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As principais causas do desmatamento no Brasil: gado, plantações e especulação de terra

Mongabay - http://news.mongabay.com/
Autor: Alicia Prager
17 de Abr de 2019

As principais causas do desmatamento no Brasil: gado, plantações e especulação de terra
17 Abril 2019
Alicia Prager en | Translated by Mariana Almeida

Uma nova pesquisa mostra que a expansão de terras cultiváveis no Brasil quase dobrou entre 2000 e 2014, passando de 26 milhões de hectares para 46,5 milhões.

80% das novas terras cultiváveis no Brasil são resultado de uma conversão de pastos, enquanto apenas 20% resultam de uma conversão direta de vegetação nativa para terras cultiváveis, especialmente para o plantio de soja.

No entanto, enquanto os pastos "absorvem" plantações em expansão, deixando-as longe das florestas, estudos mostram que o desmatamento brasileiro é quase todo causado pela especulação de terra, por meio da qual os especuladores desmatam uma área, provavelmente vendem a madeira, para então converter a terra em pasto, e vendem rapidamente a terra para algum produtor de soja a um preço bem mais alto.

Os dados do estudo também confirmam uma forte relação entre a implantação da Moratória da Soja, em 2006, e o declínio das conversões de florestas para terras de plantio. Entretanto, a conversão das terras amazônicas para pastos continua alta. Enquanto isso, o Cerrado enfrenta um rápido desmatamento por conta dos pastos e das plantações de soja.

A área brasileira de terras cultiváveis quase dobrou entre os anos de 2000 e 2014, de acordo com uma nova pesquisa do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade de Maryland, Estados Unidos. Essa expansão é significativa, visto que o Brasil já era um grande produtor agrícola no fim do século XX. Em 2000, 26 milhões de hectares foram usados para plantio, e essa área cresceu para 46,5 milhões de hectares em 2014.

O estudo é o resultado de uma imersão na rica base de dados de monitoramento remoto. Ela combina monitoramento de satélite em diferentes resoluções para cruzar e validar resultados advindos de análises do satélite Landsat - um dos maiores arquivos de imagens de satélite do mundo. Os pesquisadores afirmam que esse novo estudo mostra que, ao se usar muitas combinações de dados disponíveis, fica cada vez mais fácil medir e prever os efeitos do desmatamento, assim como evitar erros.

A disponibilidade de uma base de dados apurada é especialmente crucial hoje, já que cresce o medo de que as taxas de desmatamento possam aumentar por causa da esperada desregulamentação das proteções ambientais sob o governo de Jair Bolsonaro. "Os dados de satélite nos permitem monitorar mudanças na cobertura da Terra, por isso, o que quer que aconteça, nós acabamos sabendo", afirma Viviana Zalles, autora-chefe do estudo e doutoranda do laboratório da Global Land Analysis and Discovery (GLAD).

Uma importante descoberta: muitas áreas cultiváveis não são criadas por meio da conversão direta de vegetação nativa. Ao invés disso, acontece um processo de duas etapas: florestas são derrubadas para a criação de pasto; depois esses pastos são, ao longo do tempo, convertidos em plantações, especialmente de soja. De todas as plantações existentes no Brasil, apenas 20% advêm da conversão direta de vegetação nativa, enquanto 80% foram criadas a partir de pastos.

Inicialmente isso pode parecer uma boa notícia, porque os pastos atenuam a expansão de plantações, afirma Viviana Zalles. No entanto, enquanto a criação de novos pastos é o maior agente do desmatamento - e é a principal razão para a perda da cobertura vegetal em todos os tipos de florestas -, a criação de terras para plantio permanece incompreensivelmente ligada à indústria de gado, afirma Vivian Ribeiro, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que atualmente está fazendo um estudo sobre esse aspecto do processo de conversão.

Vivian Ribeiro destaca um ponto muito importante: o frequente caráter especulativo do desmatamento. Áreas são reivindicadas e desmatadas para se fazer pastos, na esperança de que a terra, uma vez limpa, possa ser rapidamente vendida a um preço altamente inflacionado para agricultores - em especial da indústria de soja. A soja oferece muito mais lucros sobre um pedaço de terra do que a criação de gado.

Como resultado, a especulação de terra para ambas as atividades acima é um agente-chave do desmatamento. Na Bahia, por exemplo, 15% da vegetação nativa desmatada para pasto, entre 2012 e 2016, tornou-se plantação em menos de cinco anos, segundo pesquisa do IPAM. "Pastos recém-criados precisam de cerca de 7 anos para dar lucro aos fazendeiros, e por isso desconfiamos das terras que são convertidas em plantações de forma tão rápida", afirma Vivian.

"Isso emite um forte sinal de que a terra foi limpa, na verdade, com intenções especulativas", concorda Tiago Reis, pesquisador de doutorado sobre as cadeias de suprimento da agricultura da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Ele alerta que é muito importante diferenciar de forma clara os diversos grupos do agronegócio - boa parte da indústria trabalha de forma responsável, e até mesmo luta pela produção sustentável. No entanto, outros estão fortemente ligados ao desmatamento e aos conflitos e especulação de terra.

"Com a eleição de Bolsonaro, cresceu a sensação de que os agricultores podem fazer o que quiserem. Esse efeito de seu governo é problemático", afirma Tiago. De fato, durante a campanha eleitoral de 2018, as taxas de desmatamento da Amazônia dispararam para quase 50% durante o crescimento de Bolsonaro na campanha, e, provavelmente, os especuladores da bancada ruralista anunciaram mudanças nas políticas sob a nova administração que permitiria a grilagem de terra sem punição.

Enxergando a terra com novos olhos

"Melhorias em monitoramento remoto são necessárias para entender problemas relacionados ao desmatamento nesse país, e está se tornando cada vez mais importante para que se compreendam os desafios para o futuro", afirma Vivian Ribeiro.

Ao mesmo tempo, pesquisadores que se utilizam do monitoramento remoto apresentam, rapidamente, métodos mais novos e melhores para mapear e estimar a extensão das mudanças no uso da terra. Zalles e seus coautores, por exemplo, usaram análises estatísticas robustas para quantificar a expansão das plantações. Ao fornecerem dados mais precisos, pesquisadores esperam ter maior influência nas decisões políticas.

Vivian Ribeiro enfatiza um fato importante, um que é geralmente levantado por ONGs conservacionistas. Na verdade, o Brasil não precisa desmatar mais terras para aumentar sua produtividade agrícola. "O gado e a soja são muito importantes para a economia, mas as áreas já limpas para atividades agrícolas têm muito potencial para aumentar sua produção", explica Vivian.

Por exemplo, a produção média de carne no Brasil hoje é de 50 quilos por hectare. Entretanto, o potencial de produção para o mesmo pedaço de terra, utilizando-se as melhores práticas agrícolas, pode aumentar para 300 quilos por hectare, afirma Daniel Silva, um dos colegas de Vivian no IPAM.

Intensificar o uso do solo para plantações pode ser mais desafiador, afirma Vivian, e, por isso, pesquisadores como ela sugerem que haja uma maior conversão dos pastos já existentes para terras destinadas à plantação de soja. O Brasil já é o maior exportador de soja do mundo - em 2018, o país vendeu 83,8 milhões de toneladas nos mercado internacional, um aumento de 23,1% comparado a 2017. Graças ao aumento da demanda chinesa por soja, e pela guerra comercial travada entre Donald Trump e China, estima-se que as exportações brasileiras continuem a crescer no futuro - uma demanda produtiva que pode ser atendida por meio da conversão dos pastos sem mais desmatamento.

Porém, para que isso aconteça, deve-se encontrar uma forma para desacelerar o processo de especulação de terra, que acontece em duas etapas, por meio do qual especuladores se apoderam de áreas de florestas virgens , derrubam a mata e provavelmente vendem as árvores, começam a criar gado no local, e rapidamente vendem a terra para produtores de soja a um preço bem alto.

O desmatamento da Amazônia muda para o Cerrado

Durante o período considerado pelo estudo, a perda de vegetação natural na Amazônia diminuiu significativamente, enquanto que a rápida expansão do agronegócio mudou para o Cerrado, uma grande área seca que toma boa parte do leste e do sul da Amazônia Brasileira.

Os pesquisadores descobriram que a taxa de conservação da vegetação nativa no Cerrado era 2,5 vezes maior do que na Amazônia, muito provavelmente porque as políticas de proteção são mais brandas sob o Código Florestal Brasileiro, e por conta da falta de restrições impostas aos produtores de soja do Cerrado, que, por exemplo, não participam de acordos de colaboração voluntária, como a Moratória da Soja.

O Cerrado, e especialmente a região do Matopiba (que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), é geralmente chamado de fronteira agrícola do Brasil por conta da facilidade com que os ricos solos da região e a terra plana podem ser prontamente explorados por empresas agrícolas modernas.

Depois que a expansão agrícola brasileira chegou a seu ápice em 2004, ela diminuiu drasticamente, a um índice bem baixo em 2012. E enquanto as taxas de conservação de vegetação nativa cresciam novamente, como há anos não acontecia, o desmatamento na Amazônia permanecia baixo, especialmente depois que a Moratória da Soja foi instituída, em 2006. Entretanto, o desmatamento na Amazônia vem crescendo novamente nos últimos anos.

Zalles atribui a queda do desmatamento da Amazônia entre 2006 e 2013 à Moratória da Soja - um acordo entre comerciantes de commodities, ONGs conservacionistas e governo, para que não se cultive soja em terras recém-desmatadas. "Se não fosse pela Moratória, é provável que as taxas de desmatamento crescessem novamente na Amazônia também", afirma. Ao se observar a análise de dados do estudo, vemos uma relação entre a implantação da Moratória em 2006 e a diminuição abrupta na conservação de vegetação nativa, devido à produção de soja na Amazônia.

Um acordo similar para o Cerrado, tal como aquele prometido pelo embrionário Manifesto do Cerrado, poderia ser um avanço, afirma Matthew Hansen, codiretor da GLAD, que supervisiona a pesquisa de Zalles. "Precisamos continuar a reduzir as taxas de desmatamento, mas não é o que acontece atualmente. E com a nova administração (Bolsonaro), o atual desenvolvimento geopolítico, as mudanças na alimentação (pessoas consumindo mais carne e soja), e o crescimento populacional, acredito que haverá um crescimento das plantações em áreas naturais", acrescenta Matthew, ressaltando a tendência ascendente de conservação de terras.

É claro que o Brasil vai continuar a ser protagonista como fornecedor de alimentos para um mundo faminto. Por isso, encontrar maneiras inovadoras para aumentar a produtividade em áreas já desmatadas será algo crucial, e vai se tornar cada vez mais imperativo, caso os ecossistemas ricos em biodiversidade do país sejam conservados.

Como um próximo passo, a equipe de pesquisadores da Universidade de Maryland planeja um estudo similar, mas mais amplo, sobre as mudanças do uso do solo em toda a América do Sul, desde 1985. Desta vez, o grupo de pesquisa vai mapear a soja como uma categoria única para entender os impactos ambientais mais abrangentes desta commodity no continente.

Referências:

Viviana Zalles, Matthew C. Hansen, Peter V. Potapov, Stephen V. Stehman, Alexandra Tyukavina, Amy Pickens, Xiao-Peng Song, Bernard Adusei, Chima Okpa, Ricardo Aguilar, Nicholas John, and Selena Chavez. Near doubling of Brazil's intensive row crop area since 2000. By Proceedings of the National Academy of Sciences Jan 2019, 116 (2) 428-435; DOI: 10.1073/pnas.1810301115

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