VOLTAR

Prezados/as amigos/as da lista,

Distrito Sanitário-Alto Solimôes-Tabatinga-AM
28 de Fev de 2004

Pensando em socializar informações sobre alguns fatos ocorridos em Manaus,
por ocasião da recente reunião entre dirigentes da Funasa, representantes de
organizações indígenas, de organizações não-governamentais e de prefeituras
municipais, preparei essa mensagem, que é composta por relatos sobre a
reunião, pela transcrição de parte da fita gravada naquela ocasião e por
alguns comentários adicionais.

Possíveis omissões, referentes a nomes de participantes e/ou às suas falas
são de inteira responsabilidade minha. As quais atribuo à minha memória (ou
à falta dela) e não à intenção de forjar fatos e/ou situações inexistentes.

Na última quinta-feira viajei do Alto Solimões para Manaus atendendo ao
convite feito pela CORE/Funasa. Havia sido informado que nos dias 26, 27 e
28 aconteceriam discussões sobre os planos distritais dos DSEIs, ocasião em
que seriam pactuados projetos e propostas para a atenção básica à saúde
indígena.

No dia 26, ao desembarcar pela manhã no aeroporto Eduardo Gomes fui
informado que "as ongs" participariam somente de uma reunião, das 14 às 17 h
do dia 27.

No dia 27, às 14h, havia no Auditório da Funasa apenas alguns funcionários
do órgão, além das lideranças indígenas, dos representantes de ongs e de
prefeituras.

Por volta das 15 horas sentaram-se à mesa o Sr. Ricardo Chagas, a Sr. Lúcia
Antony (Coordenadora Regional), o Sr. Valdi Camácio e um outro representante
regional cujo o nome não registrei. No decorrer da reunião, chegou o
Procurador Regional da Funasa, que não foi apresentado e sequer falou.

A reunião teve, então, início com Ricardo Chagas pedindo para os
representantes de organizações e/ou prefeituras conveniadas com a Funasa se
apresentarem. Em seguida, próximo das 15h30min., Valdi Camácio começou a sua
fala, que teve uma duração aproximada de 40 minutos (parte da transcrição em
anexo).

Em seguida, o Coordenador da COIAB, Jecinaldo foi à frente e leu o documento
(transcrição em anexo) que foi entregue, em seguida, ao presidente da
Funasa. Além desse documento, Jecinaldo entregou um outro, específico da
COIAB, além de três perguntas escritas a Valdi Camácio.

Após Jecinaldo, falaram: Jorge Marubo (CIVAJA), Braz (FOIRN), Clóvis
Ambrósio (CIR), Paulo (DSEI-AS) e Margareth (Indasp).

Jorge afirmou que pouquíssimos profissionais da Funasa conhecem as aldeias
no Vale do Javari e mostrou-se preocupado com a possibilidade de a situação
se agravar com a implementação do "novo modelo".

Braz, ironicamente, fez referência ao "dia não muito apropriado para a
verdade" escolhido pela Funasa para "implementar seu novo modelo" (a data
foi mudada para 02/04). Destacou a importância dos povos indígenas na região
do Alto Rio Negro onde, segundo ele, totalizam aproximadamente 95% da
população e, fundamentado nesse dado, reiterou que a FOIRN não deve ser
tratada como ong, mas sim como organização indígena. Visto que representa
interesses específicos de populações indígenas. Reconheceu a
responsabilidade da Funasa pela gestão da saúde indígena, embora se
mostrasse muito preocupado com a "transição" para o "novo modelo", em função
da possibilidade de os seus aspectos burocráticos ocasionarem paralisações
em atividades relacionadas à atenção à saúde.

Clóvis Ambrósio (CIR) fez referência ao tempo em que a Funai era responsável
pela saúde indígena para falar sobre a forma apressada como os seus
profissionais de saúde passavam pelas aldeias. Citou, como exemplo, de
descaso à saúde indígena, uma situação em que foi obrigado a retornar,
"depois do almoço", para buscar remédios porque o funcionário observara que
aproximava-se das 11h. Considerou que a situação melhorou muito com a
criação dos distritos e demonstrou-se preocupado com a possibilidade de
voltar a ser como era na época da Funai. Observou que o modelo defendido
atualmente pela Funasa não trata-se de novidade.

Quando falei, referindo-me à fala do presidente da Funasa, observei que,
caso a intenção do órgão seja realmente a de unificar os sistemas,
metodologias, etc., deveria unificar também os seus discursos. Pois, Valdi
Camácio acabara de afirmar que em 2003 ongs não recebiam recursos (que
"estavam lá...") porque não tinham prestado contas, enquanto as técnicas do
Desai, ainda em dezembro daquele ano, diziam que há quatro meses não havia
"disponibilidade orçamentária" mesmo para as prestações de contas já
aprovadas, como a nossa. Em seguida, levando em conta o anúncio de "repasse
mensal de recursos" pela Funasa, quis saber se o órgão teria condições de
analisar 34 prestações de contas mensalmente, considerando que atualmente
gasta, em média, de 3 a 4 meses analisando uma quantidade bem menor.

Margareth, lembrou ao presidente da Funasa que a criação dos modelos
diferenciados para a saúde indígena não se deu a partir de 99, como ele
afirmara. Destacou a importância das iniciativas, ocorridas nesse campo,
provenientes do Estado do Amazonas. Observou, nesse sentido, que o modelo
estabelecido pelas Portaria 69 e 70 não tem nada de novo. Questionou a
"capacidade instalada da Funasa" na região e demonstrou preocupação com a
possibilidade de interrupções nas ações de saúde que vêm sendo desenvolvidas
atualmente. Reconheceu que a Funasa deve responsabilizar-se pela saúde
indígena, todavia cuidando para que não haja descontinuidade nas ações dos
distritos.

O presidente da Funasa "respondeu" às perguntas/questões, ora destacando o
caráter democrático da gestão da Funasa e as suas iniciativas no sentido de
"otimizar", "adequar", "melhorar" o seu funcionamento ("estamos criando as
nossas perninhas", respondeu à questão que coloquei sobre a capacidade do
órgão para analisar 34 prestações de contas mensalmente) ora, condenando o
"tom agressivo" do documento entregue pelo Jecinaldo" (referia-se,
sobretudo, à aplicação do termo "autoritária" à recente política da Funasa).

Representando a CORE/AM, a Srª Lúcia Antony fez um breve e entusiasmado
discurso, afirmando que é inaceitável que crianças (referindo às indígenas
do Amazonas) continuem morrendo desidratadas e que a CORE/Am tem se
esforçado para modificar a situação atual.

Em seguida, o outro representante da CORE/AM, condenou de modo enfático o
"tensionamento" que marcou a reunião e falou da importância de pactuarmos em
torno de interesses comuns. Ressaltou que "ninguém aqui é da elite", e que
todos "somos pobres, negros, índios, etc" razões pelas quais o tensionamento
deveria ser superado pelo diálogo e pela pactuação. Passou o microfone para
Ricardo Chagas que, sorrindo, disse que ele deveria continuar...

O diretor do DESAI, enfatizou a necessidade de sempre fundamentarmos as
nossas discussões na História (tinha em mãos uma publicação da Funasa, de
capa azul clara, que alguém lhe trouxera durante a reunião). Citou a Lei
Arouca para argumentar que tudo o que se está querendo implementar agora, já
estava colocado em 1991. Nesse sentido - acrescentava - os questionamentos
ao "novo modelo" não faziam sentido. Ressaltou, ainda, a determinação da
Funasa/Desai no sentido de estimular os debates, pois são eles que
possibilitam a criação de propostas sensatas.

Depois do Ricardo, falei que concordava com ele, naquilo que dizia respeito
ao uso da História como referência para nossas argumentações e, nesse
sentido, recordei que a Funasa adiou o seminário que ocorreria em dezembro
de 2003, convocou uma oficina em 2004 na qual os movimentos indígenas e os
representantes de ongs foram silenciados e que, nesse momento,
participávamos de uma reunião que começara com atraso e na qual o presidente
da Funasa havia falado por quase uma hora. E que, além disso, o comunicado
do "novo modelo" se deu por meio da internet, sem nenhum debate que o
antecedesse, fato que surpreendera as conveniadas da Funasa. Dessa forma -
continuei - não via sentido no argumento de que a Funasa estimulava os
debates, de que tem sido democrática e, tampouco, aceitava a caracterização
da atitude do movimento indígena ali representado como agressiva. Destaquei,
ainda, que o documento entregue ao presidente da Funasa resultava de um
processo que excluíra a possibilidade de diálogo e a livre expressão dos
índios e representantes de ongs. Certamente - prossegui - caso tivessem
prevalecido a democracia e os debates o documento não seria necessário. E
que era fundamental que os dirigentes ali presentes tivessem em conta que
ele é a expressão de organizações indígenas que representam uma parcela
significativa da população indígena do país e que um rompimento delas com a
Funasa poderia significar o caos para a saúde indígena. Chamei a atenção dos
dirigentes da Funasa para a sua condição de servidores públicos, o que lhes
atribui enorme responsabilidade com relação aos interesses coletivos, no
caso, dos índios do Amazonas.

Margarete, em seguida, disse que a reunião apontava para um consenso em
torno de que processo de transição para um outro modelo de gestão da saúde
indígena deva se dar de modo gradual. Razão pela qual, defendeu a proposta
de uma reunião para discussão sobre os encaminhamentos que devem ser
observados para que não haja descontinuidade nas ações de saúde.

Na seqüência, falou Júlio que se apresentou como servidor concursado da
Funasa, sindicalista e, sobretudo, índio Tukano identificado com as lutas da
sua etnia e da FOIRN. Ressaltou que as suas referências políticas são as
lideranças indígenas do Alto Rio Negro. Disse que entendia os profissionais
de saúde, contratados através dos convênios firmados com a Funasa, como
funcionários públicos em situação precária. Defendeu a realização de
concursos públicos e a criação de planos de cargos e salários na Funasa.
Disse discordar da URIHI, quando essa ong refere-se à política da Funasa
como expressão de um "centralismo democrático" pois, na sua opinião existe
sim um forte "stanilismo autoritário". Afirmou que existe no interior da
Funasa um preconceito acentuado com relação aos índios do qual ele,
inclusive, já fora vítima. Destacou que as organizações indígenas não devem
ser confundidas com ongs pois representam movimentos sociais de povos
específicos e que a Funasa deve compreender tal fato.

Valdi Camácio, concordou com a idéia da reunião e sugeriu o dia 18 de março
como data para a sua realização. Disse, inicialmente, que deverão participar
dela as pessoas que subscreveram o documento que lhe foi entregue. Foram
feitas sugestões para que os chefes dos distritos também participem. Houve
acordo nesse sentido. Foi sugerido que a reunião ocorresse em dois dias (18
e 19). Mas o acerto final se deu em torno do dia 18, sem excluir,
entretanto, a possibilidade, caso seja necessário, de extensão do evento até
o dia 19.
A COIAB ficou responsável de definir melhor o encontro junto com a Funasa.

Considerações finais:

Analisando as discussões que se deram na reunião e os fatos que envolveram a
sua realização, destaco algumas questões que merecem a atenção daqueles/as
que preocupam-se com os rumos da política de atenção básica à saúde
indígena.

- Na fala do próprio diretor do DESAI está implícito o reconhecimento de que
as Portarias 69 e 70 não instituem nada de novo. Nesse sentido, é
conveniente abandonar a idéia de "novo modelo de gestão" e retomar a
perspectiva de construção de mecanismos que aprimorem o funcionamento dos
distritos e da política de atenção à saúde indígena;
- Existe a compreensão, expressa pelos representantes das organizações
indígenas e ongs, de que cabe à Funasa assumir a gestão da saúde indígena.
Por isso, não justifica-se o temor de que elas desejem perpetuar os atuais
convênios;
- É consensual entre as organizações indígenas e ongs que a forma como a
Funasa pretende implementar as Portarias 69 e 70 resultará em graves
problemas para os serviços de atenção básica à saúde indígena. Por essa
razão, defendem que o processo de transição seja gradual e observe um
programa de reuniões, encontros, seminários, etc. que culminem na
Conferência Nacional de Saúde Indígena de 2005 (que, segundo Ricardo Chagas,
deverá ocorrer no 2o semestre);
- Não restam dúvidas com relação ao fato de que os representantes das
organizações indígenas não aceitam ser confundidos com representantes de
ongs. Falta agora, aos dirigentes e aos demais funcionários da Funasa,
reconhecerem que o diálogo com o movimento indígena deve se pautar no
respeito às suas especificidades e à sua capacidade de mobilização política;
- É notável o amadurecimento político de algumas lideranças indígenas e a
sua capacidade de articulação política, fato que não deve ser desprezado
pela Funasa na condução das propostas que defende para a saúde indígena;
- Os dirigentes da Funasa ainda não apresentaram argumentos e dados
convincentes, que assegurem às suas conveniadas que as mudanças que propõem
não significarão o estrangulamento de vários DSEIs;
- Nas propostas da Funasa não há nenhuma menção aos problemas causados pelas
prefeituras municipais que manejam recursos do PSFI, tampouco nada é dito
com relação ao descontrole sobre os recursos que recebem alguns hospitais
municipais (mas não aplicam) para compra de medicamentos e/ou assistência
aos índios. Tais fatos constituem-se em sérios problemas para o
funcionamento de alguns distritos, todavia foram esquecidos pelos dirigentes
da Funasa.

Baseado nos fatos relatados e nas considerações acima, acredito que a
intensificação da mobilização das organizações indígenas e ongs conveniadas
à Funasa e a busca de apoios de setores da sociedade brasileira e de
organizações de solidariedade internacionais, constituem-se, nesse momento,
em ações fundamentais que busquem conter a irresponsabilidade definida como
política inovadora pelos dirigentes da Funasa. Nesse processo os/as
participantes dessa lista poderão desempenhar importantes papéis.

Paulo Roberto de Abreu Bruno
Coordenador Administrativo do DSEI-AS
Convênio Conselho Geral da Tribo Tikuna/Funasa

Tabatinga/AM, 28 de fevereiro de 2004.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.