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A primavera de outubro

Adital - http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=41909
Autor: Egon Dionísio Heck
13 de Out de 2009

A RESISTÊNCIA DAS FLORES

Elas nascem nos muros,
Nas pedras, no asfalto,
Nas cidades, nas aldeias,
Transformam
a dureza em beleza,
O suor, em frutos,
Os frutos em sementes,
As sementes em novas vidas!

As flores variadas
São queridas, alegres,
Amadas ou maltratadas,
São flechas enfeitas
Apontando pro futuro,
São o presente paciente,
A resistência em marcha,
A raiz de novas vidas!

Queria falar das flores, da terra sendo preparada, da semente sendo lançada, da primavera trazendo a beleza, a natureza espocando em vida. Florescerão as raízes do continente, os povos nativos, carregarão em seus frágeis potes de barro a esperança de uma nova América, plural, igualitária, justa e solidária. Mas hoje eles não são ilhas em meio a um mar de opressão e marginalização. Eles querem ser apenas elos a unir os "sujeito povo" na construção de novos projetos de vida e sociedade.

Na primavera de outubro sorrirá a mãe terra, tenra flor pisada, com botinas e venenos, com motoserras e mortes certas, de milhares de árvores tombando todos os dias, de queimadas incontroláveis incendiando céus e terra, na silenciosa guerra em que esperamos vença a natureza e com ela todos os seres, a biodiversidade tão ameaçada, a vida do planeta terra, acuada.

Não poderia deixar de destacar as lutas por justiça e por direitos, que desabrocham nesta primavera Guarani. Muros e cercas, portões e cadeados vão sendo aos poucos quebrados, libertando a terra e seus lutadores, pequenos gigantes da resistência, em sua infinita paciência, na solidez de sua mística e crença. Sepé Guarani voltará a reunir seus guerreiros, do Rio Grande do Sul ao Pará, do Chaco Paraguaio, ao alto Paraná, da Bolívia ao Uruguai, do Brasil ao Paraguai, da Argentina aos mais distantes rincões da maior territorialidade de um povo na América do Sul.

A primavera é esse vendaval da beleza, que vem consolidar nossa esperança, como diria do alto de sua sabedoria profética, como vulcão libertador, na primavera de seus 81 anos, D. Pedro Casaldáliga "Essa consciência mundializada nos ajuda a compreender que devemos transformar o mundo. Não vale cuidar só a própria casa e o próprio país. A utopia se torna mais possível, porque já é uma utopia com visão política, de solidariedade, com atitudes concretas. Anos atrás, quem poderia pedir um governo mundial? Hoje, falar disso já não é tão utópico. A utopia é filha da esperança. E a esperança é o DNA da raça humana. Podem tirar-nos tudo, menos a esperança fiel, como digo em um poema. Pois bem, deve ser uma esperança confiável, ativa, justificável e atuante".(Podem nos tirar tudo menos a esperança - entrevista, outubro 2009)

Neste dia da criança, gostaria apenas de fazer um pequeno registro sobre a alegria contagiante das crianças indígenas, em meio às mais adversas situações. Fico pasmo e abalado na mesquinhez de nossos mundos consumistas, quanto sou confrontado com a felicidade expressa nos rostos das crianças Guarani Kaiowá, toda vez que vou a Kurusu Ambá. Fico enternecido com os sorrisos soltos entre a cerca e o asfalto no acampamento Laranjeira Nhanderu, Me sinto desafiado toda vez que vou a Nhanderu Marangatu e sinto a energia de centenas de crianças saltitantes, apesar do confinamento a que estão submetidos há décadas.

Quero me alegrar de maneira especial com as crianças Guarani Kaiowá de Guyraroká, que na semana que passou tiveram a o decreto da delimitação de sua terra, finalmente, assinado pelo Ministro da Justiça. Presente nenhum poderia ser melhor do que o avanço de um passo na reconquista definitiva de sua terra. Vão-se as primaveras, passam os meses, mais forte fica a esperança. Ela passa por Yvy Katu, chega a Foz do Iguaçu e ganha o mundo.

Cimi MS
Campo Grande, 12 de outubro de 2009

* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

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