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Profetas do tempo

Isto E, Brasil, p.34-36
09 de Fev de 2005

Tradição
Profetas do tempo
Cientistas estudam previsões de sertanejos que se guiam pela natureza para enfrentar a seca
Aécio Santiago e José Leomar (fotos) – Quixadá (CE)
Uma prática milenar abre uma nova polêmica acerca de um dos assuntos de maior objeto de investigação do homem na sociedade moderna: o tempo. De um lado, os populares profetas da chuva”, sertanejos que aprenderam a entender e prever o tempo através dos avisos da natureza e, de outro, cientistas e suas máquinas, capazes de oferecer explicações metodológicas sobre as causas e consequências desse mesmo tempo. A controvérsia entre esses dois tipos de conhecimento está justamente no grande número de acertos na previsão vindo do lado dos profetas e nos constantes erros que partem dos meteorologistas, pelo menos aqueles responsáveis pelas previsões no Ceará.
Há nove anos, no início do mês de janeiro, o município de Quixadá (a 190 quilômetros de Fortaleza) torna-se o centro das atenções de meteorologistas, pesquisadores do Brasil e do mundo, técnicos da Fundação de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), agricultores ou simplesmente curiosos com as previsões sobre a possibilidade ou não de seca nos próximos meses no Ceará. Janeiro é quando acontece o Encontro Estadual dos Profetas da Chuva e, dependendo das previsões, o homem do campo se prepara para dias de boa colheita ou para um período de estiagem na lavoura.
Ânimos exaltados, os profetas fizeram o balanço dos seus acertos do ano passado e constataram que a ciência vem falhando. Dos cerca de 50 profetas vindos de várias regiões do Ceará, a maioria acertou suas previsões e cada vez mais a população e o próprio governo do Estado vêm apostando nesse tipo de conhecimento. A Secretaria de Agricultura no início do ano já distribuiu sementes aos agricultores, baseada no que dizem os profetas da chuva, que para 2005 acreditam num bom inverno. Até o momento, várias cidades do interior, inclusive no sertão, já sofrem com as fortes chuvas.
Toda essa preocupação com o tempo no Estado se explica, segundo o cientista Caio Lóssio Botelho, 75 anos, porque o Ceará é o único no Nordeste que apresenta clima equatorial anômalo, o que o coloca na posição de manter apenas uma estação durante o ano: o verão. A Funceme vive errando suas previsões, porque entre outras coisas compara esse nosso clima com o semi-árido da Califórnia e do Arizona (EUA), que possuem as quatro estações”, explica. Estudioso do fenômeno da seca há 40 anos, Botelho prevê uma quadra invernosa seca, à exceção de regiões como a Chapada do Araripe e o Vale do Jaguaribe.
A discussão sobre o tempo foi acompanhada poruma platéia de universitários e pesquisadores vindos da Colômbia, dos EUA, do Canadá e da Universidade de São Paulo (USP). Na semana passada, a Funceme divulgou seu prognóstico para o primeiro semestre deste ano: quantidade de chuva abaixo da média histórica, em consequência da temperatura das águas do oceano Atlântico. Segundo os técnicos, as chuvas que causaram estrago em Fortaleza e no interior em 2004 não deverão se repetir.
No encontro, o destaque ficou com o confronto entre a tradição popular e a ciência. Para o agricultor e profeta Antônio Lima do Custódio, 65 anos, tudo que se conhece vem da terra e é nela que ele se baseia para prever o tempo. É só observar as formigas e as abelhas. Quando vai ter chuva, elas já saem das casas e começam a produzir nos meses de agosto e setembro. Do final de janeiro em diante vamos ter boa chuva”, diz. Com pais profetas, Lima aprendeu desde cedo a entender os sinais da natureza, por força da necessidade de aproveitar as sementes e os poucos recursos de que dispunha para plantar. Para 2005, a maioria dos profetas crê num inverno bom, com ventos fortes.
Um dia após a visita de ISTOÉ a Quixadá, na sexta-feira 21, a imprensa já confirmava a previsão dos profetas: região do Cariri e Vale da Jaguaribe registraram a grande primeira chuva do ano com fortes ventanias e destruição de plantações de banana. Na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, o prejuízo causado com as fortes chuvas, calculado pelos agricultores e órgãos estaduais, foi de R$ 700 mil. Acompanhado de mais três profetas, Lima fez questão de mostrar o que chamou de sinais da natureza. Num sítio, Francisco Coutinho dos Santos, conhecido por Chico Leiteiro, corta um cupinzeiro para mostrar por que também acredita num bom inverno. Muitos cupins já criaram asas. Isso significa que se prepararam para sair por causa da chuva”, adverte.
Crença – As primeiras chuvas deste ano já confirmaram um acerto parcial dos profetas. Para pesquisadores, sinais da natureza como a observação da vegetação, a posição das estrelas, da lua, o comportamento e o canto dos pássaros, o vento, a cor do sol e das nuvens estão ganhando força. Entre esses sinais estão também os sonhos. Essas experiências integram o cotidiano do sertanejo, que sofre há mais de um século com a seca e a falta de uma política eficaz para a região. Quando nem existia o rádio, o povo vinha até a praça escutar as previsões dos profetas. O Chico Leiteiro era um dos mais famosos. O sertanejo só colocava a semente depois de escutá-los”, diz o historiador Manoel Lucindo Júnior, que estudou a importância dos profetas como contadores de histórias e destaca a necessidade de se resgatar e registrar essa prática.
Para 2006, quando serão comemorados os 100 anos da inauguração do Açude do Cedro, prefeitura, empresários e a população prometem uma grande festa para celebrar a tradição de profetizar e de conviver com os desafios da natureza. A idéia é ampliar o debate sobre o semi-árido e dar ainda mais credibilidade ao encontro de profetas, suas previsões e tudo que cerca o desafio de conhecer a força da natureza.

Em São Paulo, a lenda
Chico Silva
O senhor da fotografia ao lado não gosta muito de aparecer nem de dar entrevistas. Mas a distância que o separa das câmeras é inversamente proporcional à importância que tem para os seus milhares de ouvintes. Todos os dias, Narciso Vernizzi, o indefectível Homem do Tempo” da rádio Jovem Pan de São Paulo, tem a missão de dar uma das informações mais aguardadas pelos moradores da cidade: se vai ou não chover. Em caso de resposta afirmativa, além do guarda-chuva, o paulistano carrega consigo a certeza de que ficará horas preso nos congestionamentos causados pelos dilúvios que castigam a capital. Vernizzi é uma lenda das previsões. Pioneiro, tenta entender o tempo há mais de 40 anos. Fiz vários cursos sobre o assunto, quase todos em conjunto com a Força Aérea Brasileira, incluindo, também, alguns da Nasa por correspondência”, relatou no livro Jovem Pan: A voz do rádio. Notório por sua reclusão, O Homem do Tempo” trabalha e vive no Instituto Meteorológico Joven Pan, situado no município de São Roque, cerca de 70 quilômetros da capital. Munido de mapas meteorológicos do mundo inteiro, é de lá que ele, aos 86 anos, transmite as informações sobre o tempo, como as que ajudaram até o piloto Emerson Fittipaldi a vencer corridas de Fórmula 1 nos anos 70.

Isto É, 09/02/2005, p. 34-36

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