 4"C ou mais. Neste caso, não há muito que fazer em termos de adaptação para reduzir os riscos.
Perguntei a dois cientistas brasileiros quais seriam as grandes ações que o Brasil deveria adotar para enfrentar essa realidade. Suzana Kahn e Roberto Schaeffer, ambos da Coppe, estão em Berlim, participando da elaboração do relatório do IPCC. Na verdade, a pergunta foi: "considerando o aquecimento global, que temas os nossos candidatos à presidência não podem deixar de discutir em outubro?".
As respostas foram parecidas e tratam de cinco pontos básicos. A começar pela necessidade de novos investimentos em energia renovável. Temos uma das matrizes mais limpas do mundo, mas podemos fazer mais. Principalmente em energia solar e biomassa. O potencial é enorme e o aproveitamento é baixíssimo. Mesmo quando apostamos nas térmicas, por uma questão de segurança energética, podemos fazer isso de forma mais sustentável.
O segundo tema óbvio é a eficiência energética nas indústrias, nos transportes, na área de serviços e nas residências. Aliviaria a pressão sobre os setores de petróleo e elétrico, ajudaria a reduzir a inflação e a necessidade de investimentos. Além dos benefícios ambientais, é claro. Suzana e Roberto citam ainda a importância de uma infraestrutura menos intensiva em carbono e uma mudança no padrão de consumo, onde a compra de carros deixaria de ser incentivada.
Mas o ponto principal é a necessidade de ações integradas e coordenadas nos diversos níveis de governo. Não pode mais ser uma preocupação do ministério X e Y ou da secretaria Z e W. Não se trata apenas de uma questão ambiental, mas de um novo modelo de desenvolvimento, uma política pública transparente. Tão ou mais importante que as sempre adiadas reformas tributária e política.
Sem uma mudança clara no padrão de consumo e na forma como a economia cresce, não será possível reduzir as emissões. Infelizmente, a campanha já começou e estes temas estão longe da pauta. Por enquanto, continuamos com a nossa infantil disputa entre Tom e Jerry, mocinhos e bandidos, petistas e não petistas. Não há notícias de programas de governo, nada que faça o país dar um salto de qualidade. Ao final deste Fla x Flu todos sairão perdendo.

2040
De acordo com o IPCC, esta é a data limite para que a humanidade zere as suas emissões de carbono e garanta um aquecimento global de, no máximo, 2"C. Se isso não acontecer, caminharemos para os 4"C e as consequências serão muito piores

O Globo, 10/04/2014, Economia Verde, p. 25

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.