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Processos dia sim, dia não

O Globo, O País, p. 3
23 de Nov de 2008

Processos dia sim, dia não

Chico de Gois, Isabel Braga e Maria Lima

Desde que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, apontou corrupção e má gestão na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no início do mês, caciques do PMDB se uniram para blindar o presidente do órgão, Danilo Forte. Parlamentares como Jader Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL), Eunício Oliveira (CE) e Henrique Eduardo Alves (RN), que vêm patrocinando as nomeações da cúpula da Funasa, armaram-se contra a investida de Temporão e mantiveram o apadrinhado no cargo. Mas o ministro só tornou público o que órgãos de fiscalização vêm apontando há tempos.
A Funasa é velha conhecida da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de irregularidades em contratos e superfaturamento de preços. Levantamento do Ministério Público junto ao TCU mostra que, desde 2005 até o dia 20 deste mês, foram instaurados no tribunal 368 processos envolvendo a Funasa, sobre ações que teriam resultado num desvio de R$ 87,4 milhões dos cofres públicos. A média é de um processo a cada dois dias e meio, considerando-se os dias úteis.
Por causa da auditoria do TCU, comandada pelo ministro Marcos Bemquerer, a Funasa e sua relação com ONGs indígenas estão na mira de duas CPIs: a das ONGs e a da Subnutrição Indígena, criada para investigar o não-atendimento de aldeias em Mato Grosso do Sul onde houve óbitos de crianças indígenas por inanição. O relatório mostra que a Urihi Saúde Yanomami, entidade que deveria prestar assistência de saúde aos índios de Roraima, foi criada para receber recursos da Funasa: três convênios de R$ 33,8 milhões entre 2000 e 2004. Depois das denúncias de irregularidades, a Urihi suspendeu o atendimento e fechou as portas. O dinheiro nunca voltou.
A ONG Coordenação da União dos Povos e Nações Indígenas de Rondônia, Norte de Mato Grosso do Sul e Amazonas (Cunpir), apesar de ser associação cultural, foi contratada para tratar da saúde dos índios e recebeu mais de R$ 11 milhões por isso.
Forte é indicação de Eunício Oliveira
Francisco Danilo Forte foi indicado pelo deputado Eunício Oliveira, com concordância do presidente do partido, Michel Temer (PMDB-SP), e do líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves. Forte era secretário-executivo do ex-presidente da Funasa Paulo Lustosa - indicado por Renan Calheiros.
Além disso, tem parentesco oblíquo com Eunício: foi casado com Carla, filha do ex-deputado Paes de Andrade e irmã da mulher de Eunício, Monica.
O assessor parlamentar da fundação, Jaime Domingos Casas, que já foi presidente da comissão de licitação do Ministério das Comunicações, também controlado pelo PMDB, é outro do círculo de Eunício.
Foi chefe de gabinete dele, e sua mulher é parente da mulher do deputado, Monica. O diretor-executivo da Funasa, Josenir Gonçalves do Nascimento, é indicação de Alcione Barbalho (PMDB-PA), ex-mulher de Jader. E o diretor administrativo, Williames P. de Oliveira, foi indicado pelo líder do partido no Senado, Valdir Raupp.
Lustosa, ex-presidente da entidade, tem seu nome vinculado a várias das irregularidades apontadas pela CGU e pelo TCU porque a maioria dos contratos foi feita em sua gestão.
- Quem era meu substituto eventual, cuidava dos convênios e era responsável pelas liberações de recursos era o Danilo. Ele realizava os pagamentos - disse Lustosa.
Atacado pelo PMDB, Temporão recuou: sua assessoria informou que suas denúncias se referem a gestões passadas, e que foram baseadas em relatórios da CGU e do TCU. Segundo a assessoria, uma das providências que estão sendo tomadas é o atendimento à antiga reivindicação dos indígenas de retirar da Funasa e passar para a administração direta os programas de saúde indígena.

Ex-presidente ataca sucessor e ex-subordinado

Brasília

Apontado pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, como o alvo de suas críticas de corrupção e má gestão na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o expresidente Paulo Lustosa se defendeu atirando contra o atual presidente do órgão, Danilo Forte. Lustosa argumentou que suas decisões se baseavam em pareceres técnicos e jurídicos. E reafirmou que seu braço direito na época era Forte, então secretário executivo. Afirmou que, na sua gestão, 23 ONGs foram descredenciadas e vários convênios com prefeituras foram refeitos.
Lustosa mandou um recado ao ministro da Saúde: é preciso investigar convênios feitos para a saúde indígena na atual gestão.
- O ministro deveria aprofundar o foco na gestão da saúde indígena. O foco na TV Funasa é tirar o sofá da sala. Pode investigar, mas vamos ver o que houve na saúde indígena. Os mais de 9 mil convênios com prefeituras, com ONGs, para onde vão 70%, 80% dos recursos da Funasa - disse Lustosa.
O atual presidente da Funasa, Francisco Danilo Forte, secretário executivo na gestão de Lustosa, contesta seu antigo chefe e diz, por intermédio da assessoria, que não era responsável por convênios e muito menos por liberação de verbas. Forte afirma que não é citado em relatórios de órgãos de controle internos ou externos e que como secretário não tinha delegação para atos dessa natureza.
"A responsável por convênios é a Coordenação Geral de Convênios (CGCON) do Departamento de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Depin). A liberação de recursos é atribuição desses órgãos", informa a assessoria.
De acordo com a assessoria, os convênios só têm execução orçamentária empenhada depois que as prefeituras apresentam plano de trabalho. "Danilo Forte, então diretor executivo da Funasa, não é citado em nenhum relatório de órgãos de controle interno e externo. Não existem assinaturas autorizando pagamentos. O dirigente não tinha delegação de competência para praticar atos de presidente quando estava em pleno exercício do cargo", informa a nota ao GLOBO. A assessoria informou que a auditoria interna da Funasa realizou 157 trabalhos em 2007, sob a presidência de Francisco Danilo Forte. Para 2008 estão previstas outras 192, tendo sido realizadas até agora 149.

TCU: "Caso da TV Funasa beira o absurdo"

O procurador-adjunto do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, concluiu esta semana relatório no qual aponta irregularidades na contratação, pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), da empresa Digilab para a criação de um canal corporativo com oito horas de programação diária. Ele diz que o escândalo da TV Funasa é emblemático, e mostra o absurdo em que se transformou o mau uso dos recursos públicos no órgão. O procurador diz que as irregularidades são graves e propõe a condenação da empresa e a responsabilização do ex-presidente da Funasa Paulo Lustosa, e de técnicos e diretores do órgão em sua gestão.

Marsico propõe, além da devolução de R$14,7 milhões, que Lustosa e seus auxiliares sejam considerados inabilitados para o exercício de cargo em confiança na administração federal:

- O caso da TV Funasa beira o absurdo. O contrato com a Digilab era de R$70 milhões e foi suspenso a pedido do ministro Paulo Bugarin, do TCU. Mas o débito já foi apurado e os danos, comprovados. O processo deve agora prosseguir e ser distribuído para um ministro relator.

Marsico apontou que a Funasa é um dos órgãos com mais denúncias de irregularidades:

- O único órgão que rivaliza com a Funasa em quantidade de procedimentos de investigação e corrupção é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O que causa mais frustração é que são áreas muito sensíveis, não é só o dinheiro desviado, é o serviço que não é prestado para a população mais carente.

Lustosa disse ser um erro chamar de TV, porque se trata de um sistema multimídia para a realização de teleconferências e treinamentos à distância e que geraria economia de 40% a 60%. E que a acusação contra ele era que não tinha atendido às recomendações do auditor da Funasa, mas que esse parecer só veio quatro meses depois que o sistema estava implantado e duas parcelas já tinham sido pagas.

A Digilab contestou, por meio de seu advogado, as afirmações do procurador. Disse que há 11 volumes de notas fiscais, que comprovariam a realização do serviço, e que não foram consideradas. Segundo o advogado da empresa, o próprio Marsico havia reconhecido a validade das notas fiscais. Mas o procurador diz que não há um parecer conclusivo sobre a veracidade das notas, o que deve ser feito ao longo do processo.

O Ministério Público também detectou irregularidades na execução de um convênio da Funasa com a Fundação Universitária de Brasília (Fubra), que atua na Universidade de Brasília (UnB). O contrato previa a construção de banheiros para a comunidade quilombola Kalunga. O valor da despesa, de R$3 milhões, sofreu vários acréscimos, atingindo a cifra de R$14 milhões. Mesmo assim, 300 banheiros, segundo a Ministério Público, não foram erguidos.

O Globo, 23/11/2008, O País, p. 3

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