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Projeto ajuda seringueiros e preserva floresta

OESP, Geral, p.A8
02 de Fev de 2004

Projeto ajuda seringueiros e preserva floresta
Com aumento do lucro com extração da borracha, eles cuidam para que a mata seja conservada
Herton Escobar
SANTARÉM - Depois de 30 anos sangrando árvores na mata para extrair o látex, Donildo Lopes dos Santos, o Dido, vai finalmente ter uma mudança na rotina. Em vez de simplesmente coletar a seiva que escorre pelo tronco e vender por preço de migalha a uma usina de processamento local, ele passará a produzir mantas de borracha já vulcanizada, praticamente prontas para a indústria. Isso sem precisar deixar a comunidade onde nasceu e trabalhou a vida toda, na Floresta Nacional do Tapajós, a quatro horas de barco de Santarém, na Amazônia paraense.
A revolução chegou com o Projeto Tecbor, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e patrocinado pela Fundação Banco do Brasil.
"Sempre gostei de trabalhar com a seringa, mas o mercado está muito ruim.
Muitas pessoas têm seringal, mas não trabalham mais porque não vêem lucro", conta Dido que, apesar das dificuldades, nunca abandonou a atividade. "Com o projeto acho que a produção vai melhorar muito."
Além da perspectiva de valores mais altos no mercado e a possibilidade de fazer artesanato para os turistas estrangeiros, os seringueiros da comunidade Jamaraquá acreditam que com a melhoria da renda será mais fácil - e lucrativo - manter a floresta em pé.
"Com certeza não vamos mais derrubar a mata", diz o seringueiro Pedro da Gama Pantoja, o Pedrinho. "Vamos cuidar muito mais da natureza." Cerca de 80 pessoas vivem na comunidade, que além da borracha, sobrevive da produção de farinha de mandioca e da agricultura de subsistência.
"Os produtores de borracha são os verdadeiros guardiões da Amazônia. Mas não adianta só manter o seringueiro amarrado ao pé da seringueira passando fome.
Tem de ter dignidade", diz o químico Floriano Pastore, idealizador do projeto. "Proteger o meio ambiente já é ótimo. Mas proteger o meio ambiente ganhando dinheiro, isso sim é o máximo", concorda o engenheiro agrônomo Eduardo Sena, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Seplac), que está ajudando na implementação do projeto.
A tecnologia é simples, apesar dos oito anos de pesquisa que foram necessários para desenvolvê-la. Depois de coletar o látex das árvores, o seringueiro usa recipientes plásticos para misturar o "leite" - como o líquido branco é chamado - com água, um agente vulcanizante e o ingrediente principal: ácido pirolenhoso, um subproduto da queima da madeira, que substitui o processo clássico de defumação.
A solução é deixada em bandejas para coagular e, algumas horas depois, o resultado é um tapete gordo de borracha encharcada. Por último, passa-se o tapete por um compressor manual, ou calandra, que retira a água e deixa apenas uma manta fina de borracha. "Não só passa-se a fazer uma borracha já beneficiada, mas um artefato quase pronto, com muito mais valor agregado", explica Pastore.
Economia - O produto final é chamado de FDL, ou folha de defumação líquida. A técnica de produção é também mais econômica e saudável do que a borracha defumada em fornalhas de fumaça, que já havida sido abandonada por causa dos problemas respiratórios que causava aos seringueiros. O que sobrava para vender, nesse caso, era o sernambi, uma bolacha suja de látex retirada direto do copinho deixado nas árvores.
O material era vendido pelos seringueiros do Jamaraquá a uma usina de Santarém, por R$ 1,30 o quilo. Tirando o custo da passagem de barco (R$ 11), alimentação e transporte da mercadoria (R$ 2 por saco), a produção mensal de 100 quilos rendia cerca de R$ 90 a Pedrinho e sua família. "O seringueiro produz riqueza para o País e não recebe nada em troca", reclama. "Nosso povo está esquecido, porque nosso produto não tem competitividade."
Em uma comunidade do alto Rio Juruá, no Acre, onde o projeto está em andamento, os seringueiros agora vendem a borracha Tecbor para uma empresa de peças automotivas do Rio Grande do Sul, por R$ 4,50 o quilo. A produção é de 1 a 2 toneladas por mês. Além disso, o projeto já foi introduzido em outras três comunidades no Amazonas, Pará e Roraima, beneficiando 210 famílias. Com o patrocínio da Fundação Banco do Brasil, no valor de R$ 451 mil, a idéia é atender outras 210 famílias. A próxima parada será em Assis Brasil, no Acre.

Professor vê região como laboratório
Floriano Pastore é um daqueles profissionais que poderiam ganhar altos salários na indústria, mas prefere direcionar seu trabalho para uma causa mais social. Químico, formado na Inglaterra, desde 1995 ele se dedica a desenvolver uma maneira mais eficiente e lucrativa de produzir borracha na Amazônia. Assim surgiu o Projeto Tecbor. "Ninguém havia conseguido desenvolver um produto em lâminas a partir do produtor. Isso me escandalizava", conta. "A universidade faz muita produção, mas pouca aplicação de conhecimento para melhorar a vida das pessoas. Especialmente na Amazônia. Alguém precisa fazer isso."
O objetivo maior, diz o bem-humorado professor da Universidade de Brasília, é preservar a região, produzindo riqueza para os povos da floresta. E, para isso, nada melhor do que a borracha. "Nas veias da história da Amazônia corre látex, com certeza. A história da floresta está entrelaçada com a dos seringueiros."
Ele chegou pela primeira vez à Amazônia como empresário, em 1987, para reabilitar uma usina de látex em Belterra, próximo de Santarém.
Tinha 25 funcionários e produzia 80 mil pares de luvas cirúrgicas por mês, mas abandonou o negócio e voltou a Brasília por problemas pessoais, após quatro anos. "Era um sacrifício grande, estando longe da família."
Hoje, com 54 anos, ele vê a Amazônia como um laboratório, cheio de riquezas biológicas e culturais. O trabalho com as comunidades tradicionais, diz, é tão gratificante quanto qualquer salário. "Saio engrandecido. A intensidade da relação com as pessoas é generosa."
Só por segurança, caso os seringueiros não encontrem comprador para a borracha Tecbor, ele mantém uma empresa em Brasília e se compromete a adquirir a produção e produzir mousepads. "Precisamos tomar conta da Amazônia. Se não fizermos isso, tá cheio de países por aí dispostos a nos dizer o que fazer com ela." (H.E.)
OESP, 02/02/2004, p. A8

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