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Programa de saúde para índio sofre com falta de verba

Carta Maior-São Paulo-SP
Autor: Maria Paola de Salvo
03 de Jul de 2003

A mortalidade infantil dos índios é de 57 para cada mil nascidos vivos, o dobro da média nacional. Governo estipula meta de reduzir pela metade a mortalidade. No entanto, a verba deste ano é a mesma do ano passado. Programas para diminuir a tuberculose e expandir saneamento também estão prejudicados.

De cada mil crianças indígenas nascidas nas aldeias do país, cerca de 57 morrem antes de completar um ano, de acordo com os dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) de 2001. Reduzir essa taxa pela metade e chegar aos 28 por mil - média nacional - é apenas uma das metas do programa de Saúde Indígena da Funasa para o período de 2003 a 2006, divulgadas este mês pelo Ministério da Saúde.

O planejamento inclui ainda erradicação da desnutrição e novos programas para previnir doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo e suicídio (veja tabela abaixo). No entanto, para o orçamento de 2003 está prevista a mesma verba de 2002.

Segundo o coordenador de programas de saúde indígena da Funasa, Benedito Elias Wuaquim, não há previsão de aumento da verba para estas ações. "Com o mesmo orçamento do ano passado é quase impossível executar as novas metas", afirma.

Em 2002, foram destinados R$ 126,2 milhões para a saúde indígena. De acordo com a coordenadora de planejamento do programa, Tamy Lacerda, o orçamento de 2003 não sofreu modificação em relação ao do ano passado. "Discutiremos uma suplementação para este ano e as possibilidades de incremento para os anos seguintes", diz.

A contenção é sentida pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), órgãos articulados com o SUS e responsáveis pelas ações de saúde nas aldeias e áreas indígenas do país. Dos 34 Dseis do País, ao menos três informaram contar com os mesmos recursos de 2002 para as ações programadas pelo governo para os próximos três anos.

O maior deles é o do Mato Grosso do Sul, com sede em Campo Grande, e atende 40 mil índios. De acordo com Benjamin Bernardo, diretor da Missão Caiuá, organização parceira da Funasa responsável pelas ações de saúde na região, os R$ 6 milhões repassados serão insuficientes para atingir novas metas. "Temos um índice alto de desnutrição nas aldeias. Precisamos implementar a estrutura básica para resolver o problema. Mas se fizermos isso, vai faltar dinheiro para a construção de postos de saúde", diz. "Sem o aumento, o que poderíamos fazer em um ano faremos em dois ou três".

Apesar das altas taxas de desnutrição, acima da média de 30% nas áreas indígenas, os índios atendidos pelo distrito ainda não receberam a bolsa-alimentação de R$ 45 por família, anunciada pelo ministério da Saúde no início de junho. O governo prometeu investir R$ 20 milhões para estender o Programa Bolsa Alimentação às áreas indígenas ainda em 2003. A região do Mato Grosso do Sul, coberta pelo distrito, estaria entre as prioritárias do programa, segundo o ministério.

Dificilmente o distrito do Alto Rio Negro - o segundo maior do país - conseguirá cumprir a meta do governo e diminuir em 30% sua alta incidência de tuberculose, que atinge 305 índios a cada 100 mil. A incidência média no Brasil, já considerada alta pela Organização Mundial de Saúde, é de 48 por 100 mil (dados de 1999 do Ministério da Saúde) e entre a população indígena é de 108,6.

"Essa redução é mais do que necessária, é prioritária, porque aqui a situação da doença é dramática", alerta a coordenadora do distrito de Alto Rio Negro, Acre, Luciana Pires de Freitas. Administrado em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, o distrito também dispõe da mesma quantia de 2002, R$ 8,2 milhões.

Embora reconheça melhorias na saúde com a implantação do sistema de Distritos Sanitários em 2000, Luciana acha difícil conseguir implantar saneamento básico em 100% das aldeias, principalmente nas do Alto Rio Negro, uma das metas do governo até 2006.

"A questão inflacionária não é levada em consideração. É uma loucura ter de trabalhar com o mesmo teto. E não há previsão de aumento", explica Genival de Oliveira dos Santos, coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), responsável pela rede de saúde na região juntamente com a Funasa.

A entidade dispõe de cerca de R$ 4 milhões para atender a 12 mil índios. Segundo os coordenadores dos distritos, o governo federal ainda não sinalizou com aumento no repasse em 2004.

Além das verbas, os representantes dos distritos clamam por maior capacitação e treinamento de profissionais. "A rotatividade é muito grande. Manter profissionais com cultura diferente dentro de uma aldeia é difícil. Isso atrapalha, porque gera quebra das ações e procedimentos", explica Ana Lúcia de Sousa, enfermeira do distrito de Manaus.

O Ministério da Saúde pretende treinar quase três mil profissionais para atuar nos 34 distritos, em ações de prevenção e tratamento de malária, desnutrição, doenças que podem ser evitadas por vacina, aids e doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo e suicídio. Para Luciana, do Alto Rio Negro, no Acre, é necessário ainda melhorar o atrativo salarial para aumentar o número de profissionais na região. O salário dos médicos é de R$5.500 e o dos enfermeiros R$4.000.

Metas do governo federal para a saúde indígena entre os anos de 2003 a 2006*

Principais doenças/carências da população indígena
Situação atual
Meta (2003-2006)

Mortalidade infantil
57,2 por mil nascidos vivos
Reduzir taxa em 50%, atingindo 28,6 por mil. A taxa brasileira é de 29,6.

Tuberculose
108,6 por 100 mil
Reduzir incidência em 30%

Saneamento básico
44% das aldeias não têm água encanada e tratamento de esgoto
Implantação de saneamento básico em todas as 3.265 aldeias

Malária
31,8 por mil
Reduzir pela metade o número de casos

Desnutrição
30% da população menor de 5 anos é desnutrida
Erradicar o problema

Cobertura vacinal
62% dos Distritos Sanitários não dispõem de cobertura
Estender a todos os outros distritos

DSTs/Aids
1466 casos registrados em 2002
Implantar programa de prevenção em todos os distritos. Reduzir incidência pela metade

Prevenção câncer de útero
15 distritos não têm controle
Estender a todos

Alcoolismo e suicídio
Nenhum distrito tem programa
Iniciar a implantação de programas de prevenção em todos os 34.

Saúde bucal
Nenhum distrito tem programa
Implantar em todos os distritos

*Fonte: Funasa (Fundação Nacional de Saúde), 2003. Benedito Elias Wuaquim, coordenador de programas em saúde indígena da Funasa

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