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Previsões do clima

O Globo, Economia, p. 26
Autor: LEITÃO, Míriam
17 de Dez de 2004

Previsões do clima

A reunião de Buenos Aires do Protocolo de Kioto termina hoje, melancolicamente, na opinião do secretário de Meio Ambiente de São Paulo, o físico José Goldemberg. "Os países estão aceitando a mudança climática como inevitável e ela pode ser evitada", diz. Ele acha também que o Brasil defendeu a posição errada: não quer se comprometer com a redução das emissões de carbono, apesar de ter se transformado no 5 maior poluidor do mundo.
Para Goldemberg, o erro da reunião que termina hoje em Buenos Aires foi o de não ter mudado a agenda quando a realidade mudou. A 10Convenção da ONU sobre mudanças climáticas (COP-10) começou a ser preparada no cenário de não adesão da Rússia ao protocolo. Sendo assim, o acordo não entraria em vigor, não seria iniciado o programa de redução das emissões, o que confirmaria todos os piores cenários. Ocorre que pouco tempo antes da reunião, a Rússia aderiu ao protocolo. Assim, completou-se o volume necessário de adesões e a negociação deveria ter entrado em outro estágio.
- Como não houve adaptação à mudança dos fatos, a agenda ficou pessimista. Todo o debate foi preparado como se o desastre fosse inevitável. Era hora de se realizar um segundo compromisso entre os países. Com Kioto entrando em vigor, precisamos saber qual é o passo seguinte - diz.
O brasileiro em geral acha que, quando o assunto é meio ambiente, nós entramos com um enorme ativo: a Amazônia. Em Buenos Aires, os países apresentaram seu "inventário" de emissão e o que se viu foi o oposto do senso comum: a Amazônia virou um passivo; pela maneira como o país está lidando com esse patrimônio ambiental.
Em emissões urbanas e industriais, o Brasil não é um grande poluidor, mas o ritmo do desmatamento da Amazônia é tão alto que representa três vezes mais poluição que as indústrias e os automóveis das grandes cidades. Foi essa a constatação do nosso inventário, que, aliás, estava pronto desde o governo passado e foi, segundo Goldemberg, "empurrado para debaixo do tapete".
A ministra Marina Silva tem dito que o ritmo do desmatamento está caindo: foi de 28% o aumento de área desmatada em 2002, caiu para 2% em 2003 e este ano estaria estabilizado. O secretário José Goldemberg duvida que esteja se estabilizando e acha que, mesmo se isso acontecesse, não seria um consolo:
- Estamos destruindo uma Alagoas por ano, ou seja, 25 mil km². Não vejo nenhum motivo para comemorar um número como este. O balanço do ano de 2004 vai mostrar que subiu de novo o ritmo, mas, mesmo que estivesse estabilizado, este é o maior desmatamento de florestas tropicais do mundo.
Isso não só não é motivo de orgulho em lugar algum do mundo, como é o que está fazendo com que o Brasil suba no ranking dos poluidores.
A posição que o país defendeu em Buenos Aires foi de não admitir nenhum controle das emissões de carbono aqui. Argumentou que, ao longo da História da Humanidade, foram os países ricos que emitiram o maior volume de carbono, que o Brasil teve uma contribuição pequena nesse desastre ambiental. Não quer, portanto, assumir responsabilidades que possam inibir o processo de desenvolvimento econômico. Essa sempre foi a posição brasileira, não apenas a do governo Lula. Goldemberg acha que tem sido assim por "conservadorismo do Itamaraty":
- Estamos nos agarrando ao que aconteceu há 200 anos. Não é porque os outros pecaram no passado que vamos pedir um habeas- corpus preventivo para pecar também.
Em linguagem econômica se poderia dizer que o Brasil confunde fluxo com estoque. Ou seja, do estoque de emissões, o Brasil participou pouco já que seu processo de desenvolvimento foi mais lento e algumas escolhas, como a de fontes renováveis na energia, fizeram com que o país emitisse pouco no passado. Mas o que interessa agora é o fluxo, porque é ele que nos levará às perigosas mudanças climáticas.
- O que está acontecendo na Amazônia é seriíssimo. Temos que reverter esse processo não só pelo mundo, mas por nós também. A posição do governo de rejeitar qualquer compromisso de redução das emissões porque isso supostamente impediria o nosso desenvolvimento é um argumento da época dos militares. Não faz sentido algum - afirma Goldemberg.
China e Índia também estão na mesma situação: passaram a ser grandes emissores e rejeitam qualquer tipo de compromisso sob o argumento de que isso pode limitar o seu desenvolvimento. Na opinião de Goldemberg, essa idéia envelheceu por três motivos: primeiro, as novas tecnologias permitem um desenvolvimento sem agressões ambientais; segundo, a destruição do espaço comum não pode ser apresentada como direito aos países menos desenvolvidos e terceiro, esses três países estão na lista dos cinco que mais poluem. Os Estados Unidos são os campeões, depois vêm exatamente a China, a Rússia, a Índia e o Brasil.
No mundo, há desigualdades até no efeito estufa. Ou seja, os problemas ambientais atingem mais os pobres:
- Se tivermos mesmo mudanças climáticas que produzam elevação de um metro do oceano, que é uma das hipóteses para este século, Nova York vai construir diques, mas Bangladesh vai perder 1/3 do seu território - alerta Goldemberg.

O Globo, 17/12/2004, Economia, p. 26

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