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Programa de aceleração dos cortes rasos

OESP, Vida, p. A20
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
09 de Abr de 2008

Programa de aceleração dos cortes rasos

Marcos Sá Corrêa

Uma coisa é ouvir dizer, de longe, que uma ONG chamada Preserve Amazônia defende a construção de ferrovias para salvar das rodovias a floresta na região. Outra, muito diferente, é ouvir, de perto, o engenheiro agrônomo Marcos Mariani falar do assunto longamente, porque o trem em si só chega na última parte da conversa. Primeiro, ele conta o que tem visto no Pará há mais ou menos uma década. É tanta história que quase se perde pelo caminho a primeira impressão, meio leviana, de que na briga entre as estradas de ferro e as de asfalto é melhor não tomar partido, por ser só mais um desvio da inaptidão nacional para deixar a Amazônia em paz.

Dez anos lá em cima não passam como aqui embaixo. Os dez anos de Amazônia foram suficientes para Mariani acompanhar o recuo da floresta à sua frente, à beira do Araguaia. A mata retrocedeu nesse tempo 200 quilômetros, empurrada pela devastação. Numa viagem recente a Casiara, no Tocantins, o barco de alumínio em que ele estava encalhou num banco de areia. E todo mundo sabe que aquele rio nunca foi assim. Onde sobraram árvores, crescem, à sombra das copas, acampamentos da reforma agrária, de olho na safra de madeira nativa que, sem grandes máquinas e investimentos, é o produto mais garantido daquelas terras.

Nos 57 mil hectares da fazenda que administra, a floresta original aguarda há anos a aprovação do Ministério do Meio Ambiente para ser registrada como reserva particular do patrimônio natural. São 13 quilômetros de matas bem conservadas numa das margens do Rio Araguaia. E se estendem por 18 quilômetros terra adentro. Mas em Brasília essas miudezas nunca têm pressa.

EXPANSÃO VIÁRIA

Ele está ali a negócio. Mas acha que o desenvolvimento da Amazônia não precisa ser exatamente esse. Na paisagem que rapidamente se degrada, aprendeu a temer os projetos para pavimentação de estradas executados a toque de caixa, até mesmo por máquinas do Exército. Acelerar as rodovias da Amazônia virou prioridade do governo federal na hora em que estudos incontroversos, como os do Imazon, provaram que as estradas são atalhos do desflorestamento. A malha viária que mais se expande no País é a do Pará. Vai sendo ampliada por grileiros, madeireiras e outros desbravadores que, com suas queimadas, classificaram o Brasil em quinto lugar na corrida internacional das emissões de carbono.

Uma dessas rodovias é a Cuiabá-Santarém, que, em nome do asfaltamento, o governo apelidou de "BR-163 Sustentável". O relatório de impacto ambiental do projeto não explica por quê. Ela conecta 71 municípios que vivem da madeira, da pecuária e da agricultura. Sua área de influência está orçada em quase 15% do Brasil inteiro. Existe precariamente desde a década de 1970. Mas a obra promete transformá-la num corredor de 1.756 quilômetros, por onde trafegarão até 1.400 veículos por dia a 100 quilômetros por hora, nos trechos planos. Dois anos atrás, a simples notícia de que a Cuiabá-Santarém virara a "BR-163 Sustentável" potencializou seus estragos - com o Incra, para variar, à frente das invasões de reservas por assentamentos.

Contra a aceleração rodoviária, Mariani quer saber por que o governo, pelo menos desta vez, não cumpre a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que manda avaliar alternativas aos projetos mais impactantes. No caso, a ferrovia, além de transportar gente e carga pela metade do preço, não abre alas para a ocupação descontrolada das estradas. Essa pergunta foi enviada à ministra Marina Silva há mais de um ano. Ela parece estar pensando muito no problema, porque ainda não respondeu.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco

OESP, 09/04/2008, Vida, p. A20

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