VOLTAR

Projeto de Dorothy está abandonado

OESP, Nacional, p. A8
26 de Mai de 2008

Projeto de Dorothy está abandonado
Após 3 anos da morte da freira, falta apoio para manter assentamentos

José Maria Tomazela

Três anos depois da morte da missionária americana Dorothy Stang, seu plano de transformar uma área de quase 200 mil hectares em Anapu, no oeste do Pará, em um modelo de exploração sustentável da floresta por agricultores familiares está praticamente parado. Mais da metade do território que deveria virar assentamento continua invadido por fazendeiros e madeireiros. Apenas 317 famílias foram assentadas nos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que a irmã defendia - o plano era atender pelo menos mil famílias. Muitas abandonaram os lotes por falta de condições mínimas de sobrevivência.

Ouça relato do repórter sobre a região

Nenhuma casa foi construída, não há energia, água potável nem atendimento médico. As escolas são distantes. A maioria dos assentados continua como ocupante precário, pois a imissão de posse, que devolve as terras ao governo e possibilita o assentamento, não saiu. Como não há estrada para escoar a produção, as famílias que pegaram financiamento ficaram inadimplentes. Por falta de matéria-prima, uma unidade de processamento de frutas construída pela freira com recursos do governo fechou as portas há um ano.

O padre José Amaro Lopes de Souza, de 41 anos, que assumiu o projeto, critica a "inércia" do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "O projeto não era da irmã, era do povo e devia ser colocado em prática pelo Incra, mas quase nada aconteceu." Ele diz que a luta da religiosa não era apenas para retirar os invasores e repartir a terra. "Era para assentar o trabalhador e dar condições para ele permanecer."

Desde a morte da irmã, houve a imissão de apenas 3 dos 15 lotes restantes. Um deles, o 130, recebeu a imissão na semana passada, mas os invasores não foram notificados. O oficial da Justiça Federal Cássio Bittar, mesmo com veículo traçado, teve dificuldade para ir até o local, pela precariedade de acesso. Não encontrou ninguém para notificar. O assistente técnico do Incra Sebastião Farias disse que será feita uma vistoria: "Se tiver invasor, será retirado."

Assim que a equipe saiu, apareceram dois vaqueiros a cavalo. Eles disseram que cuidam do gado de um fazendeiro. Padre Amaro Lopes diz que o Incra não tem força para retirar os invasores. "O projeto deveria crescer, mas os PDS estão cercados e os fazendeiros não saem."

VENDA DE LOTES

Os assentados vivem sob o assédio dos que oferecem dinheiro para que deixem a terra ou se oponham ao modelo de exploração sustentável. José Carlos Fernandes, de 34 anos, comprou um lote há 11 meses. "Dei uma geladeira e uma TV pelo benefício (benfeitoria)." A compra é ilegal, mas ele disse que já entrou com pedido de regularização no Incra. Há suspeita de que tenha sido cooptado por um fazendeiro. Os assentados sofrem pressões e ameaças. Capangas circulam exibindo armas.

"As pessoas que fazem parte da comunidade sentem medo", disse a assentada Ieda Souza, secretária da Associação de Moradores do Virola-Jatobá, que reúne 46 famílias. "Meus irmãos de Santarém querem que a gente vá para lá, mas a luta é aqui."

No anexo da Escola Alyria Prates, criada por Dorothy no PDS Virola-Jatobá, a professora Elvenilza Anunciação, de 24 anos, dá aula para 3 dos 9 alunos - os outros faltaram porque a chuva formou grandes atoleiros. Assentada, ela caminha 4 quilômetros pela mata. Suja de lama, é obrigada a se banhar num igarapé. A professora e o marido querem se mudar para a cidade. Depois que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser mandante da morte da freira, foi absolvido, a insegurança aumentou.

Para quem fica, a esperança é a lavoura de cacau introduzida por Dorothy. O assentado José Pantojo, de 33 anos, calcula que um terço das 281 mil plantas comece a produzir este ano. "Fiz por minha conta, porque o lote está na Justiça." É uma das áreas que tiveram a imissão de posse contestada por Bida.

Atuação do Incra é lenta, admite novo dirigente do órgão

José Maria Tomazela

O superintendente regional do Incra, Luciano Brunet, que assumiu em janeiro, reconhece que a situação em Anapu é ingrata. "O Incra chega muito devagar nesses lugares." Ele diz que até 2003 ou 2004 o escritório regional do órgão funcionava como "uma grande agência imobiliária", concedendo licenças de exploração e contratos de cessão de terras públicas "a torto e a direito".

Com a Operação Faroeste, da Polícia Federal, vários servidores foram afastados. Brunet recebeu a incumbência de pôr a casa em ordem. "Para desfazer tudo não é fácil." Quem está nas áreas invoca direitos na Justiça. "Pelo menos na primeira instância, a tendência é dar ganho de causa a posseiros."

Ele atribui a deterioração das vicinais ao trânsito de carretas com madeira ilegal e cita vários outros problemas graves.

OESP, 26/05/2008, Nacional, p. A8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.