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Produção respeita o ritmo do rio

OESP, Vida, p. A29
06 de Jul de 2008

Produção respeita o ritmo do rio
Cultivo da juta e da malva é uma das principais atividades econômicas de 50 mil ribeirinhos do Baixo Amazonas

Niza Souza, MANACAPURU (AM)

Para viver às margens do Rio Solimões, no Amazonas, é preciso se adaptar ao ciclo das águas. Na época das cheias, o rio se transforma no quintal das casas flutuantes e de palafita. Na estiagem, ele se distancia, evidenciando a falta de estradas e terra firme para plantação. A vida é difícil e as opções de renda, limitadas. No entanto, é essa peculiaridade que permite o desenvolvimento de uma das principais atividades econômicas de cerca de 50 mil ribeirinhos em regiões do chamado Baixo Amazonas: o cultivo da juta e da malva.

Os períodos de alta e de baixa do rio coincidem com o ciclo de produção das plantas, espécies de fibra têxtil vegetal usadas para confecção de fios, sacos e telas. Conforme o rio baixa, os produtores vão plantando na calha do rio. Quando o rio começa a subir, eles iniciam a colheita. O ciclo da malva dura em torno de seis meses. Já a juta amadurece um pouco mais rápido, entre 100 e 120 dias. Por isso, primeiro é plantada a malva e depois a juta. "É perfeitamente viável e compatível com o ciclo do rio", explica o secretário-executivo do Instituto de Fomento à Produção de Fibras Vegetais da Amazônia (Ifibram), Arlindo de Oliveira Leão. "Essa cultura ajuda a manter os ribeirinhos na zona rural e evitar que eles migrem para as cidades, que não têm capacidade para absorver toda essa gente."

Além disso, o cultivo da fibra atende totalmente ao conceito de sustentabilidade: é ecologicamente correto, pois não agride o meio ambiente (não há desmatamento porque o cultivo é feito na calha do rio); socialmente justo, porque ajuda a manter as comunidades ribeirinhas; e economicamente viável, pois dá renda para os produtores. "A malva e a juta sustentam o povo ribeirinho aqui na região", garante o agricultor Fujio Nogushi, de Anamã (AM).

Além de produzir a fibra, ele tem um barco de carga e serve de intermediário entre os ribeirinhos e a indústria. A maioria dos produtores cultiva apenas um hectare, para não precisar contratar mão-de-obra, e não tem condições de investir na compra de um grande barco para transportar a fibra até as indústrias.

Nogushi chegou na região Amazônica em 1953, quando ainda tinha 16 anos. Hoje, aos 70, afirma que não sai de lá. "Já plantei arroz, seringueira. Daí comecei a andar, a conhecer o Amazonas, e me fixei aqui, há mais de 40 anos, na beira do rio. Isso é minha vida", diz. Ao lado da mulher, Lurdes, de 55 anos, ele ainda mantém uma pequena mercearia e uma lavoura de mamão, mandioca e cacau. "A mandioca é para fabricar a farinha", diz Lurdes.

PREÇOS MÍNIMOS

Não à toa, as fibras fazem parte do programa de preço mínimo da União. O governo do Amazonas, Estado que é responsável por 70% da produção brasileira de juta e malva, também incentiva os produtores a continuarem na atividade, doando sementes e pagando um subsídio de R$ 0,20 por quilo de fibra entregue na indústria. Pode parecer pouco, mas para o agricultor ribeirinho Dino Marinho, de 68 anos, que colheu 25 toneladas nesta safra, isso significa somar quase R$ 5 mil à renda da família neste ano.

Sem contar o que vai receber pela venda da fibra. A comercialização, aliás, é garantida, pois a demanda é maior que a oferta. "A indústria paga em média R$ 1 o quilo da fibra seca, mas cheguei a receber até R$ 1,20 o quilo por alguns lotes, por causa da boa qualidade", diz o agricultor. Quanto mais clara a fibra melhor.

Para dar conta dos dez hectares que planta no município de Manacapuru, Marinho tem a ajuda de mais cinco pessoas. Alguns filhos já foram morar na cidade, mas o agricultor e a mulher, Rosa, resistem ao lado dos outros filhos, sobrinhos e netos. "Nasci aqui e não quero ir embora. Mas, se não fosse a malva, a gente não teria como ficar", conta ele. "Não dá para plantar mais nada aqui porque o nível da terra é muito baixo. A pesca também já não é tão rentável. A juta é nossa única fonte de renda."

Por ser uma região de várzea baixa, Manacapuru é responsável por 66% da produção da fibra no Amazonas. "Entre 2006 e 2007, o município recebeu R$ 1,2 milhão de subvenção para ser repassado aos produtores de juta e malva", afirma Zacarias Godim, gerente da Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), órgão do governo do Estado responsável pelo pagamento da subvenção e distribuição de sementes.

Para receber o dinheiro, o produtor tem de comprovar a quantidade de fibra entregue para a indústria. Segundo Godim, o programa de subvenção econômica de juta e malva começou em 2004 e já aplicou quase R$ 5 milhões. O incentivo do governo é importante, mas nem sempre foi assim. Por isso, além das sementes doadas, que não são suficientes para garantir o plantio em toda a área do produtor, Marinho mantém a parceria com a indústria.

CONDIÇÕES PRECÁRIAS

O problema do cultivo da fibra são as condições de trabalho. A colheita e a descortificação (processo de retirada da fibra da planta) são feitas dentro d'água. "Muita gente acaba tendo problema de saúde. Mas eu nunca tive nada. Só reumatismo", diz Marinho.

Depois de colhida, explica o secretário do Ifibram, a planta, que chega a atingir 4 metros, precisa ficar de molho por pelo menos dez dias, para que a fibra descole do talo. Por isso, a água é tão importante para o processo de produção. "Eles vivem em função do rio, da água. Estão integrados. Os ribeirinhos têm uma ligação estreita com a água", analisa Leão. Mesmo assim, o Ifibram trabalha para tentar melhorar as condições de trabalho dos produtores. Depois de diversas pesquisas, o instituto conseguiu, em parceria com o Ministério da Agricultura, adaptar uma máquina para fazer a descortificação. O equipamento está sendo testado e deve reduzir o processo de produção de 15 para 5 dias.

A repórter viajou a convite da Companhia Têxtil Castanhal

Material é usado para substituir sacos plásticos

Niza Souza

O apelo ecológico da juta tem aumentado o interesse da indústria, que aposta no material para substituir as sacolas plásticas. "O cultivo é totalmente orgânico e o material usado na confecção dos sacos e fios é biodegradável. As tintas são feitas à base de água", diz Moacir Cavalcante da Silva, gerente de matéria-prima da Companhia Têxtil Castanhal (CTC), responsável por 70% do mercado de sacaria de juta.

Atualmente, há mais duas empresas no setor, a Jutal, de Manaus, e a Cata Amazônica, de Belém (PA). Ao todo, a indústria movimentou R$ 100 milhões no ano passado. E o interesse também vem de fora. Em maio passado, a CTC exportou 200 mil sacolas de juta para a rede italiana Yamamay, especializada em roupa íntima e moda praia. As sacolas estão sendo usadas no lugar das embalagens plásticas nas mais de 500 lojas da rede. "Se tivessem comprado as sacolas na Índia (o maior produtor mundial da fibra) o preço seria inferior, em virtude da mão-de-obra barata nos países asiáticos. Porém, a Yamamay fez questão de comprar as sacolas com a juta brasileira pelo que representa para a preservação da Amazônia", diz o presidente da CTC, Oscar Borges. O projeto rendeu à empresa o Prêmio Carife Ambiental 2008, da Cassa di Risparmio di Ferrara, que premia iniciativas para preservação do ambiente.

OESP, 06/07/2008, Vida, p. A29

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