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Proibida, pesca predatoria persiste no CE

FSP, Cotidiano, p.C3
02 de Fev de 2004

AMBIENTEIbama vetou o arrasto desde junho, mas pescadores alegam não ter recursos para mudar a forma de coleta de camarãoProibida, pesca predatória persiste no CE
KAMILA FERNANDESDA AGÊNCIA FOLHA, NA PRAIA DE QUIXABA (CE) Por uma portaria do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), pescadores de todo o litoral do Ceará, do Piauí, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco estão proibidos, desde junho do ano passado, de fazer a pesca de arrasto de camarão em barcos a motor, próximo à costa.Mas, apesar da proibição, no Ceará, sem fiscalização ou qualquer projeto que redirecionasse a atividade pesqueira, essa prática, considerada predatória para o ecossistema marinho, continua.Para tentar convencer os pescadores a procurar outras espécies no mar, o Ibama do Ceará esticou o prazo para o início da proibição e, somente a partir do dia 1o de janeiro, a pesca de arrasto deveria ter sido extinta no Estado. Os pescadores, porém, não receberam orientação nem recursos para mudar e não sabem como podem sobreviver sem o camarão.A pesca de arrasto próxima à costa é considerada predatória porque a rede carrega tudo o que está na água, revirando o habitat de diversas espécies.Chamadas pelos ambientalistas de "carros blindados do fundo do mar", as redes de arrasto possuem chumbo, para ter peso suficiente para arrastar a pesca; duas portas de madeira ficam presas nas laterais da rede, para impedir que os animais presos se soltem.Uma vez lançada ao mar, a rede é arrastada de duas a quatro horas até ser recolhida, com o barco a motor sempre em movimento.Peixes pequenos presos na rede morrem ainda no fundo do mar, esmagados por outros que também são capturados pela pesca. Apenas os camarões e alguns poucos peixes são aproveitados.O restante da chamada "fauna acompanhante", como ostras, estrelas-do-mar, filhotes de caranguejo e de peixes e restos de vegetação marinha, são jogados de volta ao mar, como entulho. Em 12 horas no mar, o arrasto é feito até cinco vezes pelo pescador.A proibição dessa modalidade de pesca próxima à costa já existia em quase todo o litoral brasileiro, mas só com a portaria no 35 do Ibama passou a ser proibida no litoral do CE, do PI, do RN e de PE.O arrasto em barco a motor ainda é permitido em alto-mar, a distâncias que variam de acordo com as características de cada local.No Ceará, a distância mínima para a pesca de arrasto com barco a motor é de três milhas náuticas, o equivalente a 5,5 quilômetros, mas, na praia de Quixaba (a 170 km de Fortaleza), os barcos fazem o arrasto a menos de uma milha, livres de qualquer fiscalização, como presenciou a Agência Folha, na manhã do dia 13 de janeiro.Nas seis horas em que percorreu o mar, primeiro numa jangada a vela, depois num barco a motor que pescava camarão, a reportagem contou 20 barcos que faziam o arrasto na região. "Os fiscais somos nós mesmos", disse o pescador José Carlos da Silva, 36.Utilizando barcos sucateados e sem equipamento de segurança, os pescadores reclamam que não podem ir longe porque o gasto com o combustível seria alto e porque o barco não agüentaria.O estrago é agravado porque, na localidade vizinha, na praia de Ponta Grossa, ainda existe um dos últimos refúgios do peixe-boi, espécie ameaçada de extinção.
Pescador paga para utilizar barco precário
DA AGÊNCIA FOLHA, NA PRAIA DE QUIXABA (CE) Em barcos precários que não dispõem de nenhum equipamento de segurança, os pescadores da praia de Quixaba, em Aracati (CE), chegam ao mar de madrugada à procura de camarão.Vanildo da Silva, 30, aprendeu o ofício com o pai e desde os nove anos vai para o mar pescar. Mas ele não tem um barco próprio.Assim como outros pescadores, como pagamento pelo uso de seu instrumento de trabalho, ele é obrigado a vender todo o camarão grande pescado, mais valorizado comercialmente, para o dono do barco, a R$ 2,50. Esse mesmo quilo de camarão é revendido a R$ 16.Vanildo trabalha com Francisco Pereira da Silva, 32. No dia 13 de janeiro, eles pescaram 10 kg de camarão grande, o que rendeu a cada um R$ 12,50, após 12 horas de trabalho. O rendimento aumenta com a venda do camarão pequeno, que não é repassado ao dono do barco. O quilo é vendido a R$ 4.Apesar de bastante precário, o barco a motor é sonho de consumo e esperança de ascensão social para os pescadores. Custa, em média, R$ 25 mil. Até uma pequena jangada a vela é desejada. Valor mínimo: R$ 1.000.Dono de dois barcos a motor, Manuel (que não falar o sobrenome), 49, reclama do alto custo da manutenção e da falta de financiamento. "Muita gente de fora acredita que o dono de barco ganha muito, porque compra o camarão a R$ 2,50 e vende a R$ 16, mas disso aí é preciso descontar os gastos com óleo diesel, consertos e compra de equipamentos. No fim, não sobra quase nada."Os pescadores se uniram em uma associação comunitária para entrar na Justiça contra a portaria. (KF)

ONG monitora peixes-boi no Estado
DA AGÊNCIA FOLHA, NA PRAIA DE QUIXABA (CE) Para ter idéia de quantos peixes-boi ainda existem no litoral do Ceará, a ONG Aquasis (Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos) começou, em agosto do ano passado, a fazer a primeira contagem da espécie já realizada no país.Até agora, estima-se em 400 o número de peixes-boi no país, segundo o Ibama, nas regiões Norte e Nordeste. Mas essa quantidade pode ser ainda menor."A cada expedição de uma semana que fazemos pela costa do Ceará, em barco e em sobrevôos, contamos três ou quatro novos peixes-boi, o que é muito pouco", disse a bióloga Cristine Pereira Negrão, que trabalha no projeto.Próximo à praia de Quixaba, na cidade de Aracati -onde ainda é feita a pesca predatória de camarão-, existe um dos últimos refúgios do mamífero no litoral cearense, na praia de Ponta Grossa."Eles vivem no mar, mas precisam de água doce para beber e, por isso, procuram olhos d'água nas praias", disse a pesquisadora. "A pesca de arrasto de camarão próxima à costa, além da matança que provoca, também arranca o alimento dos peixes-boi, que é o capim agulha, comum na região."O encerramento da pesquisa está previsto para agosto. Está sendo verificado também o comportamento dos peixes-boi.Segundo Negrão, a ameaça de extinção é agravada porque a reprodução acontece muitas vezes entre animais da mesma família, por viverem em grupos pequenos. "Esse cruzamento gera muitos indivíduos com problemas genéticos, que acabam morrendo", afirmou a bióloga. (KF)

OUTRO LADOIbama afirma fazer reuniões de orientação
DA AGÊNCIA FOLHA, NA PRAIA DE QUIXABA (CE) O gerente regional do Ibama no Ceará, Raimundo Bonfim, afirmou que a pesca de arrasto de camarão "é um crime", mas reconheceu que, apesar da proibição em vigor desde junho, nada foi feito ainda para que os pescadores utilizassem os barcos em diferentes atividades de pesca, com outros métodos de trabalho.O chefe da Divisão de Proteção Ambiental do órgão no Estado, José Ribeiro, diz que não está sendo realizado nenhum tipo de fiscalização. "Preferimos fazer reuniões com os pescadores a repreendê-los."Na opinião de Bonfim, a saída para os pescadores de camarão será a pesca de peixes, mas, para isso, é necessário dinheiro para a compra de equipamentos específicos.Segundo o chefe da Divisão de Pesca do Ibama no Ceará, Cláudio Roberto de Carvalho Ferreira, a função do órgão é apenas fiscalizar e ordenar a atividade de pesca no Estado.Ele disse que cabe à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca a função de prover recursos e capacitação aos pescadores."Distribuímos um calendário com os períodos mais apropriados para a pesca de diversas espécies. É o que podemos fazer", disse o chefe da Divisão de Pesca do Ibama.Mas o chefe do escritório da Secretaria Especial da Aqüicultura e Pesca no Estado, José Augusto Negreiros Aragão, afirmou que em nenhum momento foi procurado pelo Ibama para negociar alternativas para os pescadores que ainda sobrevivem da pesca de arrasto no Ceará. (KF)

FSP, 02/02/2004, p. C3

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