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Problemas insepultos

O Paraense-Belém-PA
Autor: Helena Palmquist
12 de Dez de 2001

O conflito da Reserva Apiterewa pode ser o primeiro de muitos. Madeireiros, fazendeiros e agricultores reclamam parte das terras dos índios Parakanã. O problema se arrasta há anos

Os três "homens brancos" assassinados na reserva indígena Apiterewa há cerca de 15 dias poderiam estar vivos. É o que se conclui da leitura do processo número 2001.39.01.000722-1, da Justiça Federal de Marabá. A decisão do juiz Francisco Alexandre Ribeiro foi assinada em 05 de julho deste ano e enviada ao Governo do Estado e aos delegados da Polícia Federal Rafael Oliveira, de Marabá, e Geraldo Araújo, de Belém. A ordem era fazer a reintegração de posse imediatamente. Os mortos, identificados até agora como João, Branquinho e Edílson, deveriam ter sido retirados da reserva por força policial se a determinação judicial tivesse sido cumprida na época. O juiz considerou na sentença: "há fundado receio de que ocorra um conflito sangrento entre os réus e os índios Parakanã, que têm tradição beligerante". E ainda acrescentou: "há suspeita de que a invasão esteja encobertando a ação de madeireiras clandestinas objetivando a extração ilegal de mogno".
Reunião - Segundo a Funai, o líder dos cerca de 1500 invasores é conhecido como Osvaldo Muniz. Ele chegou a convocar o administrador da Funai em Altamira, Benigno Pessoa Marques, para uma reunião na área conhecida como Mineração Taboca, próximo ao limite da área indígena, onde vivem cerca de 5 mil colonos. O administrador compareceu e se surpreendeu com o comício armado: Muniz avisou que ia invadir a reserva e que não reconhecia as terras indígenas. Durante a tensa reunião, Benigno Marques avisou que a invasão era ilegal e colocava em risco a vida de todos. Foi depois disso que a Fundação entrou com um processo de reintegração de posse na Justiça Federal. Para a Polícia Federal, Muniz seria testa de ferro do madeireiro Adão Modesto, que transita entre os municípios de Redenção e São Félix do Xingu, velho conhecido da polícia em processos por roubo de madeira em área indígena. Modesto já teve prisão preventiva decretada até por assassinato em São Félix. As mortes, segundo a Funai, aconteceram depois que um grupo de guerreiros da aldeia do cacique Tewerera descobriu uma picada na floresta feita pelos invasores, que chegava pertinho da aldeia, a dois quilômetros de distância. Ainda segundo o relato dos técnicos da Funai, os próprios índios admitiram que os guerreiros armados foram ao encontro dos invasores que faziam a picada, para expulsá-los da reserva. Alguns teriam saído pacificamente, mas os três homens assassinados, topógrafos que estavam demarcando áreas, provavelmente para exploração madeireira, tentaram resistir. E foram assassinados.
Empurra-empurra - Mesmo depois do cadeado arrombado, as autoridades policiais do estado insistiram no jogo de empurra. A pergunta: quem é responsável pela apuração dos assassinatos? Para a polícia federal a resposta é: "crime comum é responsabilidade do governo estadual", disse por telefone o delegado Geraldo Araújo, superintendente da PF. Para a Secretaria de Segurança, a resposta certa é o oposto: "reserva indígena é área federal, e é responsabilidade da PF", garantiu a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública. A guerra de palavras continuou por alguns dias. "Pela legislação em vigor, o crime é comum, não firma competência federal, mas ainda é preciso esclarecer", abrandou o delegado José Salles. O secretário de defesa social, Paulo Sette Câmara, também colocou água na fervura: "forneço todos os meios para que a PF faça a operação de reintegração de posse". Depois de muita discussão, o acordo foi fechado, nesta semana e as competências finalmente definidas. Uma reunião na segunda-feira entre Ministério Público Federal, Polícia Federal e Secretaria de Defesa Social do Estado decidiu os rumos da operação de resgate na Apiterewa mas não a reintegração de posse.
Recursos - Depois da definição de responsabilidades, o problema passou a ser de verbas. Os corpos dos topógrafos, continuam abandonados no meio da mata, em local de difícil acesso. "Para chegar lá, teremos que voar uma hora e meia de bimotor, e ainda caminhar por oito horas na floresta. Precisamos de um helicóptero e de diárias para os homens", avisou o delegado José Salles, da PF, que ficou responsável pela operação de resgate dos corpos. "Houve omissão, não de um só, mas de muitos: da Funai, do governo do estado, da Polícia Federal. Esbarramos sempre na velha questão: quem vai pagar a conta?", ataca o procurador da república Ubiratan Cazetta. Várias reuniões entre as autoridades do estado deixaram claro que a questão é pecuniária mesmo. "Todo mundo quer fazer as operações, não nos furtamos a ir, mas precisamos de recursos", confirmou o delegado José Salles. O pedido de verbas foi feito ao Ministério da Justiça, através da Funai, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Ainda não foi feita previsão de custos, mas entre avião, combustível e diárias do pessoal, "a operação não vai ficar barata", diz Benigno Marques, da Funai de Altamira. E acrescenta: " em final de exercício é difícil conseguir verbas". Apesar de não ter data marcada, a operação de resgate vai ser feita com homens da Polícia Militar e da Polícia Federal ainda em dezembro. Uma das tarefas: detonar os acessos construídos por madeireiros na reserva. São pontes - conhecidas como buchas - e estradas rasgadas na mata, que são usadas pelos posseiros e colonos para invadir as reservas. A reintegração de posse, determinada na citada sentença do juiz Francisco Alexandre Ribeiro, em 05 de julho, continua sem previsão. 2002 vai começar e os Parakanã ainda estarão aguardando solução.
Reservas invadidas são a regra na região

A área indígena Parakanã, com 980 mil hectares de área entre os municípios de São Félix do Xingu, Senador José Porfírio e Altamira, sempre teve problemas com invasores. A presença dos madeireiros é uma constante e tanto Ibama, quanto Polícia Federal e Funai já fizeram operações de despejo e fiscalização na reserva, nos anos de 92, 93, 94, 95 e 97. Na prática, até hoje a reserva Parakanã não foi demarcada. O decreto para delimitação saiu em 1992, na portaria 267, assinada pelo então ministro Nélson Jobim. O Ministério Público Federal aponta erros até na portaria, que excluiu da reserva duas áreas de propriedade duvidosa: um assentamento feito pelo Incra de maneira irregular e uma fazenda da madeireira Perachi. No caso do assentamento São Francisco, com 27 mil hectares, já foi obtido um acordo para sanar o erro do Incra. Os cerca de 500 colonos concordaram se retirar da reserva no começo de 2001, mas continuam aguardando que o Incra indique uma outra área para assenta-los. No caso da fazenda Perachi, a Procuradoria da República estuda entrar com ação para reintegrar a área à reserva, já que foram encontrados documentos que comprovam a irregularidade dos títulos fundiários da fazenda. Outras fazendas da reserva também estão irregulares: são 192 mil hectares de terras ilegítimas e/ou improdutivas, segundo levantamento feito pelo pelo Incra em 1994. O caso da Apiterewa, que agora ganha notoriedade porque morreram três "homens brancos", é exemplar do problema fundiário das áreas indígenas no Pará. "Seria mais fácil eu dizer quantas reservas no Pará não tem problema de invasão. Ora é garimpo, ora é exploração madeireira. Em algumas vezes, o problema é com os posseiros, mas a maioria dos conflitos se dá no choque com interesses de grandes proprietários ou comerciantes do que que é extraído da floresta", explica a procuradora Débora Duprat, da 6ª Câmara de Populações Indígenas e Minorias, do Ministério Público Federal de Brasília. A região de Altamira e São Félix do Xingu é uma das mais conflituosas. Segundo o administrador das 9 reservas da região, Benigno Marques, só duas reservas conseguem guardar a integridade do território: a Paquiçamba dos índios Juruna, em Senador José Porfírio, e a reserva Arara de Altamira e Medicilândia. As outras sete tem problemas graves, aí incluída a Apiterewa. Marques se arrisca inclusive a prever onde vai estourar o próximo conflito: "tememos que a situação da reserva Cachoeira Seca deságüe em conflito", disse. A reserva de Cachoeira Seca, com cerca de 800 mil hectares, é a moradia de 100 índios Arara do Iriri, na margem esquerda do Rio Iriri, fronteiriça com a rodovia Transamazônica. O problema como sempre é de acesso. Os ramais da Transamazônica abrem caminho para a invasão. E a reserva ainda nem foi demarcada. "A Funai até hoje não conseguiu demarcar por falta de condições de retirar o pessoal que ocupa a área", justifica Marques. A apuração das mortes acabou ficando para segundo plano, diante da necessidade de resgatar os corpos e de desocupar a reserva. Mas a procuradora Débora Duprat declarou sua preocupação com a imputação de culpa aos índios. "Eles são passíveis de imputação criminal. Mas como se trata de um outro grupo étnico, há uma série de questões que devem ser observadas em uma perícia antropológica para só depois decidirmos se podemos julgá-los pelos nossos valores culturais", explicou Duprat.s

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