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Primeiros povos do mundo

Terra da Gente - www.terradagente.com.br
Autor: SANTILLI, Márcio
09 de Ago de 2013

Primeiros povos do mundo
Marcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental (ISA), fala ao TG no Dia Internacional dos Povos Indígenas

Terra da Gente

No Dia Internacional dos Povos Indígenas (09/08), o fundador do Instituto Socioambiental (ISA), uma das maiores organizações engajadas na luta pelos direitos indígenas no Brasil, fala ao TG. Marcio Santilli explica os avanços e os retrocessos nesta questão e explica a problemática da gestão territorial no País.
Filósofo, formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Santilli foi presidente da Funai de setembro de 1995 a março de 1996. Sócio-fundador do ISA, é atualmente coordenador do Instituto. Questões como a dos povos guarani kaiowá no Mato Grosso do Sul e como a das hidrelétricas construídas em rios da Amazônia são comentadas por Santilli na entrevista.
O ISA é uma organização sem fins lucrativos, criada para propor soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais. A fundação tem como foco a defesa de bens e direitos relativos ao patrimônio cultural de diferentes povos. Segundo Santilli, o instituto é pioneiro na organização e divulgação de informações sobre os indígenas. O site do ISA traz um banco de dados completo e atualizado sobre os povos e as terras indígenas.
O Dia Internacional dos Povos Indígenas foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1993, quando também foi definida a Década Internacional dos Povos Indígenas (1994 a 2004). A data tem o intuito de assegurar os direitos e reconhecer as tradições e os costumes dos povos indígenas do mundo todo.

Terra da Gente - O povo e o Estado brasileiro valorizam a questão dos povos indígenas?

Marcio Santilli - Em relação ao que presenciava há cerca de 20 anos, vejo que houve avanços importantes na questão indígena no Brasil. Antes o País sequer sabia quais eram seus povos indígenas e por quais terras lutavam. Hoje a Constituição defende essa parcela da população. Nesse sentido, houve avanços no reconhecimento das terras, sobretudo na Amazônia Legal. Observamos um processo de recuperação de alguns povos, uma pequena melhoria na saúde e educação indígenas. Na época da promulgação da Constituição tínhamos um ou dois indígenas na universidade. Hoje temos centenas. Houve avanços, sim. Hoje, sabemos, por exemplo, que 13,5% das terras nacionais são reconhecidas como terras indígenas. A recuperação demográfica é muito importante. Por outro lado, hoje, vivemos uma conjuntura de retrocesso.

Em que sentido há esse retrocesso?

No sentido de que há ameaças no Congresso Nacional de alterações profundas no direito constitucional dos índios. Presenciamos conflitos por terras, principalmente no Mato Grosso do Sul. Alguns povos estão criticamente ameaçados de extinção. Temos muitos processos na Justiça em nome de alguns direitos deles que estão paralisados. Há um regresso do Governo em relação à destinação de terras para fins socioambientais.

Por que a questão territorial é tão prioritária para esses povos?

Um fato importante é o de que temos um grande número de povos indígenas no Brasil, que são formados por poucas pessoas. Temos mais 3 mil aldeias e mais de 200 povos. Há apenas uns seis povos indígenas nacionais com mais de 20 mil pessoas. O que não ocorre em outros países como a Guatemala que, apesar de ter uma grande diversidade étnica, tem povos extensos. No Brasil há uma pluralidade de povos com uma pequena densidade demográfica. Há etnias grandes como a guarani kaiowá, com cerca de 50 mil pessoas, no Mato Grosso do Sul, que vive em territórios de extensão mínima. O que é um grande problema.

Os conflitos indígenas no MS têm tido grande repercussão na mídia. Por que está tão intenso?

A questão do MS é realmente muito séria. É o Estado brasileiro com a segunda maior população indígena do País. Os guarani kaiowá estão vivendo em uma extensão territorial menor do que a que o governo estabelece para a agricultura familiar. Essa falta de espaço físico para os indígenas resulta em diversos casos de conflito e suicídio. Os indígenas não conseguem sequer produzir alimentos. Daí, vemos na mídia o índio ocupando pedaços de fazenda, pequenos matos sem água limpa e higiene, vemos índios sendo mortos e tirando a própria vida. É uma questão que deve ser tratada com urgência pelo governo e pela população, que deve ajudar na repercussão.

A questão da construção de hidrelétricas, como Belo Monte, também é uma forte ameaça a esses povos? Como o senhor vê a questão?

Ainda há indefinições por parte da política indigenista em relação à questão do setor das hidrelétricas. O que as pessoas precisam entender é que os rios são super importantes para a vida do índio. São recursos essenciais para a sobrevivência e locomoção, principalmente daqueles que vivem na Amazônia. A construção de barragens e mudanças de cursos d'água é uma mudança total no mundo deles. É um impacto muito profundo. Que está sendo cada vez mais praticado. O poder público entende que, em nome da maioria da população que vive na cidade e em nome dos empreendimentos econômicos, deve construir hidrelétricas para fornecer a energia necessária. Deveria, ao mesmo tempo, entender que não pode impor uma alteração radical no mundo indígena, que também tem seus direitos assegurados por Lei.

Como o poder público deveria se organizar para garantir uma gestão mais eficiente das questões indígenas?

Temos muitas etnias nos tantos Estados brasileiros. A Funai tem uma estrutura descentralizada e a saúde também tem essa estrutura. Mas não há um parâmetro territorial local comum. Cada política se organiza de uma forma diferente. Não há uma dinâmica da implementação dessas políticas que permita melhorar as condições concretas de vida. Em outros países, como a Colômbia, há administrações indígenas por municípios e que não são feitas pelo Estado. A etnia indígena na Colômbia é como se fosse uma municipalidade, com uma organização própria, que pode ter um convênio com um ministério. Nessa municipalidade há um administrador de pessoa jurídica. Aqui não temos uma gestão equivalente que seja funcional.

Muitas manifestações acontecem no Brasil, inclusive por parte dos indígenas. Qual sua opinião sobre isso?

Essas manifestações expressam o inconformismo do povo em relação ao vazio político que, por muito tempo, tomou conta do Brasil. Acredito que nesse semestre veremos muitas mobilizações indígenas em Brasília. São reações contra as ameaças vindas, principalmente, do Congresso Nacional. As pessoas, em geral, devem estar atentas e colaborar com os manifestos em prol dos direitos indígenas. É preciso fazer repercutir o que ameaça essa cultura que é nossa identidade e que colabora com todos, não somente com os próprios índios.

Terra da Gente, 09/08/2013

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